A ARTE DE ESCUTAR
"A arte de escutar é como uma luz
que dissipa a escuridão da ignorância".
(Dalai Lama)
Parte I
Amigos, sabem, vamos de crença em crença, de experiência em
experiência, esperando e procurando alguma compreensão permanente que
nos confira iluminação, sabedoria; e assim esperamos também descobrir
por nós próprios o que é a verdade. Portanto começamos a procurar a
verdade, Deus, ou a vida. Ora para mim, esta própria busca da verdade é
uma negação dela, porque essa vida eterna, essa verdade, só pode ser
compreendida quando a mente e o coração estão libertos de todas as
ideias, de todas as doutrinas, de todas as crenças, e quando
compreendermos a verdadeira função da individualidade.
Eu afirmo que existe uma vida eterna que conheço e da qual falo, mas
não se pode compreendê-la procurando-a. O que é então a nossa busca? É
apenas uma fuga dos nossos sofrimentos, confusões, conflitos diários;
uma fuga da nossa confusão do amor no qual há uma batalha constante de
posse, de ciúme; uma fuga da luta constante pela existência. Portanto
dizemos para nós próprios, “Se eu puder compreender o que é a verdade,
se puder descobrir o que é Deus, então compreenderei e conquistarei a
confusão, a luta, a dor, as inúmeras batalhas da escolha. Deixa-me, então, descobrir o que é, e compreendendo isso, compreenderei a vida
quotidiana em que há tanto sofrimento.” Para mim a compreensão da
verdade não reside na procura dela; reside na compreensão do significado correto de todas as coisas; o significado completo da verdade está no
momentâneo, e não separado dele.
Portanto a nossa procura da verdade é apenas uma fuga. A nossa busca e
interrogação, o nosso estudo de filosofias, a nossa imitação de
sistemas éticos e a nossa contínua procura às apalpadelas daquela
realidade que eu afirmo que existe, são apenas modos de fuga.
Compreender essa realidade é compreender a causa dos nossos variados
conflitos, lutas, sofrimentos; mas através do desejo de fugir desses
conflitos, edificamos muitas maneiras sutis de evitar o conflito, e
refugiamo-nos nelas. Assim, a verdade torna-se apenas um outro refúgio
no qual a mente e o coração podem obter conforto
Ora a própria ideia de conforto é um impedimento; essa mesma
concepção da qual retiramos consolo é apenas uma evasão do conflito da
vida diária. Durante séculos temos construído avenidas de fuga, tais
como a autoridade; pode ser a autoridade dos padrões sociais, ou a da
opinião pública, ou a das doutrinas religiosas; pode ser um padrão
externo, como o que as pessoas mais instruídas estão atualmente a
abandonar, ou um padrão interno, como o que se cria ao abandonar o
externo. Mas uma mente que tem consideração pela autoridade, isto é, uma
mente que aceita sem questionar, uma mente que imita, não pode
compreender a liberdade da vida.
Portanto, embora tenhamos edificado
através dos séculos passados esta autoridade que nos confere pacificação
momentânea, consolo momentâneo, conforto transitório, essa autoridade
tornou-se apenas nossa fuga. Do mesmo modo a imitação – a imitação
de padrões, a imitação de um sistema ou método de viver; para mim, isto é
também um impedimento. E a nossa procura de certeza é somente um modo de
fuga; queremos ter a certeza, as nossas mentes desejam manter-se fiéis
às certezas, para que, a partir desse pano de fundo, possamos olhar para
a vida, desse abrigo possamos seguir em frente.
A meu ver todos estes são obstáculos que impedem essa ação
natural, espontânea, que por si só liberta a mente e o coração para que o
homem possa viver harmoniosamente, para que o homem possa compreender a
verdadeira função da individualidade.
Quando sofremos procuramos certezas, queremos voltar-nos para valores
que nos deem conforto – e esse conforto é apenas memória. Então,
novamente, entramos em contacto com a vida, e novamente experimentamos
sofrimento. Portanto, pensamos que aprendemos sobre o sofrimento, que colhemos
compreensão do sofrimento. Uma crença ou uma ideia ou uma teoria
dão-nos satisfação momentânea quando sofremos, e a partir desta
satisfação pensamos que compreendemos ou colhemos compreensão dessa
experiência. Assim continuamos de sofrimento em sofrimento, aprendendo
como ajustar-nos às situações externas. Isto é, não compreendemos o
movimento real do sofrimento; apenas nos tornamos cada vez mais
engenhosos e sutis nas nossas formas de proceder com o sofrimento.
Esta
é a superficialidade da civilização e cultura modernas: propõem-se
muitas teorias, muitas explicações do nosso sofrimento, e nestas
explicações e teorias nos refugiamos, indo de experiência em
experiência, sofrendo, aprendendo, e esperando encontrar sabedoria
através de tudo isto.
Jiddu Krishnamurti
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