Translate

sábado, 16 de outubro de 2021

ENSINAMENTOS ZEN - III


Por isso, o Zen diz: ‘Não ponha nenhuma cabeça acima da sua. Não busque a verdade; pare, apenas, de apegar-se a opiniões suas ou de outrem’ (como, também, ensina Krishnamurti).

Perguntarão alguns: Se é assim, porque se esforçar para obter o satori? A resposta é: porque o satori representa o fim de todos os sofrimentos do homem. A vida, depois, será muitíssimo melhor. Não é inteligente lutar por uma vida sem sofrimentos e conflitos, de compreensão total?

O homem, que compreendeu que sua realização não é um dever, se limita a responder quando interrogado e, se toma a iniciativa de falar, ele o faz apenas para propor com discrição essas ideias, sem mostrar nenhuma necessidade de ser bem compreendido. É semelhante àquele que, sobrando alimentos em sua casa, deixa a porta aberta para que aqueles que têm fome se sirvam; se alguém entra e se serve, tudo bem; se não entra e não se serve, tudo bem também.

O homem dá muita importância ao viver e despreza o existir; imagina o existir como nada, e o viver como tudo. Na realidade, existir é que é tudo. Vejamos: minhas ações que têm por objetivo servir minha vida natural, animal, vegetativa (comer, repousar, ter relações sexuais por puro desejo animal etc.) elas me afirmam (ou seja, mantêm a minha criação) enquanto organismo em tudo semelhante ao organismo de todos os demais animais, enquanto vivo do ponto de vista cósmico, enquanto engrenagem universal. Mas, todos os dias, ao lado dessas ações, realizo outras que não servem à minha vida vegetativa e nada têm a ver com ela; amiúde até a contrariam. E seu objetivo é me tornarem diferente (sempre para melhor) de qualquer outro homem, isto é, é me afirmarem como indivíduo diferente dos demais, egoisticamente. No entanto, considero vazias de sentido minha vida vegetativa e todas as ações pelas quais sirvo a essa vida (a isto que constitui, aos meus olhos, o existir desprezível), e considero cheias de sentido as ações que me diferenciam dos demais (pois constituem para mim o viver desejável e valioso). Não vejo importância em mim enquanto um eu universal, mas a vejo enquanto sou um eu particular. Por isso, fundar o sentido de minha vida nos meus fenômenos vegetativos e nas ações a eles relacionadas, é considerado absurdo; enquanto que, fundá-lo nas ações que me tornam homem distinto dos demais (melhor, mais forte, belo, poderoso, inteligente, rico, respeitado, sedutor etc.) é considerado sensato.

É evidente, para quem reflete de modo imparcial, que essa visão está errada. Ela supõe que meu organismo particular seja o centro do universo; mas, apenas a Causa Primária é esse centro, e meu organismo nada mais é que simples elo na imensa cadeia de causas e efeitos cósmicos (na qual todos os seres e eventos estão interligados e são interdependentes). Na verdade, só poderei ver o sentido real de meu organismo ao considerá-lo do ponto de vista do universo, enquanto homem universal e não particular; enquanto semelhante a qualquer outro e não enquanto distinto dos demais.

O homem realiza o existir mas, segundo ele, apenas porque o existir é condição necessária ao viver; assim, ele come, repousa, se abriga, somente porque, sem isso, não poderia afirmar-se, egoisticamente, como homem distinto. Ele só faz essas ações banais, comuns a todos, para ter forças e condições de executar as ações necessárias, segundo pensa, para o viver; ele age como quem acredita que só existe para viver. E, fundando o existir no viver, contraria a ordem real das coisas, pois funda o real no ilusório.

Parábola Zen: 

 ‘Um homem estava sobre a colina. Três viajantes, de longe, viram-no e imaginavam o que ele estaria fazendo ali. 

Um disse: ‘Ele deve ter perdido seu cavalo.’ 

O outro: ‘Não, ele deve estar procurando seu amigo.’ 

E o terceiro: ‘Ele está lá em cima para gozar do ar fresco.’ 

Como não chegassem a um acordo, foram até o alto da colina. 

Um perguntou: ‘Porque estás aqui nesta colina? Perdeste teu animal?’  

‘Não, não o perdi. ’ 

O outro: ‘Perdeste teu amigo?’ 

‘Não, não o perdi.’ 

E o terceiro: ‘Então estás aqui para gozar do ar fresco?’ 

‘Não, não estou. ’ 

‘Por que então estás aqui se respondes ‘não’ a todas nossas perguntas?’ 

O homem que estava sobre a colina respondeu: 

‘Estou aqui, simplesmente’. (Esse ‘estou aqui, simplesmente’ envolve toda a filosofia zen; para o zen, não há objetivos, mas possibilidades de objetivos: se acontecer, tudo bem; se não acontecer, tudo bem, também; mas, o profano julga absurdo estar fazendo alguma coisa sem objetivo, ‘estar aqui, simplesmente’).

Para o ser humano comum, em particular o ocidental, ‘simplesmente estar ali’ não tem qualquer sentido, já que ele não faz nada lá, isto é, já que não busca ali nenhuma afirmação egotista, que é o motivo pelo qual, em geral, todos nós agimos. O homem procura sempre ‘agir’ egoisticamente, para se firmar como homem-distinto, desprezando o existir e buscando, a todo custo, o viver. Contudo, para encontrar paz interior, o homem deve reconsiderar tudo isso, perceber o vazio de todas as suas opiniões (crenças, suposições), de seus juízos de valor e, assim, libertar-se do fascínio da afirmação egoísta (do ego), do vazio do viver e dar-se conta da realidade do existir universal. Ele é a ‘fonte fundamental’ quando, através do seu organismo total, mente-soma, aceita ser apenas o que é: um fenômeno, emanação passageira dessa fonte, destituída de qualquer interesse especial e cujo destino, como indivíduo, não tem a menor importância (como Krishnamurti: a morte do homem não tem significado).

Todas as funções do organismo trabalham para a manutenção da existência do organismo. Todo o viver converge para a ação; a máquina humana foi feita para agir. Isto é, o organismo procura, através da ação, manter sua existência. Suas ações, voluntárias e involuntárias, servem para manter o organismo funcionando, servem para o existir; o homem age para obter alimento, moradia, abrigo, vestuário etc. Percebida a ilusória utilização das ações do homem para sua afirmação egotista como-ser-distinto, vê-se que suas ações, para as quais se dirigem toda energia e arquitetura de seu organismo, só servem para evitar a cessação de sua existência, evitar a morte. Há outras ações que têm a mesma utilidade, mas de forma menos evidente. São aquelas que diferenciam o homem dos outros animais: descobertas científicas, criações artísticas, busca intelectual da verdade, do bem, do belo. Ao tenderem para a melhoria de suas condições, o bom, o belo, o verdadeiro, servem também ao existir, já que o homem deles obtém o abrandamento de suas inquietações, a quietude harmoniosa de seu organismo. Em resumo, o organismo, tende, através da ação, a continuar sua existência. Todas as ações do organismo só objetivam essa continuidade. O viver, ao lado do qual o existir parecia nada, não tende senão ao serviço desse mesmo existir.

A ação emana da existência e serve a ela. Mas, isso quer dizer que a existência não tem nenhum objetivo, a não ser ela mesma? (Aqui é feita abstração da utilidade cósmica da existência, utilidade de que o homem comum não tem qualquer consciência; mas, os iluminados têm).

Concebida, assim, como causa primeira de meu organismo, a minha existência transcende a totalidade dos meus fenômenos, isto é, independe completamente da continuação ou da morte do meu organismo (minha existência não é afetada pela morte do meu organismo). Assim, a morte não tem nenhum significado (essa é a afirmação dos místicos). Isso permite compreender que o medo da morte, que reside no homem e forma o centro de toda sua psicologia, se relaciona com o absurdo desprezo que esse homem tem ao seu existir. Teme perder a existência porque, com relação ao agir, ao viver, considera nulo o existir, mas é no existir, na existência que está o Princípio Absoluto. É incapaz de suportar a subtração que é a morte, que lhe parece um infinito negativo. Se, ao contrário, perceber o valor infinito do existir, participará de maneira plena da natureza do Princípio, será conscientemente infinito e, portanto, terá como nula a subtração que é a morte (aqueles que chegaram lá sabem que a morte nada significa; Paulo: a vitória sobre a morte). Agarrado à ilusória realidade do viver e temendo a morte, o homem criou angustiantes perguntas e crenças sobre um ‘pós-vida’ (como ressurreição, reencarnação, céu, inferno, carma, satanás, anjos etc.).
 

EM BUSCA DE DEUS 
http://obuscadordedeus.blogspot.com  

Nenhum comentário:

Postar um comentário