A PAZ SÓ PODE ACONTECER
SE EXISTIR AMOR
Estivemos examinando os vários fatores que acarretam deterioração em
nossas vidas, em nossas atividades, em nossos pensamentos; e vimos que o
conflito é um dos principais fatores dessa deterioração. E também a
paz, como é geralmente compreendida, não é um fator destrutivo? Pode a
paz ser produzida pela mente? Se tivermos paz através da mente, não
levará isso também à corrupção, à deterioração? Se não estivermos
alertas, se não formos observadores, a palavra "paz" torna-se como uma
janela estreita através da qual miramos o mundo que procuramos
compreender. Por uma janela estreita só podemos ver parte do céu, e não
toda a vastidão, toda a magnificência dele. Não há possibilidade de se
ter paz apenas por buscar a paz, o que é inevitavelmente um processo da
mente.
Pode ser um tanto difícil entender isto, mas procurarei torná-lo o mais
simples e claro que puder. Se pudermos compreender o que significa ser
pacífico, talvez compreendamos o verdadeiro significado do amor.
Pensamos que a paz seja algo a alcançar por meio da mente, através da
razão; mas será assim? Pode a paz advir mediante quietação, controle ou
domínio do pensamento? Todos desejamos paz; e, para a maioria, paz
significa não ter amolação, não ser importunado nem sofrer
interferência, então construímos uma parede ao redor de nossa mente, uma
parede de ideias.
É muito importante que compreendam isto, pois à medida que crescerem
vocês serão confrontados com os problemas da guerra e da paz. A paz é
algo a ser buscado, obtido e domado pela mente? O que a maioria chama de
paz é um processo de estagnação, uma lenta decadência. Achamos que
vamos encontrar paz apegando-nos a um conjunto de ideias, construindo
interiormente uma muralha se segurança, uma parede de hábitos ou
crenças; achamos que a paz é uma questão de busca de um princípio, de
cultivo de uma dada tendência, de uma determinada fantasia, de um
particular desejo.
Queremos viver sem perturbação, então encontramos
algum canto do universo, ou do nosso próprio ser, em que aninhamos e
vivemos à sombra do auto encerramento. Eis aí o que a maioria busca em
seus relacionamentos com o marido, a esposa, com os pais, com os amigos.
Inconscientemente queremos paz a qualquer preço e, portanto, a
buscamos.
Mas acaso pode a mente encontrar paz? Não é ela mesma uma fonte de
distúrbio? A mente só pode juntar, acumular, negar, afirmar, lembrar,
buscar. A paz é absolutamente essencial, porque sem ela não podemos
viver de forma criativa. Mas será a paz algo a ser concretizado mediante
as lutas, as negações, os sacrifícios da mente? Compreendem o que quero
dizer?
Podemos estar descontentes enquanto somos jovens, mas à proporção que
ficamos mais velhos, a menos que sejamos muito sábios e vigilantes, esse
descontentamento será canalizado para alguma forma de pacífica
resignação com a vida. A mente está perenemente buscando um hábito, uma
crença, um desejo separado, algo em que possa viver, e estar em paz com o
mundo.
Mas a mente não pode encontrar paz, porque ela só pode pensar em
termos de tempo, em termos de passado, presente e futuro: o que foi, o
que é e o que será. Ela está constantemente condenando, julgando,
ponderando, comparando, perseguindo suas próprias vaidades, seus
hábitos, suas crenças; e essa mente nunca pode estar em paz. Ela poderá
iludir-se e simular um estado que chame de paz; mas isso não será paz. A
mente pode mesmerizar-se pela repetição de palavras e frases, por
seguir alguém ou acumular conhecimentos; mas não está em paz, porque tal
mente é, ela própria, o centro de perturbação, ela é, por sua própria
natureza, a essência do tempo. Portanto, a mente com que pensamos, com
que calculamos, com que maquinamos e comparamos, é incapaz de encontrar
paz.
A paz não é fruto da razão; e, no entanto, como vocês verão se as
observarem, as religiões organizadas estão presas a essa busca de paz
por intermédio da mente. A verdadeira paz é tão criativa e tão para como
a guerra é destrutiva; e, para encontrar essa paz, é preciso
compreender a beleza. Por isso, é importante, enquanto somos jovens,
termos a beleza ao nosso redor — a beleza de edifícios que tenham
proporções adequadas, a beleza da limpeza, de conversas tranquilas entre
os mais velhos. Ao entender o que é beleza, conheceremos o amor, pois a
compreensão da beleza é a paz do coração.
A paz é do coração, não da mente. Para conhecer a paz vocês terão de
descobrir o que é a beleza. O seu modo de falar, as palavras que
empregam, os gestos que fazem — essas coisas importam muito, pois por
meio delas vocês descobrirão o refinamento de seu próprio coração. A
beleza não pode ser definida, ela não pode ser explicada com palavras.
Só pode ser compreendida quando a mente está muito quieta.
Assim sendo, enquanto são jovens e sensíveis, é essencial que vocês —
tanto quanto seus responsáveis — criem uma atmosfera de beleza. Seu modo
de vestir, de andar, de sentar, de comer — todas essas coisas, e as
coisas que os cercam, são muito importantes. À medida que crescerem,
vocês enfrentarão as coisas feias da vida — edifícios feios, pessoas
feias pela malícia, pela inveja, pela ambição, pela crueldade; e se, em
seu coração, não estiver fundada e estabelecida a percepção do belo,
você serão facilmente engolfados pela enorme correnteza do mundo. Então
ficarão presos na interminável luta para encontrar a paz através da
mente. A mente projeta uma ideia do que seja a paz e procura alcançá-la,
ficando, assim, presa nas malhas das palavras, na rede das fantasias e
ilusões.
A paz só pode acontecer se houver amor. Se vocês só tiverem paz através
da segurança, do dinheiro ou de alguma outra coisa, ou através de certos
dogmas, rituais, repetições verbais, não haverá criatividade; vocês não
sentirão a urgência de fazer uma revolução fundamental no mundo. Tal
paz só leva ao contentamento e à resignação. Mas quando em vocês houver a
compreensão do amor e da beleza, então encontrarão a paz que não é a
mera projeção da mente. É essa paz que é criativa, que remove a confusão
e estabelece a ordem interior. Mas essa paz não vem através de nenhum
esforço. Ela surge quando se está constantemente vigilante, quando se é
sensível tanto ao feio como ao bonito, ao que é bom e ao que é mau, a
todas as vicissitudes da vida. A paz não é uma coisa mesquinha, criada
pela mente; ela é infinitamente grandiosa, ampla, e só pode ser
compreendida quando o coração está cheio dela.
Krishnamurti