ENSINAMENTOS ZEN - V
Toda e qualquer angústia ou sofrimento moral que atormenta o homem é
ilusório. É causado pelo ‘filme’ emotivo-imaginativo, isto é, pela
própria imaginação do homem, que não cessa de ‘fluir’, criação
artificial da mente. O homem só procura ‘divinizar-se’ no plano temporal
porque ignora sua essência divina real. Nasce desconhecendo sua origem e
se convence de que não é mais que esse corpo limitado percebido pelos
sentidos e, muitas vezes, sofre na vida por se julgar esquecido por Deus
quando, na realidade, ele é o próprio Deus. Angustia-se no plano
temporal buscando afirmações divinizantes que, nesse plano, não podem
ser encontradas, sem, contudo, perceber que não buscaria a Realidade se
não participasse de sua natureza, pois não se pode sentir falta de
alguma coisa se não se tiver consciência dessa coisa, mesmo
inconscientemente.
Portanto, sendo ilusórias as causas da angústia, esta também é
ilusória. Podemos experimentar, de modo direto, esse caráter ilusório da
angústia. Experimente: se no momento em que sofro ‘moralmente’,
descanso num lugar tranquilo e desvio a atenção do meu ‘pensar’ para o
meu ‘sentir’, deixando de lado todas as imagens mentais, e me esforço
para perceber, em mim, o famoso sofrimento ‘moral’, nada encontro. Tudo
que percebo é alguma fadiga geral, fruto da ansiedade em que me
encontrava e do desperdício de energia produzido no ‘medo da morte’.
Quanto mais atenção ponho no ‘sentir’ a angústia, retirando a atenção do
meu filme emotivo-imaginativo, menos a sinto. Verifico, então, que a
angústia é totalmente irreal.
O contrário ocorre no sofrimento físico. Se tenho uma ferida dolorosa,
quanto mais tiro a atenção do ‘sentir’ e a ponho no ‘pensar’, desviando
assim a atenção da dor, tanto menos sinto a dor. E, quanto menos
imagino, desviando a atenção do pensar, do imaginar, para o sentir,
tanto mais intensa sinto a dor. Isto porque a dor física é real, e não
ilusão como a angústia. Não é que não haja percepção da dor moral; há,
mas é ilusória. Quando, no deserto, se vê a miragem de um lago, não se
pode dizer que a miragem não está sendo vista, mas é uma ilusão. Quando
tenho um sofrimento ‘moral’, eu o percebo, mas o que percebo é ilusão, é
fruto da minha imaginação.
Assim, na dor física, quanto mais imagino outras coisas, desviando a
atenção da dor, menos sofro; na dor moral, quanto mais imagino ou penso
sobre a questão que me abate, mais sofro; se procuro senti-la, ela some.
Angústia, sofrimento moral, irritação, violência, procure senti-los e
eles somem, porque são irreais, são ilusões.
Há, no imaginar, o medo da morte, que desgasta a energia vital e,
assim, diminui a reserva de energia do organismo; ocorre, então, um dano
a este. Não é o mesmo dano causado pela dor física; esta afeta uma
parte do corpo enquanto um agregado de partes. O sofrimento moral, que
dissipa a energia, afeta o organismo como um todo, o que não se revela,
na sensibilidade orgânica, por nenhuma dor específica, mas por fadiga,
queda da vitalidade, mal-estar depressivo geral. A par disso, surgem, na
mente, imagens desagradáveis, ameaçadoras. O sofrimento ‘moral’ resulta
disso: associação dessas imagens com o estado depressivo. O desperdício
da energia orgânica caminha, evidentemente, para a ausência total de
energia vital, que é a morte. As próprias imagens desagradáveis têm um
sabor de morte. Aí é que reside a ilusão de que sou vítima. Percebo a
negatividade que se aproxima e me ataca, e estou convencido de sua
existência real; entretanto, ela não existe senão em minha mente, como
não existe o lago na miragem do deserto.
Na angústia, é a imaginação que toma a iniciativa do processo. Uma
depressão de causa fisiológica pode favorecer o surgimento da angústia
(o humor pode ficar ruim durante todo o dia se não dormimos bem à
noite); mas, sempre, a angústia depende da mente, pois se ponho minha
atenção para ‘senti-la’, só me sinto cansado, e não angustiado.
Na angústia, o homem tem a atenção voltada para o filme imaginativo,
com o qual tenta escapar do perigoso ‘não-eu’. O gesto interior, pelo
qual desloco minha atenção do ‘pensar’ para o ‘sentir’, é uma virada
radical, de 180 graus; viro as costas à imaginação, e passo a olhar para
a direção da qual vinha a angústia; digo ‘vinha’ porque, no instante em
que dou essa virada, isto é, em que coloco a atenção no ‘sentir’, o
filme imaginativo mental iniciador do processo para, a angústia cessa e
só persiste certa fadiga geral. Só existe o fantasma da angústia
enquanto não o encaro de frente; quando ouso fitá-lo, vejo que ali nada
existe.
Esta compreensão é de utilidade para a realização intemporal, a única
solução para acabar com os sofrimentos ilusórios do homem, pois o satori
exige o estabelecimento de uma calma perfeita na mente daquele que vive
sob as influências do ego em toda plenitude. O homem deve compreender,
também, que todos os esforços para a obtenção do satori são inúteis. O
satori só acontece quando a mente está livre (e por isso está calma), de
preocupações, imaginações e emoções, que produzem funcionamento mental
descontínuo, pois só a mente que funciona com continuidade está apta
para o despertar.
Emoção, imaginação, pensamento, lembrança, nascem da desatenção,
causadora de perda de energia vital do organismo; são como
curtos-circuitos, que causam perda de corrente. Quando me esforço para
perceber a sensação de que existo, sensação que é quantitativamente
variável, minha atenção está ativa e não há emoções nem imaginações; não
há desatenção e não há perda de energia. Cessada a atenção, as emoções
imediatamente voltam, e a perda de energia recomeça.
Embora minha sensação informal de existir varie quantitativamente -
indo da exaltação à aniquilação - devo fazer um esforço especial de
atenção para perceber as formas mentais que manifestam esses estados
extremos e suas variações. Quando a mente está passiva, isto é,
‘desatenta’, ela fica presa aos estados mentais, o que a deixa agitada,
descontínua, sujeita a curtos-circuitos e às consequentes perdas de
energia.
Para habilitar-se ao satori, o homem precisa despertar, sem cessar, a
possibilidade que tem, e que sempre tende a adormecer, de perceber, sob
as formas de seus estados (psíquico: moral, humor; e físico: saúde,
disposição, energia etc.), essa sensação informal, mais ou menos
positiva ou negativa, de existir. Essa atenção isola a mente dos
curtos-circuitos e a protege da agitação de sempre, fato que traz a
calma necessária para o satori. Para isso, o homem deve tentar, sem
cessar, um esforço especial para sentir que existe, que ‘é’, no centro
de tudo, no ambiente em que estiver. A sensação informal imediata da
existência (vegetativa) é a percepção mais simples que pode haver. Não é
necessário parar o que está fazendo no momento; apenas ‘sentir que
existe’ no próprio centro do ambiente em que se está. Quando a calma se
estabelece de maneira profunda, as condições interiores tornam-se
favoráveis à eclosão do satori, no qual todos os dualismos se conciliam e
todos os sofrimentos cessam.
É impossível descrever essa sensação interior, a percepção imediata e
informal do grau de existência do momento, justamente por seu caráter
informal (sem forma). Se pergunto: ‘Como se sente, física e moralmente,
neste instante?’, você se cala por dois segundos e depois fala algo como
‘Mais ou menos’. Dos dois segundos em que você ficou calado, o segundo
não nos interessa, pois foi o tempo que você usou para por em uma forma
exprimível a percepção que você teve do que nos interessa, daquilo que
não tinha forma ainda, daquela sensação interior informal do primeiro
segundo. No primeiro segundo é que você ficou atento e, por isso,
percebeu aquilo que de fato importa: a percepção imediata e informal do
seu grau de existência do momento. Como não temos consciência dessa
percepção (ainda sem forma e, portanto, inconsciente), e só a temos das
formas dela derivadas, só mediante um esforço especial de atenção
podemos percebê-la.
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