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quarta-feira, 1 de junho de 2016

PARA AGIR COM SABEDORIA
Parte II
 
 
A observação atenta nos mostrará que toda a sabedoria e toda a ignorância da humanidade estão dentro de nós. É verdade que podemos fugir do mundo para viver em meditação e oração. Mas a ignorância irá junto conosco para o nosso retiro, mesmo que ele seja feito em uma montanha longínqua ou em um mosteiro isolado. Ter uma existência produtiva, ainda que nossa tarefa seja humilde e anônima, tem mais valor do que a auto-ilusão do meditador egoísta.
 
Uma vida ativa, porém, não significa agitação. Quem atua de modo seletivo, interferindo nas questões realmente importantes, preserva seu equilíbrio interno e consegue que o essencial seja feito. “Quando você tem poucas tarefas, naturalmente os seus sofrimentos são poucos”, ensina um antigo tratado taoísta. “Quando as suas palavras são poucas, naturalmente os problemas são poucos. Quando você come pouco, naturalmente fica menos doente. Quando você tem poucos desejos no coração, naturalmente tem poucas preocupações.” [7]
 
Para agir com eficácia, também devemos estabelecer e manter um equilíbrio correto entre esforço e descanso, ação e inação, palavra e silêncio, tensão e relaxamento. Esses vários fatores são indispensáveis para o êxito e a felicidade, mas é necessária uma boa dose de talento para combiná-los de modo adequado.
 
Um dos fatores decisivos para agir corretamente é o discernimento, que permite distinguir o que é verdadeiro e o que é falso. Uma obra taoísta clássica, atribuída a Lao-tzu, explica:
 
“Todos os pontos de vista de uma pessoa, todos os conceitos sobre avida e todas as convicções religiosas são uma manifestação de sua energia. Se a mente de uma pessoa sofreu severo condicionamento, é como se ela medisse tudo com uma régua torta: a essa pessoa não é dado jamais medir o que quer que seja com exatidão. Ela deve endireitar e aperfeiçoar seu instrumento de medida, pois, se um instrumento é defeituoso, a pessoa não pode perceber o real com precisão. Quando o sistema nervoso de um ser humano é corrigido e aperfeiçoado, ele se torna sereno e objetivo. Então, é possível ver claramente e descobrir que, embora haja diversidade no universo, há unidade por trás dessa diversidade.” [8]
 
Ação e discernimento são inseparáveis. É agindo que ganhamos a experiência necessária para saber situar-nos corretamente nas situações práticas da vida. E só tendo discernimento podemos obter bons resultados com as nossas ações. A ação correta que resulta disso se dá em todos os níveis simultaneamente, do individual ao coletivo. Quem governa a si mesmo também pode inspirar ou liderar outras pessoas, tanto na família quanto no trabalho, na associação comunitária e no grupo espiritualista. Mas a base do discurso é a prática. O ensinamento deve vir primeiro pelo exemplo, e só depois pelas palavras.
 
Vejamos um exemplo. A tradição budista conta que, muito tempo atrás, havia um rei notavelmente bem-sucedido na tarefa de governar seu país. Ele era conhecido como “o rei da grande luz”. Certa vez pediram a ele que descrevesse, em poucas palavras, a arte de liderar um povo. E ele disse:
 
“A melhor maneira de governar um país é, em primeiro lugar, governar a si mesmo. O governante deve colocar-se diante de seu povo com um coração cheio de compaixão, e deve ensinar e liderar as pessoas na tarefa de remover todas as impurezas das suas mentes. A felicidade que surge dos bons ensinamentos é muito maior que a satisfação oferecida pelas coisas materiais e mundanas. Portanto, ele deve dar bons ensinamentos a seu povo e manter as mentes e os corpos das pessoas em um estado de  tranquilidade.”[9]
 
Quando as elites governantes de um país são decadentes e irresponsáveis, e quando os dirigentes públicos governam através de fraudes e mentiras, o povo pobre segue o exemplo dos seus líderes e os crimes e a violência se espalham pelo país. Por outro lado, sempre que há líderes honestos - seja em um pequeno grupo de pessoas ou num grande país - o exemplo positivo também se espalha e assim surge um clima de justiça, harmonia e bem-estar. A esse respeito, o antigo “rei da grande luz” ensinou algo que vale também para a educação dos nossos filhos:
 
“Quando as pessoas pobres vêm até o governante, ele deve abrir seus armazéns e deixar que levem o que quiserem, e depois aproveitar a oportunidade para ensinar às pessoas a sabedoria que existe em libertar-se de toda cobiça e de toda maldade.” [10]
 
Isso não significa que você deve dar literalmente todo seu rendimento mensal para que seus filhos o gastem como quiserem, nem que um empresário deve aumentar os salários dos seus empregados de modo irresponsável. Tampouco é recomendável que o presidente de um país tome medidas que favorecem o povo mas que não são sensatas e viáveis a longo prazo. “Abrir seus armazéns e deixar que as pessoas levem o que quiserem” significa compartilhar, solidariamente, a sorte do povo trabalhador. Significa dar um exemplo pessoal de desapego em relação aos bens materiais, ter como meta o bem-estar das pessoas, e nunca roubar a nação como um ladrão e um traidor.
 
Assim, a eficiência na ação é inseparável da justiça e da solidariedade que devem surgir do coração. A visão altruísta do mundo aumenta nossa sensibilidade, clareia nossa visão e livra-nos das distorções causadas pela cobiça e pelo medo. Desse modo se abrem as portas para o bom senso e a felicidade.

 
 
Carlos Cardoso Aveline
 
 
 
 
 
NOTAS:
 
[7] “Meditação Taoísta”, obra compilada por Thomas Cleary, Ed. Teosófica, Brasília, p. 40.
 
[8] “Hua Hu Ching, Os últimos ensinamentos de Lao Tzu”, de Hua-Ching Ni, Ed. Pensamento, SP, ver pp. 76-77.
 
[9] “The Teaching of Buddha”, coletânea budista editada pela instituição japonesa Bukkyo Dendo Kyokai, de Tóquio, em 1966, e que tem 307 pp. Veja, ali, a p. 231.
 
[10] “The Teaching of Buddha”, obra citada., p. 231.
 
Fonte:  www.FilosofiaEsoterica.com

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