TONTO E DISTRAÍDO
distraído pelo mundo, importa-se somente com
seu rebanho e com os filhos. A morte o leva embora
como uma enchente leva uma aldeia adormecida.
O DHARMA DA DISTRAÇÃO:
O fato é que as distrações jamais desaparecerão. Você pode até fugir para uma pequena caverna e ficar lá sozinho, mas as distrações irão segui-lo onde quer que vá. Você não pode se livrar das distrações, mas através da prática da meditação, você pode mudar a forma como reage a elas. É como a história de Ulisses e as Sereias, que seduziam marinheiros para fora da sua rota diretamente para o recife, para as suas mortes. Para sobreviver, Ulisses amarrou-se ele próprio ao mastro e apelou à sua tripulação para que tapasse os seus ouvidos.
Tal como as Sereias, as distrações puxam-nos para fora da nossa rota. A palavra “distração” significa ser puxado, ser afastado. Quando você está distraído, é como se algo fora de você tivesse capturado a sua atenção. Distração é também referida como desultória, da raiz latina que significa “pular de um lado para o outro”. Então, um outro aspecto' da distração é ser desmiolada, mentalmente saltitante. O Budismo chama isso de “mente de macaco”. Em resposta, tal como Ulisses, podemos nos agarrar ao mastro da disciplina através da meditação da atenção plena.
A meditação da atenção plena, também conhecida como a permanência serena, ajuda-nos a desenvolver uma mente mais calma e estável. Isso nos dá mais foco e concentração e é uma maneira eficaz de superar a distração comum. No entanto, em termos de caminho espiritual, esta pragmática aplicação da prática da meditação é apenas um começo.
É importante perceber que no buddha-dharma, o propósito de trabalhar com a distração ou divagação da mente não é apenas para que fique mais focado no que você está fazendo. Apesar disso ser extremamente útil, é apenas o primeiro passo. Obter um melhor controle sobre a sua mente para que você não esteja tão exposto á distração é apenas uma medida paliativa.
Basicamente, temos a tendência para gostar de práticas espirituais que não sejam muito ameaçadoras, práticas que confirmam o que estamos fazendo e nos ajudam a fazer melhor. Em vez de olhar para o nosso ser fundamental, preferimos ver a meditação como um exercício de autoaperfeiçoamento, como ir a academia e malhar. Podemos, então, gozar da satisfação de nos tornamos mental e fisicamente mais aptos. Isso é ótimo, mas não chega a tocar nas profundezas do que a distração realmente é.
Quando as distrações chegam podemos lidar com elas, mas temos de olhar mais profundamente. O que realmente alimenta a nossa distração? O que está por trás dessa inquietação? Embarcar no caminho do dharma exige que desenvolvamos a coragem de olhar para além da nossa distração, para o que reside por de trás dela. Isso requer que questionemos o que realmente é a distração, do que estamos nos distraindo e porquê. Neste caminho, precisamos descascar, camada por camada, todos os níveis de distração até que alcancemos uma espécie de hipocentro.
"Neste mundo, sansárico, ou confuso, a maioria de vocês cresceu fisicamente, mas psicologicamente são ainda muito jovens. Se a sua mente é tão adolescente que você não tem controle sobre ela, as coisas que você é ensinado são desperdiçadas, porque você não as escutou —não porque você é estúpido mas sim porque você está distraído. A disciplina da meditação é a melhor maneira para você trabalhar com a sua mente, para que a sua mente e seu corpo possam ser devidamente coordenados." ( Chögyam Trungpa)
De acordo com a psicologia budista, a distração é classificada, juntamente com coisas tal como preguiça e falta de atenção, como um dos vinte fatores desestabilizadores da mente. Em sânscrito, esse fator é chamado vikshepa. Ela surge quando o fluxo natural das percepções sensoriais se mistura e contamina-se com as nossas emoções. Em outras palavras, a distração é alimentada pelos suspeitos de costume: apego, rejeição e negação. Então distração não é apenas um tique mental. É altamente emocional.
Embora vikshepa seja muitas vezes traduzido como “distração” ou “vagueio mental”, refere-se mais especificamente à mente que vagueia sendo atraída para objetos que causam a perda da sua capacidade de se manter exclusivamente focada na virtude. Portanto, este termo aponta para um tipo específico de distração – distração por não manter sua atenção no que é importante, o que é genuíno e virtuoso.
Aprender a puxar a nossa mente quando está vagueando é uma abordagem reativa: nós estamos aprendendo a como responder às distrações. Mas à medida que mais facilmente respondemos às distrações externas, descobrimos uma ainda mais gigantesca montanha de distração interna. Começamos a perceber que não é apenas uma questão de reação a algo fora de nós – nós próprios estamos continuamente criando distrações. Nós achamos que precisamos de distrações, pelo que continuamente as cozinhamos e alimentamos. Elas são as nossas companheiras, os nossos animais de estimação.
Chögyam Trungpa Rinpoche chamou à nossa contínua distração interna de “fofocas do subconsciente”, uma espécie de contínuo zumbido de fragmentos e opiniões do pensamento. Com isso, ele falou sobre o que ele chamou de “mente de entretenimento.” Esta mente de entretenimento precisa ser alimentada constantemente. Se não tiver distrações imediatas, ela vai fabricar novas distrações na hora. Por isso, estamos empenhados num projeto contínuo de distração, mantendo as distrações e entretenimentos fluindo sem interrupção. Há um ar de desespero acerca desses rios de distração que criamos.
A nossa esperança é que se mantivermos a distração fluindo, não teremos de olhar para quem somos, não teremos que sentir o que sentimos, não teremos que ver o que vemos. Mas o caminho espiritual é um dos removedores destas cortinas de fumaça para aceitação dos fatos. É um processo de desmascaramento. É muito assustador perceber como somos tão dependentes em todo este esquema, e ainda mais assustador quando percebemos que este contínuo projeto de distração pode entrar em colapso a qualquer momento.
A distração é alimentada pela nossa luta constante para nos garantirmos em relação aos outros e ao ambiente. Esse projeto, por sua vez é alimentado pelo nosso medo de deixar ir e pela nossa falta de confiança em nós mesmos. É como se estivéssemos em guarda o tempo todo, com medo de perder a oportunidade de atacar e continuamente atentos a potenciais ameaças ou ataques. Com base nessas emoções, nossa mente é puxada para lá e para cá. Para lidar com este nível de distração, precisamos não só domar a mente que vagueia, mas também diminuir o seu fornecimento de combustível: o vai e vem de emoções.
“A causa de todos estes sofrimentos é a nossa insegurança fundamental. Estamos sempre pensando se nós existimos ou não. Nosso ego, ou melhor, o nosso apego à ideia de si mesmo, é completamente insegura sobre sua própria existência. Nosso ego pode parecer forte, mas na verdade é muito instável. Claro, nós não fazemos tais perguntas conscientemente, mas sempre temos um sentimento subconsciente de insegurança sobre se nós existimos.
Tentamos usar coisas como amigos, dinheiro, posição e poder, e todas as coisas diárias que fazemos, como assistir televisão ou ir às compras, para de alguma forma, provar e confirmar a nossa existência. Tente sentar-se sozinho em uma casa e não fazer absolutamente nada. Mais cedo ou mais tarde, suas mãos vão chegar para o controle remoto ou o jornal. Precisamos estar ocupados. Precisamos ser ocupados. Se não estão ocupados, nos sentimos inseguros.
Mas há algo muito estranho em tudo isso. O ego constantemente procura por distração, e em seguida a própria distração torna-se um problema. Em vez de nos ajudar a sentir seguros, ela realmente aumenta nossa insegurança. Ficamos obcecados com a distração e isso se desenvolve em mais um hábito. Assim que se torna um hábito, é difícil se livrar. Portanto, a fim de se livrar deste hábito novo, temos de adotar mais um hábito. Esta é a forma como as coisas tem acontecido conosco continuamente…vez após vez.” (Dzongsar Khyentse Rinpoche)
Não existe tal coisa como distração
Então a mente que tem o poder da concentração, que diz que tem completo controle sobre o pensamento, é uma mente estúpida. Se for assim, então você deve encontrar um modo de investigação que não seja simplesmente através da concentração. Concentração implica distração, não é? A mente assume uma posição e diz que tudo mais é distração. Ela diz que eu devo pensar nisto e exclui tudo mais. Agora, para mim, não existe tal coisa como distração porque não existe posição central que a mente assume e então diz: eu vou atrás disso e não daquilo. Então vamos tirar tanto a palavra como o sentimento condenatório da distração. Por favor, experimente o que estou dizendo. Tire essa palavra distração não apenas verbalmente, mas emocionalmente, internamente. Então você verá o que acontece com sua mente. Para nós atualmente existe concentração e distração, uma perspectiva concentrada e um devaneio. Então você vê que criamos uma dualidade e, portanto, um conflito. Você desperdiça sua vida lutando entre o pensamento escolhido e as distrações, e quando você consegue uma hora em que está completamente tomado por uma ideia você sente que alcançou alguma coisa. Mas se você tira esta ideia de distração completamente então vai descobrir que sua mente está num estado de reação – num estado de associação que você chama “devaneio”. Esse é o fato, e você tirou o elemento de conflito. Então você está livre para lidar com os devaneios, você pode investigar por que a mente devaneia não meramente tentar interrompê-la, controlá-la. Então, desde que você tirou a palavra, o sentimento de estar distraído, o que está funcionando agora é uma mente que está atenta ao devaneio, à reação.
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