O QUE É O SI-MESMO?
O QUE É VOCÊ?
O si-mesmo não é nada além de palavras e recordações.
Sendo assim, o si-mesmo é o passado.
Queremos descobrir a natureza mais
íntima do si-mesmo, pois toda a nossa atividade se baseia no si-mesmo: o
"eu" em primeiro lugar, você em segundo. Em todos os nossos
relacionamentos, em todas as nossas atividades do escritório, ou em
nossas atividades sociais, no nosso relacionamento com as outras
pessoas, a atividade que gira em torno de nós mesmos opera
permanentemente, mesmo quando estamos meditando, mesmo quando achamos
que somos religiosos. O que é então o si-mesmo? Infelizmente, a maioria
de vocês, por certo, já leu filosofia ou os livros sagrados — não os
chamarei de sagrados porque são apenas livros — ou alguém lhes contou, o
guru ou o líder religioso de vocês com certeza lhes disse que o
si-mesmo é algo extraordinário e que deve viver eternamente, do
princípio ao fim.
Estamos, pois, fazendo uma pergunta bem simples, mas, na realidade,
bastante complexa. A forma de abordar a questão é de extrema
importância: você pode abordá-la com medo, com conceitos já formados ou
aceitando a autoridade de outros e, nesse caso, a abordagem já de
partida é limitada e circunscrita; ou, então, você percebe que, para
pesquisar, é preciso liberdade; caso contrário, não se consegue
pesquisar. Se você tem preconceitos, se tem um ideal ou conceito ou
vontade, isso irá condicionar sua pesquisa. Então você, se me permite a
pergunta, pode ter liberdade suficiente para entrar no assunto com
bastante cuidado, de forma lógica, sadia e livre, para descobrir a
natureza e a essência mais íntima do si-mesmo?... Embora sua forma ou
nome possa ser diferente, será o indivíduo, a identidade do ser humano,
que sente ou pensa que é separado, verdadeiramente separado? Suas
idiossincrasias, seu caráter, excentricidades, tendências, qualidades —
são o resultado da cultura na qual ele nasceu, ou terá ele desenvolvido o
caráter como uma resistência à cultura? Isso é muito importante.
Sendo assim, em primeiro lugar, o que é você? A sua atividade, de manhã à
noite, é baseada no si-mesmo, na atividade que gira em torno de si
mesmo. O que é esse núcleo a partir do qual você age, o núcleo a partir
do qual você medita, se é que medita — eu espero que não — o núcleo no
qual têm origem todas as ansiedades, medos, dores, pesares, sofrimentos e
afeições; o núcleo a partir do qual você busca a felicidade, a
iluminação, Deus, ou a verdade, ou seja lá o que for, o núcleo a partir
do qual você diz: "Vou fazer os votos para me tornar monge"; o núcleo a
partir do qual, no caso de se dedicar aos negócios, você tenta ficar
mais rico e poderoso? Eis o núcleo que queremos organizar: o si-mesmo. O
que é o si-mesmo e como terá surgido? Será possível você se conhecer
tal como você realmente é, e não como pensa
que é, como você espera ser? Será possível conhecer isso por inteiro,
em toda a sua essência; será possível ultrapassar a atividade
fragmentada do si-mesmo?
Será o si-mesmo, esse núcleo, um fruto do pensamento? Por favor, pensem e
investiguem, raciocinem como se pensassem nisso pela primeira vez;
então isso será original, então poderão investigar. Mas se você diz: "Eu
já sei o que é o si-mesmo, já cheguei a certas conclusões a respeito
dele", você se impede de examinar o assunto.
Então, o que é o si-mesmo? O que é você? Não quem é você, mas o que é
você? Há uma enorme diferença entre quem é você e o que é você. Quando
você se refere a quem você é, você investiga alguém, e isso o leva cada vez mais para longe do núcleo; mas, se você se refere a o que você é na verdade, "o que é", então você está lidando com a realidade.
A realidade é aquilo que realmente acontece. Então, o que é você? Você é
um nome, uma forma, o produto de uma sociedade, de uma cultura que vem
enfatizando ao longo dos tempos que você é separado, algo vagamente
identificável. Certo? Você tem o seu caráter, a sua tendência
particular, agressiva ou submissa. E tudo isso não é fruto da cultura,
que, por sua vez, é fruto do pensamento? É muito difícil aceitar um
exame bastante simples e lógico, porque, para muitos, seria preferível
imaginar o si-mesmo como algo verdadeiramente extraordinário.
Pretendemos mostrar que o si-mesmo não é nada além de palavras e recordações. Sendo assim, o si-mesmo é o passado.
E conhecer-se significa observar-se, observar o que você realmente é,
no seu relacionamento com os outros. Então as reações do si-mesmo
aparecem nos nossos relacionamentos, sejam eles íntimos ou não. Então
você começa a ver o que você é, suas reações, preconceitos, conceitos,
ideais, isto ou aquilo. E não seria tudo isso um efeito? Todos os
efeitos tem causa. E a causa não será, porventura, a sucessão de
recordações, de lembranças e, portanto, o núcleo que acabou sendo criado
pelo pensamento, núcleo este a que o pensamento se aferra?
Só o homem sincero vive realmente; sincero no sentido de saber que é
medroso, cheio de cobiça, ele se dá conta do seu próprio prazer peculiar
e, sem discutir, sem reprimir, põe fim a isso — com facilidade, com
graça, com beleza. Então você verá um começo totalmente diferente.
Porque haverá um modo verdadeiro de encarar o nada, e isso é morte, isso
é convidar a morte enquanto se vive. Esse convite é o fim de todos os
apegos.
Então, de tudo isso brota um estranho fator, o fator da inteligência suprema. Essa inteligência se baseia na compaixão e na clareza e, devido à inteligência, há enorme habilidade. Assim, se você é sincero, aja, faça, não persiga uma vaga teoria ou ideal, mas ponha fim a algo que lhe é muito caro — sua ambição, seja ela espiritual, física, ou ambição de negócios — dê um fim a isso. Então você verá, por você mesmo, o início de um novo florescer.
Então, de tudo isso brota um estranho fator, o fator da inteligência suprema. Essa inteligência se baseia na compaixão e na clareza e, devido à inteligência, há enorme habilidade. Assim, se você é sincero, aja, faça, não persiga uma vaga teoria ou ideal, mas ponha fim a algo que lhe é muito caro — sua ambição, seja ela espiritual, física, ou ambição de negócios — dê um fim a isso. Então você verá, por você mesmo, o início de um novo florescer.
Krishnamurti
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