A ARTE DE CUIDAR
DE ALGUÉM
O Caminho da Felicidade
Requer Renúncia e Discernimento
A
vida é feita de paradoxos. Para trilhar o caminho da bem-aventurança, o
primeiro passo é querer o bem de todos os seres. O passo seguinte
consiste em trabalhar de modo prático, durante muito tempo, para que os outros sejam felizes. O auto esquecimento abrirá as portas do bem-estar durável.
A
substância da vida é feita de solidariedade. Cada criança é resultado
da interação amorosa dos seus pais. Alguém cuida do indivíduo humano
quando ele nasce, e alguém cuida dele quando morre.
Logo
no início da vida, o ser humano começa a aprender a arte de cuidar de
si mesmo. Esta arte tem limitações, porque mesmo na fase mais
“independente” da sua vida haverá sempre alguém cuidando da pessoa. Seus
amigos, os colegas, o chefe no trabalho, os professores, pais,
dentistas, médicos, motoristas de táxi, filhos e irmãos ou mesmo netos,
todos cuidam de algum modo de cada ser humano. A sociedade inteira
protege e ajuda o cidadão individual, dando-lhe ruas calçadas para
caminhar e outros tantos benefícios da vida em comunidade.
O
fato de ser objeto de cuidados é agradável, mas cuidar dos outros é
melhor ainda. O caminho da paz requer que pensemos no bem-estar interior
daqueles a quem queremos bem, e devemos querer o bem de todos os seres.
A atitude altruísta é benéfica para nós próprios. Aquilo que fazemos
aos outros é o que retornará, cedo ou tarde, para nós.
Cuidar Requer Lucidez e Desapego
Embora
trabalhar para o benefício dos outros seja a fonte do verdadeiro
bem-estar, isso não significa que a tarefa seja fácil. Cuidar de modo
eficiente é uma arte, e também um mistério que implica boa dose de
auto-sacrifício.
Coragem,
renúncia, desapego e discernimento são necessários para cuidar dos
outros seres como devem ser cuidados. Ajudar não é fazer sempre o que a
pessoa deseja. Atender a todas as vontades daqueles com quem nos
relacionamos é um caminho seguro para a infelicidade. Firmeza e um
determinado rigor nas relações interpessoais são fatores úteis. Saber
ceder é tão importante quanto saber dizer não. O uso do discernimento
permitirá tomar a decisão correta a cada instante. Os erros trarão as
lições que devemos aprender. A meta é não cuidar das pessoas buscando o
caminho mais cômodo, mas fazendo aquilo que estimulará seu crescimento e
seu sentido de responsabilidade.
Seja
adulto ou criança, o ser humano precisa saber que há limites. A
ausência da aceitação de obstáculos é uma fonte de dor e violência
psicológicas. A moderação deve ser cultivada. Embora os limites possam
ser transcendidos através do amor e da compreensão, eles não devem ser
necessariamente eliminados. A diferença entre transcender e eliminar é
fundamental: a transcendência não é destruição, e a destruição não é
transcendência.
O
estabelecimento de limites nas relações solidárias faz com que o
fortalecimento da vontade individual ocorra sobre canais adequados. A
administração correta do desejo é uma ciência em si. Uma vontade forte,
usada sem discernimento, cria uma quantidade apreciável de dor. A mesma
vontade, usada com eficiência em função de uma meta correta, tem
diversos efeitos positivos. Ela transcende o impulso cego, produz uma
compreensão ampla e lúcida da vida, e faz com que surja a felicidade
incondicional.
Cada
um deve aprender a administrar corretamente a sua vontade, dotando-a de
força solidária e discernimento. Esta meta pode ser ensinada a crianças
e adultos, e o indivíduo deve buscá-la por esforço próprio. Os limites
nos relacionamentos são linhas de respeito mútuo. Eles sustentam e
protegem as relações solidárias, e devem ser estabelecidos mutuamente. É
correto aceitar os limites que os outros nos colocam, a menos que haja
sérios motivos para fazer o contrário.
A
arte de cuidar de alguém é inseparável do processo do autoconhecimento e
da arte de cuidar de si mesmo. Cuidamos dos outros como cuidamos de
nós. Descuidar dos outros é descuidar de si, e o egoísmo constitui
sobretudo uma falta de atenção e vigilância diante da vida. Nosso eu emocional é nossa criança interna. Ele merece ser tratado com paz-ciência, estabilidade e respeito, porque a auto-estima emocional
é indispensável no caminho do altruísmo. A generosidade começa no modo
como vemos a nós próprios, e isso não significa indulgência ou falta de
auto-crítica. Os erros devem ser olhados com rigor, mas desde o ponto de
vista do nosso potencial sagrado.
Um Planeta Solidário
A
importância das descobertas de Charles Darwin não deve ser exagerada. O
apoio mútuo, e não a competição, constitui a lei da vida. Todos os
seres progridem através da ajuda recíproca. Animais, e até vegetais,
ajudam uns aos outros. É falsa a ideia de que a lei da selva é a lei da
competição. Na verdade, reina a harmonia nas florestas. Já no mundo
humano, o sábio ajuda o inexperiente, e o novato auxilia seu irmão mais
velho. Cada família e cada nação é sustentada pelo amor de uns pelos
outros e pela prática do respeito e da cooperação.
O
planeta Terra inteiro é um círculo multidimensional de laços de afeto
que se desdobram em diversos níveis de ação e percepção. Há dor e
violência no planeta, seguramente. Mas isso se deve à presença
provisória da ignorância, cujo final podemos acelerar em tudo aquilo que
depende de nós.
Aquele
que é apto para cuidar do outro sente prazer em não provocar dor, e
sofre quando causa sofrimento para alguém. Todo ser consciente sabe que o
outro é seu espelho. Só o desinformado bate no espelho e imagina que
assim obterá alguma vitória.
Todos São Mestres, o Tempo Inteiro
Os relacionamentos humanos são todos recíprocos e se alimentam de padrões repetitivos estáveis, em torno dos quais surge a base instintiva sobre a qual a vida se desenvolve.
Em consequência disso, cuidar da vida é criar bons hábitos, primeiro para si mesmo, e em seguida na relação com os outros. Cuidar é também abandonar os hábitos nocivos, e entre estes ocupam lugar de destaque o desperdício de tempo e o desperdício de energia.
“Devemos fazer aquilo que é correto e, com o tempo a ação se tornará agradável”, ensina a tradição pitagórica.
Os
hábitos criam o caráter, e o caráter é um fator importante na
determinação do carma ou “destino” de alguém. A pessoa deve primeiro
estabelecer metas claras, e em seguida criar padrões de comportamento
que sejam coerentes com suas metas.
Lições
não nos faltam. Elas estão por todo lado ao nosso redor: o desafio é
prestar atenção a elas. Todos os seres educam uns aos outros ao
interagir. Todos são professores, e devem ter um sentido de responsabilidade
por aquilo que ensinam o tempo inteiro através de cada ação, cada
palavra, sentimento e mesmo pensamento articulado em silêncio.
Cuidar
ou educar seres de qualquer idade implica estimular a sua independência
solidária. Ajudar é também ensinar a combater as causas, e não só os
efeitos do sofrimento. Aquele que é auxiliado deve fazer por merecer,
erguendo-se por força própria em tudo que as circunstâncias permitem.
Cuidar Inclui o Bom Combate
Assim como há conflitos na alma humana, há combates no mundo. O bom guerreiro é um cuidador e um protetor da vida e sabe agir com severidade. O policial civil e o policial militar protegem a população. A Polícia Rodoviária atua na defesa da vida. O soldado protege o povo.
Assim como há conflitos na alma humana, há combates no mundo. O bom guerreiro é um cuidador e um protetor da vida e sabe agir com severidade. O policial civil e o policial militar protegem a população. A Polícia Rodoviária atua na defesa da vida. O soldado protege o povo.
Aquilo
que ocorre fora é uma exteriorização do mundo interno. No organismo
físico do ser humano, o sistema imunológico combate num estilo
verdadeiramente policial-militar as infecções, intoxicações, agentes
nocivos e todo tipo de perigo para a saúde.
No
plano emocional e psicológico, quando alguém trata de disfarçar e
suprimir conflitos, imaginando que são desnecessários, a situação fica
em geral mais difícil. Os combates disfarçados se travam ocultamente e
passam a ser desnecessariamente violentos. Esconder o conflito provoca
traições e punhaladas emocionais que seriam desnecessárias se houvesse
coragem, confiança mútua e bom senso suficientes para estabelecer uma
transparência na relação.
A
desarmonia disfarçada ou “suprimida” atua de modo mais perigoso no
plano subconsciente, enquanto que o conflito honesto, tornado
consciente, é colocado sobre a mesa e pode ser resolvido com mais
facilidade, porque está sujeito a um exame lúcido e equilibrado. O
conflito honesto preserva o respeito e permite a construção de uma paz
durável. A transparência é fonte de paz em todas as esferas da vida.
O Cuidado Como Função da Alma
Para
viver corretamente, não basta querer cuidar de si e cuidar dos outros. A
eficácia de um indivíduo diante destes dois desafios práticos depende
da sua capacidade de ouvir o inaudível. Ele deve ser capaz de escutar a voz sem palavras da sua própria alma imortal. Nela existe um reservatório ilimitado de energia, conhecimento e vocação de vitória.
A
voz do silêncio transcende respeitosamente as variadas marés de
pensamentos, sentimentos, ações e reações. Ela vê a unidade dinâmica da
vida sem negar ou lamentar a diversidade e o contraste, a alegria e a
dor. Ela ensina que a consciência interna do ser humano não nasce com o
nascimento do seu corpo físico, e não morre quando o corpo é abandonado
ao final de uma encarnação.
A
consciência profunda atua como uma Testemunha Sagrada. Ela possui a
substância da serenidade. Ela constitui a fonte de paz no interior de
cada um.
Quando
amplia a conexão com sua alma imortal, o indivíduo passa a enxergar a
vida como uma rede ilimitada de reciprocidades em ação: nossa Terra é
uma grande cooperativa de crescimento espiritual, e tudo o que ocorre nela leva à iluminação ou esclarecimento dos seus habitantes.
O
bom Carma escreve certo por linhas tortas. A vida converte cada limão
em limonada. Ao perceber que a transformação de ignorância em Sabedoria e
de sofrimento em Felicidade é a Lei inevitável da evolução, diminuímos a
taxa de desperdício da nossa energia vital. Então compreendemos as
implicações do fato de que trabalhar para o bem dos outros é o modo mais
eficaz de trabalhar para o nosso próprio bem. Qualquer indivíduo que
sofre pode fazer a experiência prática e verificar por si mesmo este
princípio básico da filosofia teosófica: é cuidando dos outros, com perseverança, que alguém cura do modo mais definitivo as suas próprias feridas.
Ao pensar continuamente em seu próprio sofrimento, o desinformado usa
mal a força do pensamento e torna a dor mais profunda sem necessidade.
A
teosofia aponta para uma cura natural, de dentro para fora, a partir do
contato individual e silencioso com a alma espiritual, a essência
sagrada do nosso ser. A consciência desta alma é universal e por isso é
abençoada. Ela ensina que os seres humanos devem cuidar de si próprios, e
que também devem cuidar uns dos outros, do planeta Terra, e do futuro
da humanidade como um todo.
Aquele
que percebe estas verdades simples compreende que o egoísmo é uma
ilusão. Os sonhos egocêntricos estão situados fora da realidade. O fato
de os desinformados serem numerosos não os torna sábios, nem lhes dá bom
senso ou eficácia. Ao contrário. Quando a ignorância materialista
parece dominar, a sabedoria e o realismo da lei da causa e efeito se
tornam ainda mais necessários.
São os poucos que fazem a diferença. É a filosofia do altruísmo auto-responsável, ensinada pela teosofia das diferentes religiões e tradições filosóficas, que nos permite estar em contato com a Realidade.
A
visão solidária da vida vem sendo ensinada a todos os povos e nações
pelos sábios de todos os tempos. A expansão dos horizontes liberta o
indivíduo do pesadelo doloroso criado pelas formas erradas de busca da
felicidade. A filosofia da solidariedade universal abre diante de cada
ser humano o antigo caminho, morro acima, estreito e difícil, mas
verdadeiro, que conduz à bênção interior e incondicional.
Carlos Cardoso Aveline
Fonte: www.FilosofiaEsoterica.com
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