PARA AGIR COM SABEDORIA
Parte II
A
observação atenta nos mostrará que toda a sabedoria e toda a ignorância
da humanidade estão dentro de nós. É verdade que podemos fugir do mundo
para viver em meditação e oração. Mas a ignorância irá junto conosco
para o nosso retiro, mesmo que ele seja feito em uma montanha longínqua
ou em um mosteiro isolado. Ter uma existência produtiva, ainda que nossa
tarefa seja humilde e anônima, tem mais valor do que a auto-ilusão do
meditador egoísta.
Uma
vida ativa, porém, não significa agitação. Quem atua de modo seletivo,
interferindo nas questões realmente importantes, preserva seu equilíbrio
interno e consegue que o essencial seja feito. “Quando você tem poucas
tarefas, naturalmente os seus sofrimentos são poucos”, ensina um antigo
tratado taoísta. “Quando as suas palavras são poucas, naturalmente os
problemas são poucos. Quando você come pouco, naturalmente fica menos
doente. Quando você tem poucos desejos no coração, naturalmente tem
poucas preocupações.” [7]
Para
agir com eficácia, também devemos estabelecer e manter um equilíbrio
correto entre esforço e descanso, ação e inação, palavra e silêncio,
tensão e relaxamento. Esses vários fatores são indispensáveis para o
êxito e a felicidade, mas é necessária uma boa dose de talento para
combiná-los de modo adequado.
Um
dos fatores decisivos para agir corretamente é o discernimento, que
permite distinguir o que é verdadeiro e o que é falso. Uma obra taoísta
clássica, atribuída a Lao-tzu, explica:
“Todos
os pontos de vista de uma pessoa, todos os conceitos sobre avida e
todas as convicções religiosas são uma manifestação de sua energia. Se a
mente de uma pessoa sofreu severo condicionamento, é como se ela
medisse tudo com uma régua torta: a essa pessoa não é dado jamais medir o
que quer que seja com exatidão. Ela deve endireitar e aperfeiçoar seu
instrumento de medida, pois, se um instrumento é defeituoso, a pessoa
não pode perceber o real com precisão. Quando o sistema nervoso de um
ser humano é corrigido e aperfeiçoado, ele se torna sereno e objetivo.
Então, é possível ver claramente e descobrir que, embora haja
diversidade no universo, há unidade por trás dessa diversidade.” [8]
Ação
e discernimento são inseparáveis. É agindo que ganhamos a experiência
necessária para saber situar-nos corretamente nas situações práticas da
vida. E só tendo discernimento podemos obter bons resultados com as
nossas ações. A ação correta que resulta disso se dá em todos os níveis
simultaneamente, do individual ao coletivo. Quem governa a si mesmo
também pode inspirar ou liderar outras pessoas, tanto na família quanto
no trabalho, na associação comunitária e no grupo espiritualista. Mas a
base do discurso é a prática. O ensinamento deve vir primeiro pelo
exemplo, e só depois pelas palavras.
Vejamos
um exemplo. A tradição budista conta que, muito tempo atrás, havia um
rei notavelmente bem-sucedido na tarefa de governar seu país. Ele era
conhecido como “o rei da grande luz”. Certa vez pediram a ele que
descrevesse, em poucas palavras, a arte de liderar um povo. E ele disse:
“A
melhor maneira de governar um país é, em primeiro lugar, governar a si
mesmo. O governante deve colocar-se diante de seu povo com um coração
cheio de compaixão, e deve ensinar e liderar as pessoas na tarefa de
remover todas as impurezas das suas mentes. A felicidade que surge dos
bons ensinamentos é muito maior que a satisfação oferecida pelas coisas
materiais e mundanas. Portanto, ele deve dar bons ensinamentos a seu
povo e manter as mentes e os corpos das pessoas em um estado de
tranquilidade.”[9]
Quando
as elites governantes de um país são decadentes e irresponsáveis, e
quando os dirigentes públicos governam através de fraudes e mentiras, o
povo pobre segue o exemplo dos seus líderes e os crimes e a violência se
espalham pelo país. Por outro lado, sempre que há líderes honestos -
seja em um pequeno grupo de pessoas ou num grande país - o exemplo
positivo também se espalha e assim surge um clima de justiça, harmonia e
bem-estar. A esse respeito, o antigo “rei da grande luz” ensinou algo
que vale também para a educação dos nossos filhos:
“Quando
as pessoas pobres vêm até o governante, ele deve abrir seus armazéns e
deixar que levem o que quiserem, e depois aproveitar a oportunidade para
ensinar às pessoas a sabedoria que existe em libertar-se de toda cobiça
e de toda maldade.” [10]
Isso
não significa que você deve dar literalmente todo seu rendimento mensal
para que seus filhos o gastem como quiserem, nem que um empresário deve
aumentar os salários dos seus empregados de modo irresponsável.
Tampouco é recomendável que o presidente de um país tome medidas que
favorecem o povo mas que não são sensatas e viáveis a longo prazo.
“Abrir seus armazéns e deixar que as pessoas levem o que quiserem”
significa compartilhar, solidariamente, a sorte do povo trabalhador.
Significa dar um exemplo pessoal de desapego em relação aos bens
materiais, ter como meta o bem-estar das pessoas, e nunca roubar a nação
como um ladrão e um traidor.
Assim,
a eficiência na ação é inseparável da justiça e da solidariedade que
devem surgir do coração. A visão altruísta do mundo aumenta nossa
sensibilidade, clareia nossa visão e livra-nos das distorções causadas
pela cobiça e pelo medo. Desse modo se abrem as portas para o bom senso e
a felicidade.
Carlos Cardoso Aveline
NOTAS:
[7] “Meditação Taoísta”, obra compilada por Thomas Cleary, Ed. Teosófica, Brasília, p. 40.
[8] “Hua Hu Ching, Os últimos ensinamentos de Lao Tzu”, de Hua-Ching Ni, Ed. Pensamento, SP, ver pp. 76-77.
[9]
“The Teaching of Buddha”, coletânea budista editada pela instituição
japonesa Bukkyo Dendo Kyokai, de Tóquio, em 1966, e que tem 307 pp.
Veja, ali, a p. 231.
[10] “The Teaching of Buddha”, obra citada., p. 231.
Fonte: www.FilosofiaEsoterica.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário