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sexta-feira, 31 de julho de 2015

SOLIDÃO

 
Nós nascemos sozinhos, 
vivemos sozinhos e morremos sozinhos.
Solidão faz parte da nossa natureza, 
mas não estamos conscientes disso.
 
Então permanecemos como estranhos
 para nós mesmos,
em vez de enxergar nossa solidão 
com beleza e alegria,
silêncio, paz e felicidade de existência.
Nós a confundimos com abandono.
 
Mas se você for dentro de sua solidão, 
ficará surpreso!
Pois o centro dela não é completamente vazio.
Lá reside a solitude.
 
E uma vez que você conhecer
 a beleza de sua solitude,
você será uma pessoa 
completamente diferente.
Se você conhece sua solitude, 
em cada instante de solidão
você não estará só.
 
Solitude significa meditação.
Um homem que sabe ficar sozinho, 
sabe como ser meditativo.
Sua solitude é a sua verdade.
Sua solitude é sua divindade.
 
Em solitude desaparecerá sua personalidade e ego,
e você encontrará vida em si,
imortal e eterna.
 
 
Osho 
 
 
 
Quando aprendermos a ficar sozinhos e amar o silêncio, que também possui o seu som, seu ritmo, é quando estaremos prontos para observar serenamente essa imagem acima, sem nenhuma reação, apenas compreendendo que somos todos 'barqueiros solitários' dentro do cenário da vida, entretanto, aptos para amar, porque saberemos ser inclusivos sem nada reter ... tudo e todos terão sua história conosco e quando o ciclo findar estaremos serenos nesse estado de quietude chamado 'solidão'. KyraKally

 

 

 

quinta-feira, 30 de julho de 2015

NÃO SE DEVE RIR DOS RICOS

Tenho muito dinheiro. Você pode me informar qual é a verdadeira utilidade do dinheiro? Só peço que não me aconselhe a desbaratá-lo em esmolas aos pobres. O dinheiro é um instrumento de trabalho que deve ser utilizado e não uma coisa incômoda de que devemos nos livrar.

Krishnamurti: Senhor, em primeiro lugar, como você ganha dinheiro? Como acumula dinheiro? Evidentemente pela exploração, pela crueldade, pela barbaridade. No mundo moderno, em que predomina a mentalidade de “cada um por si”, o homem tem de ser hábil, astucioso, desonesto, para acumular dinheiro. Não nos enganemos a esse respeito; ser rico implica crueldade. Senhor, não sabe que o rico não pode entrar no reino dos céus? É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha. Depois de você acumular dinheiro, o que acontece? Deseja saber como emprega-lo: ou você se torna filantropo, ou deseja gastá-lo corretamente. Isto é, você acumula dinheiro incorretamente e depois quer gastá-lo corretamente (risos). Senhores, o caso não é para rir. É isso que estamos fazendo. Não devem rir dos ricos. Vocês também querem ser ricos. Vocês acumulam e depois querem saber como empregar o dinheiro corretamente. Como isso é possível?

Suponhamos, contudo, que me tenham deixado dinheiro — o que graças a Deus não aconteceu — suponhamos que me deixaram algum dinheiro. Que vou fazer com ele? Que devo fazer depois de entrar na posse do dinheiro, como devo empregá-lo? Este é o problema. Devo dá-lo todo aos pobres e também ficar pobre, na dependência de outros? Devo guardar um pouco e dar o resto? Devo empregá-lo como um meio correto, para um fim correto? Devo colocá-lo para render? Meu problema, pois é este: tendo adquirido ou herdado essa coisa que se chama dinheiro, que devo fazer com ela? 

Senhor, isso depende do coração e não da mente; a mente que acumulou dinheiro nunca é generosa. É uma mente endurecida, e em tais condições é incapaz de lidar com coisas materiais do seu próprio nível. Por conseguinte, só um coração que conhece o amor pode resolver este problema, e não a mente, nem sistema algum. Se você tem amor no coração, saberá o que fazer com o dinheiro — ou dá-lo todo, porque é incômodo, ou proceder de outra maneira, de acordo com os ditames de seu coração. Todavia, conhecer os ditames de um coração afetuoso, é dificílimo, em particular aos ricos, porque nunca pensaram em tais termos de ação. Habituaram-se à crueldade, à dureza; e encarar o problema com afetuosa consideração é dificílimo. 

Assim, mais importante do que o dinheiro é o amor; e se vocês têm dinheiro e percebem que o coração de vocês está vazio, o problema não é, nesse caso, o dinheiro, mas o despertar as energias, o perfume, a beleza do coração; e quando os tiverem despertado, saberão como agir. Sem amor, tornar-se filantropo, meramente, constitui outra forma de exploração. Quando se tem amor, então o amor mostrará o caminho, tanto ao rico como ao pobre. Porque, Senhor, o amor é a única solução; o amor é o único caminho pela qual poderemos sair desta contradição de ser rico e saber o que fazer com a riqueza. Sem amor, o simples cogitar sobre o que fazer com a riqueza se torna outra forma de fuga de nossa miséria, nossa luta, nosso vazio.
 
Jiddu Krishnamurti


A meu ver é muito mais simples não ter dinheiro e muito mais complicado tê-lo, pois partindo do princípio de que nada nos pertence, trabalhar com a energia monetária sem impor-lhe condições, apenas recolocando-a onde realmente é necessária seria uma medida justa. Então o amor é a única solução para uma medida justa. Somente  o amor "mostrará o caminho, tanto ao rico como ao pobre". O saber dar e o saber receber é uma grande virtude. KyraKally

OMISSÃO

Asseveras não haver praticado o mal
contudo, reflete no bem que deixaste a distância.

Não permitas que a omissão se erija em teu caminho, 
por chaga irremediável.

Imagina-te à frente do amigo necessitado 
a quem podes favorecer,

Não te detenhas a examinar processos de auxilio.

É possível que amanhã não mais consigas vê-lo 
com os olhos da própria carne.

Supõe-te ao pé do companheiro sofredor,
 a quem desejas aliviar.

Não demores o socorro preciso.

É provável que o abraço de hoje
 seja o inicio de longo adeus.

Não adies o perdão, nem atrases a caridade.

Abençoa, de imediato, os que te firam 
com o reben­que da injuria, e ampara,
 sem condições, os que te co­mungam a experiência.

Se teus pais, fatigados de Juta, 
são agora problemas em teu caminho, 
apoia-os com mais ternura.

Se teus filhos, intoxicados de ilusão, 
te impõem dores amargas, bendizei-lhes a presença.

Se o trabalho espera por tuas mãos,
 arranja tempo para fazê-lo..

Se a concórdia te pede cooperação, 
não retardes o atendimento.

Não percas a divina oportunidade de estender a alegria.

Tudo o que enxergas, entre os homens, 
usando a visão física, é moldura passageira de alma
e forças em movimento.

Faze, em cada minuto, o melhor que puderes.

Seja qual for a dificuldade, não desertes do amor 
que todos devemos uns aos outros. E se recebes, em troca, pedra e ódio, vinagre e fel, sorri e auxilia sempre, 
porque é possível estejas ainda hoje, na Terra, diante dos outros, ou os outros diante de ti pela última vez.


Emmanuel




Às vezes nos deparamos com alertas tão simples, mas que nos tocam profundamente; é quando devemos refletir a respeito desse sentimento que desperta alguma coisa 'esquecida' ou não 'resolvida' em nosso íntimo. Que o amor nos permeie a todos. KyraKally






 

 

 


 

quarta-feira, 29 de julho de 2015

SOMOS O CORAÇÃO DA VIDA

As pessoas conhecem os seus seres - mas elas têm 
um objetivo de vir a ser. Vir a ser é a doença da alma.
 O ser é você e descobrir o seu ser é o começo da vida.

Então cada momento é uma nova descoberta,
 cada momento traz uma alegria. Um novo mistério 
abre as suas portas, um novo amor começa a crescer 
em você, uma nova compaixão que você 
nunca sentiu antes, uma nova sensibilidade 
a respeito da beleza, a respeito da bondade.

Você se torna tão sensível que até a menor 
folha de grama passa a ter uma importância 
imensa para você. Sua sensibilidade torna claro 
para você que essa pequena folha de grama 
é tão importante para a existência quanto a maior estrela; 
sem esse folha de grama, a existência seria menos do que é.

E essa pequena folha de grama é única, 
ela é insubstituível, ela tem a sua própria individualidade.
E essa sensibilidade criará novas amizades para você - amizades com árvores, com pássaros, com animais,
 com montanhas, com rios, com oceanos, com as estrelas.
 A vida se torna mais rica enquanto o amor cresce, 
enquanto a amizade cresce...

Quando você se torna mais sensível, a vida se torna maior. 
Ela não é um pequeno poço, ela se torna oceânica.
Ela não está confinada a você, sua esposa e seus filhos - 
ela não é confinada de jeito algum. Toda essa existência 
se torna a sua família e a não ser que toda essa existência 
seja a sua família, você não conheceu o que é a vida,
porque homem algum é uma ilha, nós estamos 
todos conectados. Nós somos um vasto continente, 
unidos de mil maneiras. E se o nosso coração 
não está cheio de amor pelo todo, 
na mesma proporção a nossa vida é diminuída.

A meditação lhe traz sensibilidade, 
uma grande sensação de pertencer ao mundo. 
Este é o nosso mundo - as estrelas são nossas 
e nós não somos estrangeiros aqui. 
Nós pertencemos intrinsecamente à existência.
 Nós somos parte dela, nós somos o coração dela.
 


Osho



Enquanto não nos sentirmos uno com a vida seremos sempre uma fração caminhando ao lado de outras frações em busca de um complemento. Linhas paralelas por mais que se prolonguem nunca se encontram; frações vão estar continuamente separadas por linhas divisórias. A maioria vive assim. É preciso uma reflexão profunda sobre esse estado de ser. KyraKally
 

terça-feira, 28 de julho de 2015

COMO PODEMOS LIBERTAR-NOS 
DO MEDO ?  (Parte II)
 Como podemos libertar-nos imediatamente do medo? Quando emprego a palavra "como", não quero sugerir uma investigação a fim de achar um processo; porque processo, método, sistema, supõe o tempo e, por conseguinte, desordem. Mas, é possível libertar-nos do medo imediatamente?

Pode o pensamento colocar fim ao medo, ou é o pensamento que gera o medo? O próprio pensamento é o terreno em que nasce o medo. Escute com atenção para que depois não dizer que estou advogando a irreflexão ou afirmando que não devemos pensar. 

Suponhamos que eu tenha medo da morte — isto é, do amanhã, da velhice, da dor, do sofrimento, e do inevitável fim. O pensamento, que já experimentou a dor, a doença, os prazeres da juventude, volta-se agora para o futuro; "projeta" a morte, isto é, colocando-a à distância e, quando dela se ocupa, cria medo. Ou por não ter compreendido inteiramente a questão do medo, coloca-se a buscar crenças, esperanças, etc. Mas, posso considerar o medo sem a interposição, sem nenhuma interferência do pensamento? 

Estou esclarecendo isto suficientemente? Esclarecimento verbal é uma coisa; esclarecimento real outra coisa. Verbalmente você pode me dizer algo e eu responder: "Sim, concordo consigo, verbalmente vejo o que quer dizer." Mas 'ver verbalmente' não é ver. Posso olhar uma flor e, embora a veja com meus olhos, veja a luz, a cor, etc.,  posso estar vendo apenas verbalmente. Ver a flor com os olhos é uma coisa, e coisa diferente é vê-la com a palavra. Em geral vemos a flor com a palavra e, portanto, não a vemos realmente. Estamos repletos de ideias, conhecimentos, noções, interesse botânico, etc., etc., quando olhamos uma flor. Analogamente,  você pode ter compreendido até aqui a explicação verbal e estar ou não estar de acordo com ela; também, pode não ter compreendido as palavras empregadas ou tê-las substituído por seus  termos próprios, traduzindo em sua própria linguagem o que se disse. E o resultado qual é? Não está observando realmente a natureza de seu medo. Por conseguinte, quando diz: "Compreendo o que está dizendo" — significa isso que está realmente em contato com o medo — com a sua particular forma de medo — ou que apenas está em contato com a palavra que indica que teme?

Estar em contato com uma coisa, fisicamente, é muito fácil. Ao tocar este microfone, sei que estou em contato com ele. Não há nenhum intervalo de tempo, porém, uma ação bem determinada e precisa. Mas nunca estamos totalmente em contato com outro ente humano ou com o que quer que seja. Se observar, verá que isto não é uma simples generalização, porém, um fato real. Posso colocar-me fisicamente em contato com um objeto, mas, entrar em contato com o medo é uma das coisas mais difíceis, porque requer extraordinária atenção — atenção em que não haja desperdício de energia com palavras, explicações, fugas. Só então se está em direta relação com o medo; e é esta a significação de nossa pergunta a nós mesmos, sobre se é possível nos libertarmos incontinente do medo. Essa libertação significa que terminaram todas as fugas ao medo — todas as fugas verbais. Porque a palavra não só dá mais força à coisa que chamamos "medo", identificando-se com essa coisa, mas também a própria palavra pode ser a causa do temor. 

Pode-se perceber como a palavra "morte", por exemplo, atemoriza. A própria palavra, portanto, cria medo; e quando desejamos entrar em contato com o medo, a palavra se torna um meio de fuga. Quando toco este microfone, não há fuga nenhuma; esse contato não está associado a nenhuma palavra, nenhum pensamento. Mas, para podermos entrar em direta relação com o medo, temos de compreender a estrutura, o significado, a importância da palavra. Temos de perceber que o pensamento é produzido pela palavra. O pensamento é uma mera reação à palavra, e cumpre perceber este fato. É o que espero que estejam fazendo juntamente comigo. 

Ao dizer que uma pessoa pode libertar-se totalmente do medo, isso não significa que tenhamos de nos libertar do desejo de evitar sermos atropelados por um ônibus ou caminhão; trata-se, aí, do instinto natural de proteção do organismo físico. Mas quando o pensamento cria uma imagem verbal a esse respeito, essa imagem gera medo. Pode, pois, a mente olhar o medo sem a palavra — sem permitir a si própria nenhuma fuga, dizendo: "Libertar-me-ei do medo com o tempo" — entrando assim em contato total com a coisa chamada "medo"? 

Nós, com efeito, nunca estamos verdadeiramente em contato com outra pessoa, não é exato? Podemos estar fisicamente em contato com nossa mulher ou marido, ou com nossos filhos, mas outro contato não existe, existe? Temos lembranças atinentes a nossa mulher, nosso marido, nossos filhos, nosso vizinho, e é com essas lembranças que estamos em relação. Temos retratos, imagens, recordações, tanto agradáveis como desagradáveis, e essas coisas interferem, impedindo-nos o contato direto com o outro indivíduo. Para se estar em contato com outrem, requer-se que não haja interferência de nenhuma cortina de lembranças. 

Ora, estamos diretamente em contato com o medo? Não sei se compreendem esta pergunta e tudo o que ela implica. Estão observando o medo, você como observador e o medo como coisa observada? Você é o pensador a observar a coisa que se chama "medo"? Ou está olhando o medo, não na qualidade de observador, e nesse caso não existe censor, não existe nenhum centro de onde está observando e, portanto, o medo constitui o único fato? 

Por outras palavras: a maior parte de nossa vida é um conflito, uma luta entre o que é e o que deveria ser. E estamos acostumados com o esforço, com essa batalha que constantemente se trava em nosso íntimo, esse ajustamento, esse atrito entre o que é e a nossa esperança — o que deveria ser. Estamos acostumados com essa incessante batalha, e é só ela o que conhecemos; assim temos sido condicionados desde a infância. Toda a nossa estrutura social — nossos conceitos religiosos, nossa moral, tudo — se baseia nesse constante esforço de vir a ser

Não diga agora: "Se não houvesse esforço, se não houvesse luta, que seríamos nós? Continuaremos macacos, como antes, estacionários". É essa a reação comum. Mas, em nosso próprio lutar, uma grande parte de nós está ainda ligada ao animal, ao macaco: nossa constante avidez, inveja, medo, ansiedade, nossa imperiosa necessidade de satisfação, de prazer e continuação de prazer. O desejo de continuação de prazer provoca o esforço — e todos os nossos valores sociais, morais, religiosos, éticos estão baseados no prazer. Só conhecemos o amor através do prazer. 

Quando compreendermos o significado e a estrutura do prazer, o amor terá, então, sem dúvida, significação inteiramente diferente, será isento de ciúme, de sentimento de posse, de domínio. Mas, para aí chegarmos, temos de perceber a natureza desse esforço para transformar o que é no que deveria ser. O que deveria ser é a continuação do prazer. Chamamos nosso esforço nobre, bom, virtuoso, mas, atrás dessa fachada de palavras está a ânsia de prazer. 

Assim, é possível operarmos uma mudança, uma revolução radical dentro de nós mesmos? Essa revolução é necessária, porque, de outro modo, nossa vida permanecerá superficial, vazia, embotada, estúpida, medíocre, sem nada de novo. É possível, sem nenhum esforço, colocar fim ao medo? Só podemos extingui-lo quando em contato direto com o sentimento chamado "medo", sem permitirmos nenhuma interferência do pensamento como palavra; e isso de imediato acontece ao compreendermos, em seu todo, a natureza do tempo, do prazer, da confusão e da desordem. 

Tudo isso exige muita energia. Afinal de contas, o prestar atenção a qualquer coisa, o prestar atenção ao que se diz, requer energia. Mas, se não se sentir interessados no que se está dizendo, se está a olhar para outra pessoa, se está pensando sabe Deus em que, ou aferrados a uma certa maneira complicada de considerar a vida, tudo o que digo constitui para você uma coisa enfadonha e, portanto, um desperdício de energia; por conseguinte, não está prestando atenção completa. 

A total atenção exige energia, tanto física como nervosa — energia sem o desperdício ocasionado pelas palavras, as fugas, o esforço para ultrapassar o que é. Só quando existe essa plena energia pode a mente olhar o que é; e vereis então, por vós mesmos, que, em virtude dessa atenção — que é a energia total aplicada à cosia chamada "medo" — tereis a possibilidade de ficar completamente livres do medo. 


Jiddu Krishnamurti 





Krishnamurti  nasceu em 12 de maio de 1895 e faleceu em 17 de fevereiro de 1986, viveu 90 anos  tentando mostrar como focalizar nossa atenção no 'agora' e sem estar condicionada ao fator tempo. Naturalmente não usou o termo 'agora', simplesmente lançou a semente que veio eclodir amplamente na nossa atualidade, através de  artigos, palestras e livros tais como o "Poder do Agora" de Eckhart Tolle. Os pioneiros surgem a fim de preparar o caminho para uma causa maior. KyraKally

segunda-feira, 27 de julho de 2015

COMO PODEMOS LIBERTAR-NOS 
DO MEDO ? (Parte I)

Toda mudança exige ordem. Vemo-nos atualmente num estado de desordem, e para sair da desordem necessita-se de ordem: ordem social, ordem interior, e ordem em nossos valores, nossa perspectiva das coisas. Dessa forma, mudar, no sentido em que estamos empregando a palavra, significa estar livre para estabelecer a ordem. Mas a sociedade não deseja essa liberdade, porque acha que a liberdade supõe desordem. Por isso existe a condição, por ela imposta ao indivíduo humano, de não fugir da estrutura psicológica da sociedade. A sociedade teme que a liberdade acarrete desordem, porque está satisfeita em viver nessa desordem a que chama "ordem"; por conseguinte, é incapaz dessa experiência, dessa revolução total. Só o indivíduo humano é capaz de experimentar e realizar, por seus próprios meios, a revolução total, que é a ordem.

Assim, quando emprego a palavra "mudança", entendo: "mudança da desordem para a ordem"; porque, como entes humanos, não nos achamos em ordem. Estamos em conflito, somos dignos de dó, confusos, ambiciosos, ávidos, invejosos — tal é a estrutura do ser humano. Temos medo, pavor, de tantas coisas; e alterar inteiramente essa estrutura de medo, significa promover a ordem. A ordem, portanto, não é produto de revolta, porque a revolta contra a sociedade é uma reação que só produzirá uma série de ações dentro dos limites da estrutura social, e, como acontece com o comunismo ou qualquer outra espécie de reação, volta-se, com o tempo, ao ponto de partida.

Refiro-me àquela mudança que não é reação — reação contra a sociedade, contra a ordem convencional, porém, antes, um "processo" de compreensão da estrutura da desordem; essa compreensão cria ordem, que é uma revolução radical.

Mudança, dizemos, exige tempo. Sou isto, e para operar uma mudança em mim próprio, ou seja para vir a tornar-me aquilo, é necessário tempo, não é assim? Isto é muito simples. Eu sou o que sou, com todas as minhas aflições, minhas ansiedades, temores, desesperos, esperanças, e desejo mudar, "colocar tudo em ordem", e isso exige tempo. Existe o medo e, para nos livrarmos dele, achamos necessário o tempo. Sinto medo, e para dominá-lo, ou compreendê-lo, ou livrar-me dele, necessito do tempo. Isto é perfeitamente óbvio; pelo menos, é o que pensamos.

Ora, que é o tempo? Veja você, por favor, que não o estamos considerando filosoficamente, como uma ideia, uma noção necessária; mas, cada um pode observar e compreender por si próprio essa coisa.

Consideremos o medo. Temos medo de tantas coisas, além do medo fundamental da morte. Mas há também o medo da opinião pública, medo de perder o emprego, medo de ser dominado — um complexo conjunto de temores. Pode-se ver, pode-se perceber que o medo engendra todas as maneiras possíveis de fugir, e que é gerador de escuridão, da incerteza, da ansiedade. E, assim, a mente, tornando-se confusa, incerta, trata de fugir, dada a sua incapacidade para resolver esta questão do medo. Recorre aos dogmas, à bebida, ao sexo — a numerosos e diferentes modos de fuga.

Ora, para uma pessoa ficar totalmente livre do medo, em todos os níveis de sua consciência e não apenas superficialmente, porém completamente, terá de compreender a natureza, a estrutura, o significado do medo; e esse processo de compreensão, pensamos, requer tempo. Escutai isso, por favor! Digo: "Tenho medo, e quero descobrir a causa do medo." Trato, pois, de investigar a causa do medo". Trato, pois, de investigar a causa do temor, de analisá-lo, ou consulto um analista, ou recorro a qualquer outro meio de fuga ao medo. Tudo isso exige tempo, não? Digo: "Não estou livre do temor, mas dele me livrarei com o tempo".

O tempo, pois, significa um movimento, uma mudança do que é para o que deveria ser. Tenho medo, mas um dia estarei livre dele; por conseguinte, o tempo é necessário a nos livrarmos do medo — é, pelo menos, o que pensamos. A mudança do que é para o que deveria ser exige tempo. O tempo, por conseguinte, implica o esforço que se faz, nesse intervalo, entre o que é e o que deveria ser. Não gosto do medo, e vou me esforçar para compreendê-lo, analisá-lo, dissecá-lo, ou para descobrir a causa, ou dele fugir inteiramente. Tudo isso é esforço; e ao esforço já estamos habituados. Vemo-nos sempre num conflito entre o que é e o que deveria ser. O que eu deveria ser é uma ideia, uma coisa fictícia, não é o que sou, o fato. O que sou só pode ser modificado quando compreendo a desordem que o tempo cria. Entendem? Quando tenho medo, isto é um fato: estou com medo. Se introduzo o elemento tempo, dou ao que é uma continuidade que gera desordem. Está claro?

Estamos condicionados para pensar que o tempo é necessário, que é necessário um "processo" gradual para podermos operar qualquer mudança em nós mesmos. Por exemplo, todos desejamos preencher-nos de diferentes maneiras — como artistas... de qualquer uma de dez maneiras diferentes; queremos preencher-nos, e, nesse preenchimento, que implica tempo, encontra-se o sofrimento, a ansiedade, o medo. Desejo ser aquilo, mas não sou aquilo.

A questão, pois, é esta: É possível o ente humano mudar sem nenhuma interferência do tempo? libertar-se imediata e totalmente do temor? Como de pronto não posso livrar-me do medo, preciso do elemento duração, e isso significa que ele continuará a existir; e onde há continuidade do medo, aí há desordem.

Assim, posso libertar-me do medo, de maneira completa, neste mesmo instante? Se permito ao medo subsistir, estarei sempre a criar desordem; vê-se, por conseguinte, que o tempo é um elemento de desordem, e não um meio de nos libertarmos definitivamente do medo. Não há, pois, nenhum processo gradual de libertação do temor, assim como não há nenhum processo gradual de libertação do veneno do nacionalismo. Se tem o nacionalismo, mas vocês dizem que com o tempo teremos a fraternidade humana, no intervalo haverá guerras, haverá ódios, haverá sofrimento, existirá a horrível divisão entre os homens; o tempo, por conseguinte, estará criando desordem.

Assim, se nos servimos do tempo como meio de promover a transformação radical, estamos promovendo a desordem e não a ordem. E, se compreendermos isso, não apenas verbalmente, se vemos, aí, a verdade, o fato, esse próprio descobrimento é então, em si mesmo, uma revolução; pois estamos habituados a contar com o tempo.

Mas, por que razão nos servimos do tempo, no sentido em que o estamos entendendo? Por que admitimos a continuidade do medo? Por que? Não respondam, por favor; e, também, não é esta uma pergunta retórica. Provavelmente, nunca perguntamos a nós mesmos por que permitimos a existência do medo, por um só dia, por um só minuto sequer, já que sabemos quanto dano, quanto ódio, quantas mentiras, quanta hipocrisia, quanta confusão e conflito ele cria. Provavelmente o aceitamos porque com ele já nos acostumamos, e porque não conhecemos outra maneira de nos libertarmos dele, a não ser o "processo gradativo". Pelo menos, julgamos que esse processo gradual seja um meio de nos livrarmos do medo. Mas, pode-se agora perceber que, havendo duração do medo, nesse período há ódio, confusão, esforço, sofrimento. Aceitamo-lo, tão-somente, porque a ele estamos condicionados. Assim, perguntamos a nós mesmos: É possível, sem se permitir a interferência do tempo, olhar o pensamento, olhar o medo, e compreender-lhe a natureza — não seus sintomas, suas diferentes manifestações ou suas causas, porém o medo em si?

Ora, que é o medo? Muito importa compreender isso, porque em geral tentamos; não apenas num nível superficial de nossa consciência, mas, profundamente, temos medo. Há várias formas de medo, e não temos a necessidade de examinarmos todas; mas, todo temor é produto das relações. O medo tem causa, não vem à existência espontaneamente e pensamos que, compreendendo-lhe a causa, ficaremos livre dele; mas isso nunca será possível. Sabemos por que tememos. Provavelmente já refletimos a respeito do medo, o consideramos bem e conhecmos a causa que o faz surgir; mas, embora conheçamos a causa, não estamos livres do sintoma. Vê-se, pois, que o mero descobrir da causa não nos liberta necessariamente do medo; e tampouco a análise nos liberta do temor. A análise, por sua vez, requer tempo.

Então, como de pronto podemos libertar-nos do medo? Esta é, com efeito, uma pergunta tremenda. E só podemos fazê-la a nós mesmos quando compreendemos o que está implicado no processo gradativo do tempo.

Como podemos libertar-nos imediatamente do medo? Quando emprego a palavra "como", não quero sugerir uma investigação a fim de achar um processo; porque processo, método, sistema, supõe o tempo e, por conseguinte, desordem. Mas, é possível libertar-nos do medo imediatamente?

                                    

                                     Jiddu Krishnamurti 
O DESTINO E O CORAÇÃO

 Os olhos foram feitos para ver coisas insólitas,
fez-se a alma para gozar da alegria e do prazer.
O coração foi destinado a embriagar-se
na beleza do amigo ou na aflição da ausência.

A meta do amor é voar até o firmamento,
a do intelecto, desvendar as leis e o mundo.

Para além das causas estão os mistérios,
 as maravilhas.

Os olhos ficarão cegos
quando virem que todas as coisas
são apenas meios para o saber.

O amante, difamado neste mundo
por uma centena de acusações,
receberá, no momento da união,
cem títulos e nomes.

Peregrinar nas areias do deserto
nos exige suportar
beber leite de camelo,
ser pilhados por beduínos.

Apaixonado, o peregrino beija a Pedra Negra
ansioso por sentir mais uma vez
o toque dos lábios do amigo
e degustar como antes o seu beijo.

Ó alma, não cunhes moedas com o ouro das palavras:
o buscador é aquele que vai
à própria mina de ouro.


Rumi 



O amor que Rumi demonstra em suas poesias é um amor arrebatador:  “Ó amantes, abandonai as tolas ilusões. / Enlouquecei, perdei de vez a cabeça. / Erguei-vos do fogo ardente da vida / – tornai-vos pássaros, sede pássaros”. Para ele tudo se resume no ato de amar:  “Limpa teu coração dos velhos rancores, / lava-o sete vezes / e serve o vinho do amor / torna-te o amor.” Ele está correto. Quando conseguirmos amar dessa forma não nos sentiremos mais 'mortais', nosso amor será infinito e não necessitaremos mais pisar no mundo, apenas flutuar. “Enche tua alma de todo o amor, / transforma-o na alma suprema. / Senta à mesa dos santos, / embriaga-te, sê o vinho.” Sim, “sê o vinho”, quem é capaz de reconhecer o próprio néctar e embriagar-se dele? Todos o são, potencialmente, mas na prática, quantos o fazem?" . Ir além... muito além do finito. “Dentro do coração empedernido do homem / arde o fogo que derrete o véu de cima abaixo. / Desfeito o véu, / o coração descobre as histórias de todo o saber que vem de nós.” KyraKally
APRENDENDO A ESCUTAR 
A NATUREZA DO MEDO

Todos nós temos muitas experiências, e cada experiência deixa sua marca; cada pensamento, cada influência molda a mente  de certa maneira. É essencial morrermos para tudo o que temos experimentado, para que a mente se torne jovem, fresca e "inocente". Só uma mente "inocente", que embora tenha passado por milhares de experiências, está morta para o passado — só essa mente pode perceber o que é verdadeiro e transcender as coisas fabricadas pelo homem. E o medo, assim me parece, é uma das forças corruptoras e destrutivas que tornam impossível essa "inocência".

O medo é tempo psicológico. Não há medo, quando não temos tempo psicológico. Se não há um amanhã, para o qual estamos nos movendo, e não há lembranças do passado, o medo, em todas as suas formas, deixa de existir. Nasce o medo quando o pensamento se projeta no futuro, ou se compara com o que ele próprio foi no passado. Psicologicamente, o tempo é pensamento, tanto consciente como inconsciente; e é o pensamento que cria o medo.

Temos toda espécie de medo: medo da morte, medo de adoecer, medo da velhice, medo de perder as satisfações que temos experimentado, medo da opinião pública, de não nos preenchermos, de não termos êxito, de sermos ninguém. Como temos medo, buscamos vários tipos de fuga, tanto exterior como interiormente; e, para a maioria de nós, a religião se tornou um extraordinário meio de fuga ao medo. Para compreendermos o medo, temos que compreender todo o processo do pensar, todo o mecanismo do pensamento.

Como salientei da outra vez, releva escutar o que se diz, sem concordar nem discordar; porque nós estamos considerando fatos e não ideias. Estamos considerando fatos, independentemente de que esses fatos sejam agradáveis ou desagradáveis. E se somos capazes de considerar o fato que é o medo, escutar-lhe todo o conteúdo, ver sua estrutura, estou bem certo de que então a mente ficará num estante livre do medo.

Mas nós não sabemos escutar, porque estamos sempre procurando fugir do medo; queremos dissolvê-lo, descobrir uma maneira de nos livrarmos dele, descobrir-lhe a causa. Damos nome ao fato "medo", e a palavra se torna então importante; por essa razão nunca escutamos  o fato.

O descobrimento da causa do medo não é a libertação do medo. Com muita análise, investigação, é possível conhecermos a causa do medo; mas, no final de tudo, continuamos com medo. E, se não estivermos realmente livres do medo, qualquer espécie de busca, qualquer espécie de investigação só produzirá mais ilusão ou desfiguração. Um homem verdadeiramente religioso, se posso empregar essa palavra, não tem medo, psicologicamente, interiormente. Por "homem religioso" entendo o "homem total", e não aquele que é meramente sentimental ou que foge do mundo, narcotizando-se com ideias, ilusões, visões. A mente de um homem religioso é muito tranquila, sadia, racional, lógica; e dessa mente é que necessitamos, e não de uma mente sentimental, emotiva, medrosa, enredada em seu especial condicionamento.

Desejamos ficar livres do medo para todo o sempre. Não existe tal coisa: "estar livre do medo para todo o sempre". Para compreender isso, é preciso compreender a continuidade. O que dá continuidade a uma coisa, agradável ou desagradável, é o pensar nela. Ao pensarmos a respeito de uma coisa, damos-lhe continuidade. Damos continuidade ao medo com o pensar sobre ele — mas isso não significa que não devamos investigar o processo total do medo.

Como disse, o medo é tempo, no sentido psicológico, e o tempo é pensamento. Tempo é o processo de "vir a ser", evitar, preencher-se: Sou isto e quero ser aquilo. O tempo, por conseguinte, é o fator do medo. Quando vocês se veem diretamente em presença de uma coisa, qualquer que ela seja, nesse momento não há medo. Mas o pensar a seu respeito causa medo.

O pensamento é reação da memória. A memória, no sentido comum, é necessária, porque do contrário nos colocaríamos à frente de um ônibus em movimento ou tomaríamos nas mãos uma serpente venenosa. Mas, quando a memória cria o pensamento, como reação, ela se torna um empecilho e gera medo. Isso é um fato psicológico.

A morte é o desconhecido; mas, quando dizemos que tememos a morte, não estamos realmente com medo ao desconhecido, porém, com medo de deixar o conhecido, de deixarmos as coisas que temos experimentado, fruído, construído. O pensamento é essa memória do conhecido, e a respectiva reação; o pensamento, pois, nunca pode ser livre. Não há liberdade de pensamento, porquanto o pensamento está sempre condicionado, é sempre reação da memória. E para ficar totalmente livre do medo, é necessário compreender a constituição da memória como continuidade.

Como mecânico, cientista, engenheiro, etc., necessitam da continuidade da memória, pois do contrário não poderiam exercer suas funções. Mas a continuidade do pensamento como feixe de lembranças relativas ao "eu" e ao "meu", e as reações desse pensamento condicionado, tudo isso é tempo psicológico, medo. O pensar a respeito da morte — o súbito findar de tudo o que conhecemos — gera medo e cria continuidade. Assim, para que o medo termine, é necessário que o pensamento termine. Você pode dizer: "Isto é uma coisa estranha. Como posso por fim ao pensamento? Se ponho fim a todo pensar, como poderei ganhar o meu sustento? Como poderei continuar no meu emprego amanhã de manhã?"

Há duas espécies diferentes de pensar: pensar para exercer uma função, e pensar no sentido de servir-se dessa função como meio de adquirir posição. A continuidade psicológica do pensamento, que se forma quando utilizamos a função como meio de adquirir autoridade, posição, prestígio — é essa continuidade que gera o medo.

O tempo, no sentido psicológico, gera o medo. O tempo é o veículo do pensamento; e o homem que deseja ficar completamente livre do medo tem de colocar fim ao pensamento. Isso requer atenção — não concentração, porém atenção total a cada pensamento. Se puder dar atenção total a cada pensamento, importante ou sem importância, profundamente significativo ou sem muita significação, verá então que nesse estado de atenção total ocorre o findar do pensamento.

O medo gera a "culpa", a ansiedade; e a ansiedade, em qualquer uma das formas, é o começo do sofrer. Há o sofrimento de não ser amado; o sofrimento que experimentamos quando alguém a quem estamos profundamente apegados,  sofre ou está a morrer. E nós temos divinizado o sofrimento. Isso é verdade; principalmente em relação ao cristianismo, que sempre considerou o sofrimento uma coisa sublime. Ide a uma igreja, e lá encontrareis o "Crucificado". Não há fim ao sofrimento, para a maioria de nós, porque eternizamos o sofrimento e na sua sombra vivemos até o fim de nossos dias. O sofrimento tornou-se coisa respeitável. É algo que todo homem civilizado conhece e guarda fechado em seu coração; e quando ele vai à igreja, rende-lhe adoração, ou, por várias maneiras, procura evitá-lo.

Mas, há o findar do sofrimento. O sofrimento deve findar completamente, porque, do contrário, nunca poderá existir a mente religiosa a que me refiro. O sofrimento não nos leva à verdade; mas o sofrimento tem grande significação, porque algo nos indica. Infelizmente, a maioria de nós evita essa indicação, essa sugestão, e permanece "vivendo com o sofrimento". Se o examinarmos profundamente veremos que o sofrimento é auto compaixão, embora possamos dar-lhe outro nome. Perdemos alguém — marido, mulher, filho — e nosso sofrimento é a compaixão que temos de nós mesmos, por termos ficado sozinhos. 

Todos conhecemos essa auto compaixão resultante da solidão; e a auto compaixão em qualquer forma que seja: a preocupação a respeito de si mesmo, o sentimento de inferioridade, a luta para se tornar superior, o conflito e o triunfo que há em alcançar, atingir, a dor da frustração, — tudo isso produz sofrimento.


Como sabem, muito pouco de nós faz frente ao sofrimento. Provavelmente nunca experimentamos o sofrimento diretamente... Temos experimentado diretamente a fome, o sexo; mas não estou certo de que já experimentamos diretamente o sofrimento. Nós permanecemos com o que é agradável, queremos continuar nesse estado; mas o sofrimento procuramos evitar, nunca queremos encará-lo. O desejo de encontrar uma saída, um meio de fuga, nas palavras, nas ideias, na crença, na bebida, no que quer que seja — impede-nos de encarar diretamente o fato do sofrimento.


Se perdemos o filho, se a mulher ou o marido nos abandona, ficamos a sofrer. Que sucedeu realmente? Vemo-nos abandonados, sós, sem ninguém mais em quem nos amparar. Nós tínhamos nos identificado completamente com aquela pessoa e, agora, que ela se foi, sentimo-nos perdidos. O fato é que, psicologicamente, somos dependentes, e esse fato provoca outros fatos, ou sejam várias maneiras de fugir, que só podem perpetuar o medo e o sofrimento.  


Assim torna-se dificílimo encarar e experimentar diretamente o fato que é o sofrimento. A palavra "sentimento" tem certos significados sugestivos, e, para se experimentar qualquer coisa direta e totalmente, é necessário estarmos livre da palavra. Mas vocês são escravos da palavra... Analogamente, a palavra "sofrimento" exerce na grande maioria extraordinária influência. A palavra, o símbolo tem séculos de propaganda religiosa a ampará-lo: que é necessário sofrer, suportar o sofrimento; que pelo sofrimento virá a paz, etc. Tudo isso condicionou a mente, e vocês nunca romperam esse condicionamento. 

Mas para ficar livre do sofrimento, temos de despedaçar todos os símbolos, rejeitar todas as palavras e encarar diretamente o fato. E não podemos encarar o fato, que é a sua auto compaixão, se o retrato que está sobre o piano ou sobre a lareira se torna sumamente importante, porque nesse caso estamos identificado com a ideia, uma lembrança, uma coisa morta e acabada, e estamos vivendo no passado. Libertar-se completamente do passado, destruí-lo totalmente, com toda a sua história, todas as suas memórias, é o findar do sofrimento.


Assim como o medo desfigura a mente, produzindo várias formas de ilusão e corrupção, assim também o sofrimento torna a mente embotada, insensível; porque, no sofrimento, a mente está toda interessada em sua própria auto compaixão, sua própria solidão. E eu lhe garanto — não digo que deve acreditar, mas garanto que o sofrimento pode findar e que, então, veem-se todas as coisas de maneira nova, cada incidente, cada movimento de maneira nova. É só quando a mente está livre do sofrimento e de toda espécie de medo, que há "inocência". E a mente precisa ser "inocente", embora tenha vivido um milênio; porque só a mente nova, inocente, jovem, é capaz de perceber o que se encontra além das limitações humanas.


Mas tudo isso requer muita atenção, verdadeira seriedade, que não significa "fazer uma cara solene", mas, sim, ser capaz de seguir velozmente um dado pensamento até o fim, deixando que ele se desdobre por inteiro, sem obstáculos; e isso não é possível se sustentamos amarras no passado.


A maioria de nós jamais experimentou um estado de "inocência"... Se somos ricos ou remediados, poderemos procurar um analista; mas nenhum agente externo, nenhum esforço pode libertar-nos do sofrimento, a fim de  colocar fim ao nosso sofrer — nesse caso não ficamos atentos.


Tentemos uma vez, se o desejarmos, considerar totalmente uma flor, uma árvore, um ente humano. Considerar sem conhecimento, sem pensamento — o que não significa um estado de amnésia, ter a mente "em branco". Veremos que, ao considerarmos assim uma coisa, há um extraordinário estado de atenção que não é concentração. Concentração é exclusão. A mente que está atenta pode concentrar-se sem esforço, sem exclusão. Mas a mente que adquiriu a faculdade de concentração por meio do esforço, treino, disciplina — essa mente jamais poderá estar atenta. 



Krishnamurti




Certamente a meditação nos leva a esse estado de considerar os fatos sem conhecimento, sem pensamento, porém somente com o exercício constante dessa experiência meditativa é que vamos percebendo esse estado novo de compreender o desenrolar dos acontecimentos sem nos atarmos a eles. KyraKally