O PROCESSO DA BUSCA
"....Mesmo que aprenda todas as verdades,
ele só as terá apreendido
intelectualmente.
Elas tem de ser aplicadas no ambiente,
têm de ser
profundamente sentidas no coração e, finalmente, tem de ser consideradas
como sendo
a Consciência de onde se originaram".
Quando um homem chega ao ponto em que toda a sua vida externa desfaz-se,
dissolve-se em tragédia ou calamidade, chega também ao ponto em que a
busca é tudo o que lhe resta. Mas ele pode não perceber essa verdade.
Ele pode perder sua oportunidade. Conscientemente ou não, ele diz a si
mesmo, em certo sentido: "Sozinho, por mim mesmo, não posso suportar
este destino adverso. Preciso procurar ajuda e conforto fora de mim."
Ele vai então a outro homem ou a uma instituição, mas, no final, tem de
ir a Deus.
Pode chegar uma hora em que o homem se canse de todos os círculos
sociais, da incessante e indigna competição profissional e do mundo dos
negócios e deseje afastar-se de tudo isso - uma hora em que ele comece a
ver através das futilidades, superficialidades e estupidez que lhes são
próprias.
A primeira manifestação desse senso de futilidade (na vida mais profunda
do coração) pode passar despercebida e ignorada. Mas voltará outras
vezes, cada vez com mais frequência, até que o estado insatisfatório de
uma vida totalmente materialista, a transitoriedade de uma felicidade
meramente terrena sejam reconhecidos e aceitos.
Com essa fase negativa, começa a vida interior do homem moderno. Não
mais está satisfeito em ser um graveto arrastado pelo rio das
circunstâncias.
É o caráter que herdou de vidas terrenas passadas que o torna suscetível
aos anseios espirituais e o atrai para ensinamentos místicos desse
tipo. Se mudanças nas circunstâncias ou no ambiente, novos contatos com
homens vivos ou com livros impressos parecem ser responsáveis, isto é
apenas porque tendências de "ação retardada" já existiam, mas precisavam
dessas mudanças externas para que pudessem manifestar-se. É uma tradição nos
círculos místicos que todos os que sentiram alguma vez a verdade, o
poder ou a beleza do ensinamento místico, mesmo que por breve momento,
não são capazes de evitar serem atraídos um dia para a sua consequência
prática, a Busca, por mais que o protelem.
Dê boas vindas à verdade em qualquer horizonte em que ela apareça,
procure-a nas quatro direções, sem deixar de ir a nenhuma. Em qualquer
lugar onde você encontrar a verdade, seja qual for o nome com que esteja
rotulada, aceite-a. Em seus esforços por uma vida melhor, deve
aceitar de boa vontade a ajuda que lhe vem de qualquer fonte correta.
Nenhum caminho único leva, por si só, à verdade total. Aprenda algumas
das verdades básicas que cada sistema contém sem se identificar com o
próprio sistema. Mantenha a mente aberta e livre para adquirir ideias e
práticas valiosas de outras culturas, e evite a atitude fechada,
sectária. Aceite, de todos os ensinamentos, tudo o que tenha valor para
você pessoalmente, em seu atual estado mental, e descarte o resto.
Esse é o caminho eclético, melhor que o caminho mais comum, que é entrar
numa prisão doutrinária única e permanecer nela. Hesite muito antes de
se comprometer a ingressar nesta ou naquela organização. Lembre-se de
que existem vários aspectos da verdade, e de que pode valer a pena
manter-se livre para aprender alguma coisa desses outros aspectos.
Recomendo sempre aqueles que se sentem fortes o bastante para isso, que
evitem entrar em alguma organização, que mantenham sua liberdade,
enquanto, ao mesmo tempo, estudem as doutrinas de quaisquer que sejam as
organizações que lhes interessem, de quaisquer que sejam as religiões
que lhes chamem a atenção. Essa liberdade torna-os capazes de avistar todos os lugares, de estudar de tudo, de questionar corajosamente,
de manter a amplitude de visão, a profundeza de pensamento. Só essa
independência pode alcançar o novo sem perder o valor do velho;
todos os outros caminhos são comprometidos, limitados, cativos.
Nenhum homem chega ao conhecimento da sua divindade por intermédio de
uma multidão de outros homens. Nenhuma entidade humana pode descobrir
sua própria relação com Deus por intermédio de algum método grupal.
O
caminho para a consciência espiritual é inteiramente individual,
essencialmente solitário, inescapavelmente interior. Ou seja: é místico. À medida que a religião é bem-sucedida em mostrar o caminho, deixa de
ser religião e transforma-se ou melhor, consuma-se a si mesma, no
misticismo.
Um homem e um Deus são toda a organização requerida. Mais é supérfluo. O
aspirante que preza seu caminho independente e pensamento individual
não pode adequar-se confortavelmente a um grupo em que todos devem ser
moldados da mesma forma. Ele deve aprender a pensar por si mesmo e a
praticar o discernimento por si mesmo se deseja encontrar seu caminho
para a verdade.
Para aqueles que realmente querem buscar a total conexão do Eu Maior,
não pode ver e fazer desta busca um hobby, ou algo que seja uma
distração, um passa tempo, mas sim deve ser a razão do seu viver. Se não
for encarada desta forma essa busca, a pessoa simplesmente continuará
vivendo no egocentrismo. Viver no egocentrismo é viver dentro de um
círculo de condicionamentos ilusórios. Sair destes condicionamentos, a
principio, é muito difícil, principalmente porque não conhecemos a
natureza do ego, não conhecemos a natureza primordial da mente e da
consciência.
O trabalho começa quando sentimos um impulso, uma intuição, uma vontade
que nos faz movimentar em várias direções, uma busca de algo que nem
sabemos ao certo o que é, mas que somente será verdadeira, real e
progressiva quando a pessoa deixar de olhar aqui e ali, de correr de um
lado para o outro e começar com muita seriedade a trabalhar em si próprio.
Não basta querer fugir do sofrimento, embora ao compreender a natureza
primordial do ego e da mente, evitamos muitos sofrimentos, porém isso
não basta é preciso nos tornarmos consciente do propósito misterioso da
existência humana.
O primeiro passo é dado quando começamos a deixar de
nos importar com os condicionamentos, quando começamos a desapegar, e a
nos entregar à satisfação de necessidades superiores e internas.
Uma das
mudanças externas que acontece quando a busca é verdadeira, é que
começamos a encontrar tempo e energia para os estudos, para as práticas,
nos esforçamos para organizar nossas rotinas de modo que encontremos
tempo para nos dedicar. Não devemos começar nossa caminhada e no meio
do caminho parar. A busca deve ser encarada como um compromisso de
vida, nossos passos devem ser em função dela. Não é uma leitura aqui
outra ali daqui uns dias, ou daqui uma semana ou algo parecido... Se
está a caminhar desta forma, estará se enganando, perdendo tempo, e
vivendo sobre o controle do ego. A busca não é para os fracos, mas para
os corajosos e persistentes, que caminham com fé, que atendem o chamado
de sua alma que mora em seu interior. "Muitos são chamados, mas poucos
são escolhidos."
Entrar nessa busca não é uma questão agradável e nem fácil. O Aspirante
tem de começar com a convicção de que é uma pessoa imperfeita e de que,
antes de poder entrar em esferas espirituais, deve primeiro preparar-se
para essa entrada trabalhando arduamente para separar-se dessas
imperfeições. Antes de começar a Busca, se ele gostava muito de si mesmo
- agora descobre que já não gosta. Antes de começar a Busca, tinha
diferentes inimigos aqui e ali. - agora tem um só inimigo, é ele
mesmo. Até então apoiava o ego identificando-se com ele, de agora em
diante deve compreender o ego e tentar afirmar o eu mais elevado.
Estamos tão enraizados no ego que nos acostumamos com seus hábitos
mentais, porém podemos corrigir isso através de um esforço árduo, mudando
nosso hábitos e nos auto disciplinando, isso é chamado de Busca.
Alguns tem a ilusão de que o caminho é muito trilhado. Não é. Muitos são
os chamados, mas poucos são os escolhidos. O viajante deve andar
resignadamente em solidão parcial. A luta pela verdade certa e pela alma
divina são levadas avante ... Cada um deve aprender que há somente um
único caminho para si, e esse caminho depende de sua história passada e
de características presentes que constituem sua individualidade.
No seu
recolhimento interno o ser aprende a ouvir seu eu mais elevado que irá
dirigi-lo, para que a ajuda venha ao seu encontro, mas para isso ele
terá que estar pronto. Essa ajuda pode vir através de um livro, uma
pessoa, um lugar, etc. (sempre vem; "... quem tiver ouvidos para ouvir que ouça; quem tiver olhos para ver, que veja...")
Você não pode compreender o mundo melhor do que compreende a si mesmo. A
Lâmpada que pode iluminar-lhe o mundo tem de ser acesa dentro de você.
Deve-se primeiro purificar o coração do egoísmo e seus instintos físicos
e animalescos, e então uma atmosfera favorável estará disponível para
que a verdade se lhe torne conhecida. Embora a verdade absoluta esteja
presente, somente a conheceremos quando nascer, dentro de cada um, a
consciência de que o Espírito é o seu próprio e verdadeiro eu.
O Aspirante deve ser o observador, deve entender os altos e baixos da
natureza humana, dos motivos humanos e do egoísmo humano. Ele deve
proceder assim porque isso irá ajudá-lo a conhecer os outros e a si
mesmo, a fim de servi-los melhor e de proteger a sua Busca. Aquele que
se inicia nessa Busca terá muito a fazer, pois terá de vencer sua
fraqueza de seu caráter, terá de pensar imparcialmente, de meditar com
regularidade e de aspirar incessantemente. Acima de tudo, terá de se
treinar na disciplina da rendição do ego.
... Desde o primeiro momento em que puser os pés nesse caminho interior,
até o último, quando o tiver terminado, será periodicamente assediado
por testes que irão provar o material de que ele é feito. Essas provas
lhes são enviadas para verificar sua coragem, para mostrar o quanto ele
realmente vale, e para revelar a sua força e fraquezas verdadeiras, e
não as que ele acredita ter. As dificuldades que encontra provam a
qualidade de sua realização, e revelam se a sua força interior pode
resistir à elas, ou as sucumbirá; os sofrimentos que experimentam podem
gravar lições no seu coração, e as provações pelas quais passa podem
purificá-los. A vida é, ao mesmo tempo, instrutor e juiz.
Quem deseja triunfar deve aprender a suporta.
...Pode tropeçar e cair, mas ainda é capaz de voltar a levantar-se, pode cometer erros, mas é ainda capaz de corrigi-los.
...Quando for acometido por dúvidas , como acontece com a maioria, ele
deve agarra-se firmemente à esperança e renovar sua prática até que este
estado de animo desapareça. É uma arte difícil, de guardar fidelidade
ao seu centro sereno, mesmo que por uns minutos. Essa arte só pode ser
aprendida pela prática. Todas as vezes que ele dela se desvia e entra na
agitação, no egoísmo ou na ansiedade, e se dá conta do fato, deve
voltar imediatamente. É uma arte que tem de ser aprendida através de
esforço constante e depois de frequentes fracassos, essa de manter-se
ligado aos fatos espirituais da existência. Ele deve continuara a busca
com determinação ininterrupta mesmo.
....Mesmo que aprenda todas as verdades, ele só as terá apreendido
intelectualmente. Elas tem de ser aplicadas no ambiente, têm de ser
profundamente sentidas no coração e, finalmente, tem de ser consideradas
como sendo a Consciência de onde se originaram.
....Faça disso um hábito, até que se torne uma tendência, ser bondoso,
gentil, magnânimo e compassivo. O que você pode perder? Alguma coisa de
vez em quando, um pouco de dinheiro, aqui e ali, uma hora ocasional, ou
uma discussão?! Mas veja o que você pode ganhar! Mais desapego do ego
pessoal, mais direito à graça do Eu Superior, mais encanto no mundo
interior e mais amigos no mundo exterior.
...A aspiração, apenas, não é suficiente. Ela deve ser secundada pela
disciplina, pelo treinamento e pelo esforço. A disciplina do eu, a
observância da conduta ética, a prática de meditação mística, tudo isso é
necessário quando se busca a experiência mais elevada que leva ao
insight.
Paul Brunton
em "Práticas para a Busca Espiritual , Relax e Solitude."
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