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sábado, 30 de abril de 2016

O AMOR É A ÚNICA RELIGIÃO, 
O ÚNICO DEUS

 "O amor para ser verdadeiro  tem de doer.
Não basta dar o supérfluo a quem necessita;
 é preciso dar até que isso nos machuque".
(Madre Tereza)

 
O amor é a única religião, o único Deus, o único mistério que tem que ser vivido, compreendido. Quando o amor for compreendido, você terá compreendido todos os sábios e todos os místicos do mundo.

Não é uma coisa difícil. É tão simples quanto as batidas do seu coração ou a sua respiração. Ele vem com você, não é concedido pela sociedade. E esse é o ponto que eu quero enfatizar: o amor vem com o nascimento, mas não vem plenamente desenvolvido, é claro, assim como todo o resto. A criança tem que crescer.

A sociedade se aproveita dessa lacuna. O amor da criança leva tempo para crescer; enquanto isso a sociedade aproveita para condicionar a mente da criança com ideias falsas sobre o amor.

Na época em que está pronto para explorar o mundo do amor, você já está abarrotado com tantas bobagens sobre o amor que já não há muita esperança de que seja capaz de encontrar o autêntico e descartar o falso.

E o amor é uma flor tão delicada que não pode ser forçada a ser permanente. Você pode ter flores de plástico, que é o que as pessoas têm — casamento, família, filhos, parentes, tudo de plástico. O plástico só tem uma coisa muito espiritual: é permanente.

O amor verdadeiro é uma incerteza assim como a vida é uma incerteza. Você não pode afirmar que estará aqui amanhã. Você não pode sequer dizer que estará vivo daqui a pouco. A sua vida está mudando continuamente — desde a infância até a juventude, a meia-idade, a velhice, a morte, ela continua mudando.

O amor de verdade também mudará.

É possível que, se você for uma pessoa iluminada, o seu amor tenha transcendido as leis costumeiras da vida. Ele nem está mudando nem é permanente; simplesmente é. Não é mais uma questão de como amar; você se tornou o próprio amor, por isso o que quer que faça é amoroso.

Não que você faça algo especificamente que seja amor; faça o que fizer, o seu amor se derramará sobre isso. Mas antes da iluminação o seu amor será exatamente como todo o resto: ele mudará.

 
 
Osho
 
 
 
 
 
O Amor é um salto para o eterno, excede qualquer conceito, qualquer definição, é algo tão profundo e maravilhoso que só poderemos compreendê-lo quando formos capazes de doá-lo, sem nada querer em troca e Saint-Exupéry sabia disso ao dizer: "O verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem. Por isso nunca se canse de amar, algum dia você verá os grandes frutos do seu amor que foi sempre cultivado". KyraKally

ZORBA O BUDA
Parte II
 
Zorba o Buda é a mais rica possibilidade. Ele viverá a sua natureza ao seu máximo. Ele cantará canções desta terra.
 
Ele não trairá a terra e também não trairá o céu. Ele reivindicará tudo o que a terra tem - todas as flores, todos os prazeres - e também reivindicará todas as estrelas do céu. Ele reivindicará a existência inteira como seu lar.
 
O homem do passado era pobre porque ele dividia a existência; o novo homem, meu rebelde, Zorba o Buda, reivindica o mundo inteiro como seu lar. Tudo o que ele contém é para nós e temos que usá-lo de todas as formas possíveis - sem culpa, sem conflito, sem escolha. Sem escolher, desfrute tudo o que a matéria é capaz de oferecer, e aprecie tudo o que a consciência é capaz de oferecer.
 
Seja um Zorba, mas não pare aí.
 
Continue movendo-se para tomar-se um Buda. Zorba é a metade, Buda é a metade.
 
Existe uma história antiga. Em uma floresta, perto de uma cidade moravam dois mendigos. Obviamente eles eram inimigos um do outro, como todos os profissionais são - dois médicos, dois professores, dois santos. Um era cego e o outro era aleijado, e ambos eram muito competitivos; o dia inteiro eles estavam competindo entre si na cidade.
 
Mas uma noite seus casebres pegaram fogo, porque toda a floresta estava em chamas. O cego podia sair correndo, mas ele não podia ver para onde correr, ele não podia ver aonde o fogo não havia se espalhado ainda. O aleijado podia ver que ainda havia possibilidades de escapar do fogo, mas ele não podia correr - o fogo estava muito forte, muito selvagem - assim, o aleijado podia apenas ver sua morte se aproximando.
 
Ambos compreenderam que precisavam um do outro. O aleijado teve uma repentina compreensão: "O outro homem pode correr, o cego pode correr e eu posso ver". Eles esqueceram toda a sua competição. Em um momento tão crítico, quando ambos estão encarando a morte, necessariamente se esquece toda a estúpida inimizade.
 
Eles criaram uma grande síntese; eles concordaram que o cego carregaria o aleijado em seus ombros e eles funcionariam como um único homem - o aleijado pode ver e o cego pode correr. Eles salvaram suas vidas. E porque cada um salvou a vida do outro, eles se tomaram amigos; pela primeira vez deixaram de lado seu antagonismo.
 
Zorba é cego - ele não pode ver, mas ele pode dançar, pode cantar, pode celebrar. O Buda pode ver, mas ele pode somente ver. Ele é pura visão apenas claridade e percepção - mas ele não pode dançar, está aleijado; não pode cantar, não pode celebrar.
 
Está na hora. O mundo está pegando fogo; a vida de todos está em perigo. O encontro de Zorba e Buda pode salvar a humanidade inteira. Este encontro é a única esperança.
 
Buda pode contribuir com consciência, claridade, olhos para ver além, olhos para ver aquilo que é quase invisível. Zorba pode dar todo o seu ser à visão de Buda - e não a deixe permanecer apenas uma visão seca, mas faça-a um estilo de vida dançante, celebrativo, extático.
 
O embaixador de Sri Lanka escreveu uma carta para mim dizendo que eu deveria parar de usar as palavras "Zorba o Buda"... porque Sri Lanka é um país budista. Ele disse: "É uma ofensa aos nossos sentimentos religiosos esta sua mistura de estranhas pessoas, Zorba e Buda".
 
Eu escrevi a ele: "Talvez você não entenda o fato de que Buda não é propriedade pessoal de ninguém, e Buda não é necessariamente o Gautama Buda que vocês têm adorado por milhares de anos em seus templos. Buda simplesmente significa "o acordado". É um adjetivo; não é um nome pessoal. Jesus pode ser chamado o Buda; Mahavira era chamado, nas escrituras jainas, o Buda; Lao Tzu pode ser chamado um Buda - qualquer um que seja iluminado é um Buda. A palavra Buda simplesmente significa "o acordado". Ora, acordar não é propriedade de ninguém; todos que podem dormir, podem também acordar. Isso é natural, lógico, consequente - se você é capaz de dormir, você é capaz de acordar. Zorba está dormindo; portanto ele tem a capacidade de estar acordado. Assim, por favor, não fique desnecessariamente enraivecido, furioso. Eu não estou falando sobre o seu Gautama Buda; eu estou falando sobre a pura qualidade de estar acordado. Eu o estou usando somente como um símbolo".
 
Zorba o Buda simplesmente significa um novo nome para um novo ser humano, um novo nome para uma nova era, um novo nome para um novo começo.
 
Ele não respondeu. Até mesmo as pessoas que possuem postos de embaixadores são completamente ignorantes, estúpidas. Ele pensou que estava escrevendo uma carta muito significativa para mim, sem ao menos entender o significado de Buda. Buda não era o nome de Gautama. Seu nome era Gautama Sidarta. Buda não era o seu nome - o nome dado por seus pais era Gautama Sidarta. Sidarta era o seu nome, Gautama era o seu sobrenome. Ele é chamado de Buda porque despertou; de outra forma, ele era também um Zorba. Qualquer um que não esteja acordado é um Zorba.
 
Zorba é um personagem fictício, um homem que acreditava nos prazeres do corpo, nos prazeres dos sentidos. Ele desfrutava a vida ao seu máximo, sem se preocupar com o que iria acontecer a ele na próxima vida - se iria para o céu ou seria jogado no inferno. Ele era um pobre servente; seu patrão era muito rico, mas muito sério - com a cara amarrada, muito britânico.
 
Em uma noite de lua cheia... Eu não sou capaz de esquecer o que ele disse ao seu patrão. Ele estava em sua cabana; foi para fora, com o seu violão estava indo dançar na praia - e convidou o patrão. Ele disse: "Patrão, somente uma coisa está errada em você - você pensa demais. Vamos! Esta não é hora de pensar; a lua está cheia, e todo o oceano está dançando. Não perca este desafio".
 
Ele arrastou o patrão pelo braço. Seu patrão tentou resistir, porque Zorba era absolutamente maluco, ele costumava dançar na praia todas as noites! O patrão estava sentindo-se embaraçado - e se alguém chegar e ver que ele está acompanhando Zorba? E Zorba não estava somente convidando seu patrão a ficar ao seu lado; ele estava convidando-o a dançar!
 
Vendo a lua cheia, e o oceano dançando, e as ondas, e Zorba cantando com seu violão, subitamente o patrão começou a sentir uma energia em suas pernas que nunca havia sentido antes. Encorajado e persuadido, finalmente ele entrou na dança, a princípio relutantemente, olhando em volta, mas não havia ninguém na praia no meio da noite. Então ele esqueceu tudo sobre o mundo e começou - tornou-se um com Zorba-o-dançarino, e o Oceano-o-dançarino, e a Lua-a-dançarina. Tudo se desvaneceu. Tudo se tomou uma dança.
 
Zorba é um personagem fictício e Buda é um adjetivo para qualquer um que abandone seu sono e se tome acordado. Nenhum budista precisa se sentir ferido.
 
Eu estou dando a Buda a energia para dançar, e eu estou dando a Zorba os olhos para ver, além dos céus, os longínquos destinos da existência e da evolução.
 
Meu rebelde não é outro senão Zorba o Buda.
 
 
 
Osho, em "O Rebelde: O Verdadeiro Sal da Terra"
 
 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

ZORBA, O BUDA
 Parte I


Meu rebelde, meu novo homem, é Zorba o Buda. A humanidade tem acreditado ou na realidade da alma e no ilusionismo da matéria, ou na realidade da matéria e no ilusionismo da alma. Você pode dividir a humanidade do passado em espiritualistas e materialistas.Mas ninguém se preocupou em olhar para a realidade do homem. Ele é ambos, simultaneamente.

Mas ninguém se preocupou em olhar para a realidade do homem. Ele é ambos, simultaneamente. Ele não é apenas espiritualidade - ele não é apenas consciência - nem é apenas matéria. Ele é uma tremenda harmonia entre matéria e consciência. Ou talvez a matéria e a consciência não sejam duas coisas, mas somente dois aspectos de uma realidade: matéria é o exterior da consciência e consciência é a interioridade da matéria.

Mas não houve um único filósofo, sábio ou místico religioso do passado que tenha declarado essa unidade; todos eles estavam a favor de dividir o homem, chamando um lado de real e o outro lado de irreal. Isso tem criado uma atmosfera esquizofrênica em todo o planeta.

Você não pode viver apenas como um corpo. Isso é o que Jesus quer dizer quando declara: "Nem só de pão vive o homem" - mas essa é somente meia verdade. Você não pode viver apenas como consciência; você não pode viver sem o pão. Você tem duas dimensões em seu ser e ambas as dimensões devem ser satisfeitas, devem receber iguais oportunidades de crescimento. Mas o passado tem sido ou a favor de uma e contra a outra, ou a favor da outra e contra a primeira.

O homem não tem sido aceito como uma totalidade.

Isso tem criado infelicidade, angústia e uma tremenda escuridão, uma noite que tem durado milhares de anos, que parece não ter fim. Se você escuta o corpo, você se condena; se você não escuta o corpo, você sofre fica faminto, fica pobre, fica sedento. Se você escutar somente a consciência, o seu crescimento será desigual; sua consciência crescerá, mas seu corpo definhará e o equilíbrio será perdido. E no equilíbrio está a sua saúde, no equilíbrio está a sua totalidade, no equilíbrio está a sua alegria, está a sua canção, está a sua dança.

O Ocidente escolheu escutar o corpo, e tornou-se completamente surdo em relação à realidade da consciência. O resultado final é uma ciência notável, uma tecnologia notável, uma sociedade afluente, uma riqueza nas coisas mundanas; e no meio de toda esta abundância, um homem pobre, sem uma alma, completamente perdido - não sabendo quem ele é, não sabendo porque ele é, sentindo-se quase como um acidente ou um capricho da natureza.

A menos que a consciência cresça com a riqueza do mundo material, o corpo - a matéria - torna-se pesado demais e a alma torna-se fraca demais. Você está demasiadamente oprimido pelas suas próprias invenções, pelas suas próprias descobertas. Ao invés de criarem uma bela vida para você, elas criam uma vida que é sentida, por toda a intelligentsia do Ocidente, como indigna de ser vivida.

O Oriente escolheu a consciência, e tem condenado a matéria e tudo que seja material - inclusive o corpo - como "maya", como ilusório, como uma miragem em um deserto, a qual tem apenas aparência, mas que não tem realidade em si mesma. O Oriente criou um Gautama Buda, um Mahavira, um Patanjali, um Kabir, um Farid, um Raidas - uma longa linha de pessoas com grande consciência, com grande sabedoria. Mas também criou milhões de pessoas pobres, famintas, em inanição, morrendo como cachorros - sem comida suficiente, sem água para beber, sem roupas suficientes, sem abrigos suficientes.

Uma situação estranha... No Ocidente, a cada seis meses eles têm que jogar produtos lácteos e outros alimentos no oceano, no valor de bilhões e bilhões de dólares, em virtude da superprodução - e eles não querem superlotar seus depósitos, não querem baixar seus preços e destruir sua estrutura econômica. Por um lado, mil pessoas estavam morrendo por dia na Etiópia, e ao mesmo tempo o Mercado Comum Europeu estava destruindo tanta comida que o custo desta destruição era de dois bilhões de dólares. Esse não é o preço do alimento, mas sim o preço de levá-lo e jogá-lo no oceano. Quem é responsável por essa situação?

O homem mais rico do Ocidente está procurando por sua alma e se sente vazio, sem nenhum amor, somente cobiça; sem nenhuma oração, somente repetindo como papagaio palavras que lhe foram ensinadas nas escolas dominicais. Sem nenhuma religiosidade - sem sentimentos para com outros seres humanos, sem reverência pela vida, pelos pássaros, pelas árvores, pelos animais - a destruição é muito fácil.

Hiroshima e Nagasaki não teriam acontecido se o homem não fosse concebido apenas como matéria. Tantas armas nucleares não teriam sido armazenadas se o homem fosse concebido como um Deus oculto, um esplendor oculto, não para ser destruído, mas para ser descoberto; não para ser destruído, mas para ser trazido à luz - um templo de Deus. Mas se o homem é apenas matéria, apenas química, física, um esqueleto coberto de pele, então, com a morte tudo morre, nada permanece. E por isso que se torna possível para um Adolf Hitler matar seis milhões de pessoas, sem hesitação. Se as pessoas são apenas matéria, não há porque pensar duas vezes.

O Ocidente perdeu sua alma, sua interioridade. Cercado por insignificâncias, pelo tédio, pela angústia, ele não está se encontrando. Todo o sucesso da ciência tem provado ser inútil, porque a casa está cheia de tudo, mas o dono da casa está faltando.

Aqui no Oriente, o dono está vivo, mas a casa está vazia. É difícil estar alegre com os estômagos vazios, com os corpos doentes, com a morte à sua volta; é impossível meditar. Assim, temos sido desnecessariamente perdedores. Todos nossos santos e todos nossos filósofos - espiritualistas e materialistas, ambos - são responsáveis por esse imenso crime contra o ser humano.

Zorba, o Buda é a resposta.

Ele é a síntese da matéria e da alma.

Ele é uma declaração de que não existe conflito entre a matéria e a consciência, de que podemos ser ricos em ambos os sentidos: podemos ter tudo que o mundo pode oferecer, que a ciência e a tecnologia podem produzir, e ainda podemos ter tudo que um Buda, um Kabir, um Nanak encontra em seu ser interior - as flores do êxtase, a fragrância da divindade, as asas da liberdade suprema.

Zorba o Buda é o novo homem, é o rebelde.
Sua rebelião consiste em destruir a esquizofrenia do homem, destruir a divisão - destruir a espiritualidade como contrária ao materialismo e destruir o materialismo como contrário à espiritualidade.

Ele é um manifesto de que o corpo e a alma estão juntos, de que a existência está repleta de espiritualidade, de que até mesmo as montanhas estão vivas, de que até mesmo as árvores são sensitivas, de que a existência inteira é ambas... ou talvez uma única energia expressando-se de duas maneiras - como matéria e como consciência. Quando a energia está purificada, ela se expressa como consciência; quando a energia está crua, não purificada, densa, ela se manifesta como matéria. Mas a existência inteira nada mais é do que um campo de energia.

Essa é a minha experiência - não minha filosofia. E isso é confirmado pela física moderna e suas pesquisas: a existência é energia.

Podemos permitir ao homem ter os dois mundos, simultaneamente. Ele não precisa renunciar a este mundo para obter o outro, tampouco ele tem que negar o outro mundo para usufruir deste. Na verdade, ter somente um mundo, sendo você capaz de ter ambos, é ser desnecessariamente pobre.


 Osho, em "O Rebelde: O Verdadeiro Sal da Terra"

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A PAZ SÓ PODE ACONTECER 
SE EXISTIR AMOR
 
Estivemos examinando os vários fatores que acarretam deterioração em nossas vidas, em nossas atividades, em nossos pensamentos; e vimos que o conflito é um dos principais fatores dessa deterioração. E também a paz, como é geralmente compreendida, não é um fator destrutivo? Pode a paz ser produzida pela mente? Se tivermos paz através da mente, não levará isso também à corrupção, à deterioração? Se não estivermos alertas, se não formos observadores, a palavra "paz" torna-se como uma janela estreita através da qual miramos o mundo que procuramos compreender. Por uma janela estreita só podemos ver parte do céu, e não toda a vastidão, toda a magnificência dele. Não há possibilidade de se ter paz apenas por buscar a paz, o que é inevitavelmente um processo da mente. 

Pode ser um tanto difícil entender isto, mas procurarei torná-lo o mais simples e claro que puder. Se pudermos compreender o que significa ser pacífico, talvez compreendamos o verdadeiro significado do amor. 

Pensamos que a paz seja algo a alcançar por meio da mente, através da razão; mas será assim? Pode a paz advir mediante quietação, controle ou domínio do pensamento? Todos desejamos paz; e, para a maioria, paz significa não ter amolação, não ser importunado nem sofrer interferência, então construímos uma parede ao redor de nossa mente, uma parede de ideias. 

É muito importante que compreendam isto, pois à medida que crescerem vocês serão confrontados com os problemas da guerra e da paz. A paz é algo a ser buscado, obtido e domado pela mente? O que a maioria chama de paz é um processo de estagnação, uma lenta decadência. Achamos que vamos encontrar paz apegando-nos a um conjunto de ideias, construindo interiormente uma muralha se segurança, uma parede de hábitos ou crenças; achamos que a paz é uma questão de busca de um princípio, de cultivo de uma dada tendência, de uma determinada fantasia, de um particular desejo. 
 
Queremos viver sem perturbação, então encontramos algum canto do universo, ou do nosso próprio ser, em que aninhamos e vivemos à sombra do auto encerramento. Eis aí o que a maioria busca em seus relacionamentos com o marido, a esposa, com os pais, com os amigos. Inconscientemente queremos paz a qualquer preço e, portanto, a buscamos. 

Mas acaso pode a mente encontrar paz? Não é ela mesma uma fonte de distúrbio? A mente só pode juntar, acumular, negar, afirmar, lembrar, buscar. A paz é absolutamente essencial, porque sem ela não podemos viver de forma criativa. Mas será a paz algo a ser concretizado mediante as lutas, as negações, os sacrifícios da mente? Compreendem o que quero dizer? 

Podemos estar descontentes enquanto somos jovens, mas à proporção que ficamos mais velhos, a menos que sejamos muito sábios e vigilantes, esse descontentamento será canalizado para alguma forma de pacífica resignação com a vida. A mente está perenemente buscando um hábito, uma crença, um desejo separado, algo em que possa viver, e estar em paz com o mundo. 
 
Mas a mente não pode encontrar paz, porque ela só pode pensar em termos de tempo, em termos de passado, presente e futuro: o que foi, o que é e o que será. Ela está constantemente condenando, julgando, ponderando, comparando, perseguindo suas próprias vaidades, seus hábitos, suas crenças; e essa mente nunca pode estar em paz. Ela poderá iludir-se e simular um estado que chame de paz; mas isso não será paz. A mente pode mesmerizar-se pela repetição de palavras e frases, por seguir alguém ou acumular conhecimentos; mas não está em paz, porque tal mente é, ela própria, o centro de perturbação, ela é, por sua própria natureza, a essência do tempo. Portanto, a mente com que pensamos, com que calculamos, com que maquinamos e comparamos, é incapaz de encontrar paz. 

A paz não é fruto da razão; e, no entanto, como vocês verão se as observarem, as religiões organizadas estão presas a essa busca de paz por intermédio da mente. A verdadeira paz é tão criativa e tão para como a guerra é destrutiva; e, para encontrar essa paz, é preciso compreender a beleza. Por isso, é importante, enquanto somos jovens, termos a beleza ao nosso redor — a beleza de edifícios que tenham proporções adequadas, a beleza da limpeza, de conversas tranquilas entre os mais velhos. Ao entender o que é beleza, conheceremos o amor, pois a compreensão da beleza é a paz do coração. 

A paz é do coração, não da mente. Para conhecer a paz vocês terão de descobrir o que é a beleza. O seu modo de falar, as palavras que empregam, os gestos que fazem — essas coisas importam muito, pois por meio delas vocês descobrirão o refinamento de seu próprio coração. A beleza não pode ser definida, ela não pode ser explicada com palavras. Só pode ser compreendida quando a mente está muito quieta. 

Assim sendo, enquanto são jovens e sensíveis, é essencial que vocês — tanto quanto seus responsáveis — criem uma atmosfera de beleza. Seu modo de vestir, de andar, de sentar, de comer — todas essas coisas, e as coisas que os cercam, são muito importantes. À medida que crescerem, vocês enfrentarão as coisas feias da vida — edifícios feios, pessoas feias pela malícia, pela inveja, pela ambição, pela crueldade; e se, em seu coração, não estiver fundada e estabelecida a percepção do belo, você serão facilmente engolfados pela enorme correnteza do mundo. Então ficarão presos na interminável luta para encontrar a paz através da mente. A mente projeta uma ideia do que seja a paz e procura alcançá-la, ficando, assim, presa nas malhas das palavras, na rede das fantasias e ilusões. 

A paz só pode acontecer se houver amor. Se vocês só tiverem paz através da segurança, do dinheiro ou de alguma outra coisa, ou através de certos dogmas, rituais, repetições verbais, não haverá criatividade; vocês não sentirão a urgência de fazer uma revolução fundamental no mundo. Tal paz só leva ao contentamento e à resignação. Mas quando em vocês houver a compreensão do amor e da beleza, então encontrarão a paz que não é a mera projeção da mente. É essa paz que é criativa, que remove a confusão e estabelece a ordem interior. Mas essa paz não vem através de nenhum esforço. Ela surge quando se está constantemente vigilante, quando se é sensível tanto ao feio como ao bonito, ao que é bom e ao que é mau, a todas as vicissitudes da vida. A paz não é uma coisa mesquinha, criada pela mente; ela é infinitamente grandiosa, ampla, e só pode ser compreendida quando o coração está cheio dela. 

 
 
Krishnamurti
NA CONDENAÇÃO OU JUSTIFICAÇÃO
NÃO HÁ COMPREENSÃO
 
Você diz que o libertar-nos do “eu”  é uma árdua tarefa, e, ao mesmo tempo, você declara que todo o esforço de libertação constitui um empecilho a essa própria libertação. Como executar essa “árdua tarefa” sem esforço? (Pergunta alguém da plateia)

O que você entende por esforço? Quando é que faz esforço? E se não há esforço algum, implica isso indolência, estagnação? Comecemos, pois, por averiguar o que se entende por esforço, em que sentido estamos fazendo esforço? E por que fazemos esforço.

Quando dizemos “fazer esforço”, entendemos sempre um desperdício de energias com o fim de alcançarmos um resultado, não é isso? Desejamos mais saúde, mais compreensão, uma melhor situação econômica, social ou política, etc., o que significa que estamos sempre fazendo esforço para chegarmos a alguma parte.

Ou, também, fazemos esforço para afastar certos obstáculos psicológicos. Se somos invejosos, dizemos que não devemos sê-lo, assim, uma resistência contra a inveja.

Ou, ainda, queremos ser muito eruditos, queremos saber mais, para causar uma ótima impressão nos outros ou para obtermos um emprego melhor; por conseguinte, lemos, estudamos.

Eis tudo o que sabemos a respeito do esforço, não é verdade?

Para a maioria de nós, o esforço ou é positivo ou negativo, um processo de vir a ser ou não vir a ser; e esse mesmo processo provém do centro do “eu”, não é exato? Se sou invejoso e faço esforço para não sê-lo, não há duvida de que a entidade que faz tal esforço é ainda o “ego”, o “eu”.

Todo o esforço para dominar o “eu”, positiva ou negativamente é ainda parte do "eu", e, por conseguinte, só pode dar-lhe mais força; e ficamos presos nesse circulo vicioso.

O problema, pois, é de como quebrar o circulo vicioso, essa cadeia continua de esforços que só servem para fortalecer o “eu”.

Ao perceber que é invejosa, a mente deseja não ser invejosa, pensando que o não ser invejoso traz certa compensação; obtém ela certa satisfação do esforço que faz para não ser invejosa, registra uma vitória espiritual. Assim, em não ser invejosa a mente encontra segurança, proteção, e o produto do esforço é ainda o “ego”, o “eu”.

Tenha a bondade de perceber bem isso, só isso.

Surge assim, o problema: que devo fazer, quando sou invejoso? Estou acostumado a rejeitar a inveja, a levantar resistência contra ela; veja agora o quanto isso é fútil, quanto é absurdo que uma parte de mim mesmo esteja a negar outra parte quando eu sou o todo. Que devo então fazer?

Entretanto, jamais chegamos a esse ponto, não reconhecemos nunca o fato de sermos, ao mesmo tempo, a inveja e o desejo de não ser invejoso. Quando somos invejosos, fazemos vigorosos esforços para dominar a inveja, e pensamos que esse esforçar-se é benéfico, e nos libertará do “eu”. Não o fará.

Mas quando compreendo, quando estou perfeitamente cônscio de que a inveja e o desejo de não ser invejoso constitui um processo total, há então esforço? Ocorre então algo inteiramente diferente, não é verdade?

Muito bem. No momento em que estamos cônscios de ser invejosos, coléricos ou ciumentos, põe-se em funcionamento um processo de condenação; e enquanto estamos condenando, não há compreensão.

As próprias palavras “inveja”, “cólera”, “ciúme”, subentendem julgamento, comparação, condenação, não é exato? Através de séculos de educação, de civilização, de ensino religioso, estas palavras adquiriram um sentido de censura, representam algo que cumpre afastar, algo que devemos resistir, combater, e nossa reação é toda nesse sentido.

Assim, ao dar nome a certos sentimentos, já estou em atitude condenatória; e o próprio ato de condenar, de resistir a um sentimento, dá-lhe mais força. Se não condeno a inveja, isso significa render-me a ela? Tornar-me-ei mais invejoso? Ora, a inveja é sempre inveja, nem mais nem menos.

O desejo, a direção pode variar,  mas a inveja, é sempre a mesma coisa, quer tenha por objeto um “Ford” ou um “Cadillac”, quer objetive uma casa grande ou uma casa pequena. Assim, pois, o não dar nome para a inveja, e portanto o não condena-la, não significa ceder a ela.

Quando compreendemos que a própria palavra “inveja” denota condenação, que o sentimento de antagonismo à inveja é inerente à própria palavra, manifesta-se logo um estado de liberdade. Essa liberdade não se opõe à inveja, não é liberdade da inveja.

Liberdade de uma determinada qualidade não é liberdade nenhuma, e o homem livre de algo assemelha-se ao homem que está contra o governo: enquanto ele está contra alguma coisa não é um homem livre. A liberdade é completa em si; não resulta de alguma atitude, não é contra algum estado ou qualidade.

Vemos, pois, que todo esforço para vencermos alguma coisa, para libertar-nos de alguma coisa, só dá mais força ao “eu”, ao “ego”; e quando compreendemos isso realmente, quando estamos conscientes da qualidade do seu oposto, como um processo total, e percebermos como a própria palavra encerra condenação ou estímulo, então já não estamos na sujeição das palavras e, portanto, nosso espirito está livre para considerar, observar o que é .

A compreensão do que é, e a liberdade que traz, não resulta de exercício persistente, de esforço penoso, a que dedicamos vários minutos todas as manhãs; apenas surge essa compreensão quando estamos conscientes, em todo o ocorrer do dia, das árvores, dos pássaros, das nossas próprias reações, das coisas que sucedem interior e exteriormente, como um processo total.

Quando há condenação ou justificação, não há compreensão do que é; por isso torna-se dificílimo o estar consciente.

O que é só pode ser compreendido momento por momento, e isso significa devemos estar perfeitamente conscientes de que estamos julgando, de que cada palavra implica rejeição ou aceitação. Enquanto a mente for a expressão verbal do seu próprio condicionamento, nunca será livre. Só há liberdade quando a mente está aliviada de todo o pensamento.

 
 
Krishnamurti