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quinta-feira, 23 de junho de 2016

A ARTE DE ESCUTAR


"A arte de escutar é como uma luz 
que dissipa a escuridão da ignorância".
(Dalai Lama)


Parte I

Amigos, sabem, vamos de crença em crença, de experiência em experiência, esperando e procurando alguma compreensão permanente que nos confira iluminação, sabedoria; e assim esperamos também descobrir por nós próprios o que é a verdade. Portanto começamos a procurar a verdade, Deus, ou a vida. Ora para mim, esta própria busca da verdade é uma negação dela, porque essa vida eterna, essa verdade, só pode ser compreendida quando a mente e o coração estão libertos de todas as ideias, de todas as doutrinas, de todas as crenças, e quando compreendermos a verdadeira função da individualidade.

Eu afirmo que existe uma vida eterna que conheço e da qual falo, mas não se pode compreendê-la procurando-a. O que é então a nossa busca? É apenas uma fuga dos nossos sofrimentos, confusões, conflitos diários; uma fuga da nossa confusão do amor no qual há uma batalha constante de posse, de ciúme; uma fuga da luta constante pela existência. Portanto dizemos para nós próprios, “Se eu puder compreender o que é a verdade, se puder descobrir o que é Deus, então compreenderei e conquistarei a confusão, a luta, a dor, as inúmeras batalhas da escolha. Deixa-me, então, descobrir o que é, e compreendendo isso, compreenderei a vida quotidiana em que há tanto sofrimento.” Para mim a compreensão da verdade não reside na procura dela; reside na compreensão do significado correto de todas as coisas; o significado completo da verdade está no momentâneo, e não separado dele.

Portanto a nossa procura da verdade é apenas uma fuga. A nossa busca e interrogação, o nosso estudo de filosofias, a nossa imitação de sistemas éticos e a nossa contínua procura às apalpadelas daquela realidade que eu afirmo que existe, são apenas modos de fuga. Compreender essa realidade é compreender a causa dos nossos variados conflitos, lutas, sofrimentos; mas através do desejo de fugir desses conflitos, edificamos muitas maneiras sutis de evitar o conflito, e refugiamo-nos nelas. Assim, a verdade torna-se apenas um outro refúgio no qual a mente e o coração podem obter conforto

Ora a própria ideia de conforto é um impedimento; essa mesma concepção da qual retiramos consolo é apenas uma evasão do conflito da vida diária. Durante séculos temos construído avenidas de fuga, tais como a autoridade; pode ser a autoridade dos padrões sociais, ou a da opinião pública, ou a das doutrinas religiosas; pode ser um padrão externo, como o que as pessoas mais instruídas estão atualmente a abandonar, ou um padrão interno, como o que se cria ao abandonar o externo. Mas uma mente que tem consideração pela autoridade, isto é, uma mente que aceita sem questionar, uma mente que imita, não pode compreender a liberdade da vida. 

Portanto, embora tenhamos edificado através dos séculos passados esta autoridade que nos confere pacificação momentânea, consolo momentâneo, conforto transitório, essa autoridade tornou-se apenas  nossa fuga. Do mesmo modo a imitação – a imitação de padrões, a imitação de um sistema ou método de viver; para mim, isto é também um impedimento. E a nossa procura de certeza é somente um modo de fuga; queremos ter a certeza, as nossas mentes desejam manter-se fiéis às certezas, para que, a partir desse pano de fundo, possamos olhar para a vida, desse abrigo possamos seguir em frente.

A meu ver todos estes são obstáculos que impedem essa ação natural, espontânea, que por si só liberta a mente e o coração para que o homem possa viver harmoniosamente, para que o homem possa compreender a verdadeira função da individualidade.

Quando sofremos procuramos certezas, queremos voltar-nos para valores que nos deem conforto – e esse conforto é apenas memória. Então, novamente, entramos em contacto com a vida, e novamente experimentamos sofrimento. Portanto, pensamos que aprendemos sobre o sofrimento, que colhemos compreensão do sofrimento. Uma crença ou uma ideia ou uma teoria dão-nos satisfação momentânea quando sofremos, e a partir desta satisfação pensamos que compreendemos ou colhemos compreensão dessa experiência. Assim continuamos de sofrimento em sofrimento, aprendendo como ajustar-nos às situações externas. Isto é, não compreendemos o movimento real do sofrimento; apenas nos tornamos cada vez mais engenhosos e sutis nas nossas formas de proceder com o sofrimento. 

Esta é a superficialidade da civilização e cultura modernas: propõem-se muitas teorias, muitas explicações do nosso sofrimento, e nestas explicações e teorias nos refugiamos, indo de experiência em experiência, sofrendo, aprendendo, e esperando encontrar sabedoria através de tudo isto.





Jiddu Krishnamurti





 

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