A ARTE DE ESCUTAR
Parte II
Assevero que a sabedoria não é para ser comprada. A sabedoria não
reside no processo de acumulação; não é o resultado de inumeráveis
experiências; não se adquire através da aprendizagem. A sabedoria, a
própria vida, só pode ser compreendida quando a mente estiver liberta do
sentido de procura, desta procura de conforto, desta imitação, porque
estas são apenas as maneiras de fuga que temos cultivado ao longo dos
séculos.
Se examinarem a nossa estrutura de pensamento, de emoção, de
toda a nossa civilização, verão que é apenas um processo de fuga, um
processo de conformidade. Quando sofremos, a nossa reação imediata é o
desejo de alívio, de consolo, e aceitamos as teorias oferecidas sem
descobrir a causa do nosso sofrimento; isto é, estamos momentaneamente
satisfeitos, vivemos superficialmente, e portanto não descobrimos
profundamente por nós próprios qual é a causa do nosso sofrimento.
Deixem-me pôr isto de outra forma: embora tenhamos experiências,
estas experiências não nos mantêm despertos, mas antes nos adormecem,
porque as nossas mentes e corações foram treinados durante gerações a
imitar apenas, a conformar-se. Afinal, quando há qualquer tipo de
sofrimento, não devemos contar com esse sofrimento para nos ensinar, mas
antes para nos manter totalmente despertos, para que possamos enfrentar
a vida com consciência completa – não nesse estado de semiconsciência
em que quase todos os seres humanos enfrentam a vida.
Esclarecerei isto novamente, para que possa tornar mais claro;
porque se compreenderem isto, naturalmente compreenderão o que vou
dizer: Eu afirmo que a vida não é um processo de aprendizagem, de
acumulação. A vida não é uma escola na qual aprovam os exames sobre o
que aprenderam, o que aprenderam das experiências, das acções, do
sofrimento. A vida destina-se a ser vivida, não para que se instruam com
ela. Se considerarem a vida como algo a partir do qual têm que aprender,
apenas agem superficialmente. Isto é, se a acção, se a vida diária, é
apenas um meio para uma recompensa, para uma finalidade, então a acção
em si não tem qualquer valor.
Ora quando têm experiências, dizem que têm
que aprender com elas, compreendê-las. Por isso a experiência em si não
tem para vocês qualquer valor porque estão à procura de uma obtenção
através do sofrimento, através da ação, através da experiência. Mas
para compreender completamente a ação, que para mim é o êxtase da vida,
o êxtase que é imortalidade, a mente tem que se libertar da ideia de
aquisição, da ideia de aprender através da experiência, através da ação.
Ambos, mente e coração, estão aprisionados por esta ideia de
aquisição, esta ideia de que a vida é um meio para algo mais. Mas quando
virem a falsidade desta concepção, já não tratarão o sofrimento como um
meio para um fim. Então já não se confortarão com ideias, com crenças;
já não se refugiarão em padrões de pensamento ou sentimento; começam
então a estar totalmente despertos, não com o objetivo de ver o que
podem obter com isso, mas para inteligentemente libertar a ação da
imitação e da busca de uma recompensa. Isto é, veem o significado da ação, e não apenas qual o lucro que lhes trará.
A maioria das
mentes estão aprisionadas na ideia de aquisição, da procura de uma
recompensa. O sofrimento vem para despertá-los para esta ilusão, para despertá-los do vosso estado de semiconsciência, mas não para lhes dar
uma lição. Quando a mente e o coração agem com um sentido de dualidade,
criando assim os opostos, tem que haver conflito e sofrimento. O que
acontece quando sofrem? Imediatamente procuram alívio, seja na bebida ou
na diversão ou na ideia de Deus.
Para mim, tudo isto é o mesmo, porque
são apenas meras avenidas de evasão que a mente sutil idealizou,
fazendo do sofrimento uma coisa superficial. Por isso eu digo, tornem-se
completamente conscientes das vossas ações, sejam elas quais forem;
perceberão então como a vossa mente está continuamente a encontrar uma
fuga; verão que não estão a confrontar as experiências completamente,
com todo o vosso ser, mas apenas parcialmente, semiconsciente.
Construímos muitos obstáculos que se tornaram refúgios nos quais nos
abrigamos no momento da dor. Estes refúgios são apenas evasões e por
isso sem qualquer valor inerente em si próprios. Mas para descobrir
estes refúgios, que nos dominam e nos aprisionam, não devemos tentar
analisar as ações que brotam deles. Para mim, a análise é a própria
negação da ação completa. Não se pode compreender um obstáculo pela sua
análise. Não há compreensão na análise de uma experiência passada,
porque ela está morta; só há compreensão na ação viva do presente. Por
isso a autoanálise é destrutiva.
Mas descobrir as inumeráveis barreiras
que os rodeiam é tornarem-se totalmente conscientes, é darem-se conta
de qualquer ação que está a acontecer à vossa volta, ou do que quer que
estejam a fazer. Então todos os impedimentos passados, tais como a
tradição, a imitação, o medo, as reações defensivas, o desejo de
segurança, de certezas – tudo isto entra em atividade; e só naquilo que
é ativo há compreensão. Nesta chama da consciência, a mente e o
coração libertam-se de todos os obstáculos, de todos os falsos valores;
então há libertação na ação, e essa libertação é a liberdade da vida
que é imortalidade.
Jiddu Krishnamurti
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