TANTRA - A SUPREMA COMPREENSÃO
Quarta Parte
Há pessoas que me procuram e
perguntam: - “Acreditas em Deus?” - Eu respondo: - “Sim,
porque tudo é tão extraordinário que como poderia ser sem
que em tudo houvesse uma profunda consciência?”
Pequenas coisas com o caminhar sobre a grama quando as gotas de
orvalho ainda não se evaporaram, e sentindo totalmente a textura, o toque da
grama, a frescura das gotas de
orvalho, o vento da manhã, o
nascer do sol. Que mais precisas tu para
ser feliz? Que mais é necessário
para ser feliz?
Apenas deitar-te à noite em
teu leito, sentindo-lhe a textura, sentindo que ele se vai
tornando aquecido, que estás envolvido pela escuridão, pelo
silêncio da noite. Com os olhos fechados, tu simplesmente
sentes a ti mesmo. De que mais precisas? Isso é demais e uma
profunda gratidão surge: isso é relaxamento.
O relaxamento significa que
o momento é mais do que suficiente, mais do que se pode
solicitar ou desejar - e, então, a energia não se desloca
para parte alguma.
Ela se torna uma plácida
concentração.
Em tua própria energia tu
te dissolves.
Esse momento é o do
relaxamento.
O relaxamento não é do
corpo nem da mente,
o relaxamento é do total.
Por isso é que os Budas
diziam: - “Faze-te sem desejos.” Sabiam que, quando há
desejo, não há relaxamento. E mandavam que se enterrassem os
mortos, porque, se te preocupares demais com o passado, não
poderás relaxar. E ainda diziam mais: - “Goza cada momento.”
Jesus disse: - “Olhai os
lírios do campo, que não trabalham e são mais belos; seu
esplendor é maior do que o do rei Salomão. Estão envolvidos
por um aroma mais belo do que aquele de que jamais o Rei
Salomão fez uso. Olha, considera os lírios!”
Que queria dizer com isso?
Queria dizer: - “Relaxa! Não precisas labutar na verdade,
está provido de tudo.” Jesus disse: - “Se Ele cuida das aves
do espaço, dos animais, das feras, das árvores e das
plantas, por que então, te preocupas? Ele não irá cuidar de
ti?” Isso é relaxamento. Por que te preocupas tanto com o
futuro? Considera os lírios, observa os lírios, sê como os
lírios - e então relaxarás. O relaxamento não é uma postura,
o relaxamento é a transformação total da tua energia.
A energia tem duas
dimensões. Uma delas é motivada, vai a algum lugar, a um
objetivo que está algures. O momento é apenas um meio; o
objetivo tem de ser alcançado em outro lugar. Essa é uma das
dimensões da tua energia, essa é a dimensão da atividade
orientada para um objetivo - neste caso, tudo é um meio.
Farás o que for que tenhas de fazer para alcançar o
objetivo: então, relaxarás. Entretanto, o objetivo jamais é
alcançado, porque essa energia se modifica a cada momento,
tornando-se um meio para alguma outra coisa, situada no
futuro. O objetivo permanece sempre no horizonte. Tu
continuas correndo, mas a distância permanece a mesma.
Existe uma outra dimensão da
energia: é uma celebração não motivada. O objetivo está
presente agora; o objetivo não é uma outra coisa. Na
verdade, não há outra realização a não ser essa, deste
momento; considera os lírios. Quando és tu o objetivo e
quando o objetivo não está no futuro, nada há a ser
alcançado e tu estarás, então, celebrando-o; já o
alcançaste, ele está ali. Isso é relaxamento, energia
não motivada.
Por isso, para mim, há dois
tipos de energia: a dos buscadores de objetivos e a dos
realizadores. Os que são orientados para o objetivo são os
loucos, enlouquecem aos poucos e criam suas próprias
loucuras. As loucuras têm seu próprio impulso; aprofundam-se
os buscadores de objetivos cada vez mais nelas e, então,
ficam completamente perdidos. O outro tipo de pessoa não é
um buscador de objetivos, não é absolutamente um buscador, é
realizador.
E isto eu te ensino:
sê um realizador, realiza! Já existe demais o que celebrar:
as flores desabrocharam, os pássaros estão cantando, o sol
ali está, no céu - celebra isso! Tu respiras, estás vivo,
tens que te libertar da tensão; assim, não existirá angústia.
Toda a energia transformada em angústia torna-se, então,
gratidão: teu coração continua batendo com agradecida
potência - isso é uma oração. Isto é o que significa toda
oração: um coração que bate, profundamente agradecido.
Nada faças com o
corpo, a não ser relaxar.
Não há necessidade de fazer
coisa alguma para isso. Compreende, apenas, o movimento da
energia, do não motivado movimento da energia. Ele flui, mas
não para um objetivo; flui para uma celebração. Move-se, não
para um alvo, move-se por causa de sua própria e
transbordante energia.
Uma criança está dançando,
saltando e correndo, e tu perguntas: - “Para onde vais?” -
Ela não vai a parte alguma e parecerás um tolo para aquela
criança. As crianças sempre acham que os adultos são tolos.
Que pergunta disparatada - “Para onde vais?” Há, por acaso,
necessidade de ir a algum lugar? A criança não pode
responder tua pergunta, simplesmente porque ela é
despropositada. Ela não está indo a parte alguma.
Simplesmente encolherá os ombros, e dirá: - “A nenhum
lugar.” - E daí, a mente, orientada para o objetivo,
pergunta: - “Então, por que estás correndo?” Para nós uma
atividade é relevante quando leva a algum lugar.
E eu te digo
que não há para onde ir,
aqui está tudo;
toda a existência culmina
neste momento,
converge para este
momento.
Toda a existência já se
está derramando neste momento; tudo quanto nela existe
já está se derramando para este momento - está aqui, agora.
Uma criança está,
simplesmente, gozando a energia. Ela a tem demais. Está
correndo, não porque tenha de chegar a algum lugar, mas
porque tem energia demais; precisa correr.
Age sem motivação, apenas
como um transbordamento da tua energia. Compartilha, mas não
comercies, não faças barganhas. Dá porque tens; não dês para
receber em troca, porque senão cairás em desgraça. Todos os
comerciantes vão para o inferno. Se quiseres encontrar os
maiores negocistas e barganhadores, vai ao inferno que ali
os encontrarás. O céu não é para comerciantes; o céu é para
os que celebram.
Sempre, na teologia cristã,
durante séculos, foi feita uma pergunta: que fazem os anjos
no céu? Eis uma pergunta apropriada para os que são
orientados para um objetivo. Que fazem os anjos no céu? Nada
parece que se faça lá; nada há de fazer no céu. Alguém
perguntou a Meister Eckhard: - “Que fazem os anjos no céu?”
E ele respondeu: - “Que espécie de tolo és tu? O céu é um
lugar para celebração. Eles não fazem coisa alguma.
Simplesmente, celebram aquela glória, aquela magnificência,
aquela poesia, aquele florescimento - celebram, apenas.
Cantam, dançam, celebram.” Não penso, contudo, que aquela
pessoa tivesse ficado satisfeita com a resposta de Meister
Eckhard, porque, para nós, uma atividade só tem propósito
quando leva a alguma coisa, quando há um objetivo.
Lembra-te, a atividade é
orientada para um objetivo; a ação não é. A ação é um
transbordamento de energia, a ação existe neste momento; é
uma resposta não preparada, não ensaiada. Toda a existência
vem ao teu encontro, enfrenta-te, e tua resposta sai
naturalmente. Os pássaros estão cantando e tu começas a
cantar - isso não é atividade. Subitamente acontece.
Subitamente, vês que está acontecendo; vês que começaste a
cantarolar - isso é ação.
E, se te tornares cada vez
mais envolvido na ação e cada vez menos ocupado com a
atividade, tua vida se modificará e se tornará um profundo
relaxamento. Então, tu “ages”, mas permaneces relaxado. Um
Buda jamais está cansado. Por quê? Porque é uma pessoa de
ação. O que quer que tenha, ele dá, ele transborda.
Nada faças com o
corpo, a não ser relaxar;
Fecha tua boca com
firmeza, e permanece silente.
A boca é, realmente, muito,
muito significativa, porque é ela que exerce a primeira
atividade; teus lábios iniciam sua primeira atividade. A
partir da região da boca inicia-se toda a atividade: tu
respiraste, tu choraste, tu começaste a procurar o seio de
tua mãe. E tua boca permaneceu, sempre, em franca atividade.
Por isso é que Tilopa sugere: “Compreende a atividade,
compreende a ação, relaxa, e... fecha com firmeza tua
boca.”
Quando quer que te sentes
para meditar, quando quer que desejes permanecer em
silêncio, a primeira coisa a fazer é fechar completamente a
boca. Se fechares completamente a boca, tua língua tocará o
palato e ambos os lábios permanecerão completamente
fechados. Fecha-a completamente - mas isso só poderá ser
feito se estiveres seguindo as coisas que te tenho estado a
dizer, e não antes.
És capaz disso! Fechar a
boca não requer um esforço muito grande. Podes permanecer
sentado como uma estátua, com a boca inteiramente fechada,
mas isso não deterá a atividade. Bem lá na profundidade, o
pensamento continuará e, se o pensamento continua, tu podes
sentir a sutil vibração dos lábios. Outros podem não ser
capazes de observá-la, porque ela é muito sutil, mas, sempre
que estás pensando, teus lábios fremem um pouquinho, um
frêmito muitíssimo sutil.
Quando realmente relaxas, o
frêmito cessa. Não estás falando, não estás tendo nenhuma
atividade interior. “Fecha com firmeza tua boca e
permanece silente.” E, então, não penses.
Que farás? Os pensamentos
vêm e vão. Deixa que venham e vão, pois esse não é o
problema. Não te envolvas; conserva-te distante, desligado.
Observa-os, simplesmente, conforme vêm e vão. Nada tens com
eles. Fecha tua boca e permanece silente. Aos poucos e
automaticamente os pensamentos cessarão - eles precisam da
tua cooperação para se apresentarem. Se cooperares, estarão
ali; se os combateres, também estarão ali - porque ambas as
coisas são formas de cooperação: uma pró, outra contra, mas
ambas são uma espécie de atividade. Tu deves apenas
observar.
Fechar a boca, entretanto,
ajuda muito. Assim, em primeiro lugar, conforme tenho
observado em muitas pessoas, sugiro que primeiro bocejes:
abre tua boca tão amplamente quanto possível, estira tua
boca tão amplamente quanto possível, boceja completamente, a
ponto de sentires alguma dor; e faze isso por duas ou três
vezes. Isso te ajudará a manter a boca fechada por mais
tempo. E então, durante dois ou três minutos, fala em voz
alta uma algaravia qualquer, uma tolice qualquer. Tudo
quanto te vier à mente, dize em voz alta, gozando aquilo.
Então, fecha tua boca.
É sempre mais fácil partir
do lado oposto. Quando quiseres relaxar tua mão, é melhor
fazê-la, antes, o mais tensa possível. Fecha os punhos o
mais tensamente possível - faze o oposto - e, então, relaxa.
Assim conseguirás um relaxamento mais profundo do sistema
nervoso. Faze gestos, caretas, movimentos do rosto,
distorções, bocejos, fala tolices durante dois ou três
minutos e, então, fecha tua boca. Essa tensão irá dar-te uma
possibilidade mais profunda de relaxar os lábios e a boca.
Fecha a boca e passa a ser apenas um observador. Depressa o
silêncio descerá sobre ti.
Há dois tipos de silêncio.
Um é o silêncio que forças a descer sobre ti. Não é muito
benéfico; é uma violência, uma espécie de estupro da mente,
é agressivo. E há outra espécie de silêncio, que desce sobre
ti como a noite. Vem e te envolve. Tu apenas crias a
possibilidade de ele acontecer (é a receptividade), e ele
vem. Fecha a boca, observa e não tentes permanecer
silencioso. Se tentares, poderás forçar alguns minutos de
silêncio, mas não terão valor algum, pois, dentro de ti,
continuas fervendo. Portanto, não tentes ficar silencioso.
Cria, simplesmente a situação - o solo; planta a semente e
espera.
Esvazia tua mente e
não penses em nada.
Como farás para esvaziar a
mente? Quando os pensamentos vierem, observa. A observação
tem de ser feita com uma precaução: deve ser passiva,
e não ativa. Há mecanismos sutis que deves compreender,
senão poderás falhar em algum ponto. E, se falhares numa
pequena coisa, tudo mudará de qualidade. Observa: observa
passivamente, não ativamente.
Qual é a diferença? Quando
estás esperando por tua namorada, ou por teu apaixonado,
observas ativamente. Alguém passa pela porta e tu saltas,
para ver se ela chegou. Depois, apenas ouves folhas
sacudidas pelo vento e pensas que talvez ela tenha chegado.
Estás sobressaltado; tua mente mostra-se muito inquieta,
muito ativa. Não; isso não adiantará. Se estiveres demasiado
inquieto e demasiado ativo, não te chegarás ao silêncio de
Tilopa, ou ao meu silêncio. Sê passivo como quando te sentas
à margem de um rio, enquanto ele flui; simplesmente observa.
Não há aflição, não há urgência, não há emergência. Ninguém
te está forçando. Mesmo que deixes passar, nada estará
perdido. Tu, simplesmente, observas, olhas apenas. Mesmo a
palavra observa não é boa, porque traz, em si, um
elemento de atividade. Tu, simplesmente, olhas e nada tens a
fazer. Senta-te, simplesmente, à margem do rio, olha
enquanto o rio flui. Ou olha para o céu enquanto as nuvens
flutuam; olha passivamente.
É muito, mas muito essencial
que essa passividade seja compreendida, porque a tua
obsessão pela atividade pode tornar-se inquietação, pode
fazer-se uma espera ative e, então, podes pôr tudo a perder.
A atividade pode tornar a entrar pela porta dos fundos. Sê
um observador passivo.
Osho