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quinta-feira, 23 de junho de 2016

A ARTE DE ESCUTAR
Parte II

Assevero que a sabedoria não é para ser comprada. A sabedoria não reside no processo de acumulação; não é o resultado de inumeráveis experiências; não se adquire através da aprendizagem. A sabedoria, a própria vida, só pode ser compreendida quando a mente estiver liberta do sentido de procura, desta procura de conforto, desta imitação, porque estas são apenas as maneiras de fuga que temos cultivado ao longo dos séculos. 

Se examinarem a nossa estrutura de pensamento, de emoção, de toda a nossa civilização, verão que é apenas um processo de fuga, um processo de conformidade. Quando sofremos, a nossa reação imediata é o desejo de alívio, de consolo, e aceitamos as teorias oferecidas sem descobrir a causa do nosso sofrimento; isto é, estamos momentaneamente satisfeitos, vivemos superficialmente, e portanto não descobrimos profundamente por nós próprios qual é a causa do nosso sofrimento.

Deixem-me pôr isto de outra forma: embora tenhamos experiências, estas experiências não nos mantêm despertos, mas antes nos adormecem, porque as nossas mentes e corações foram treinados durante gerações a imitar apenas, a conformar-se. Afinal, quando há qualquer tipo de sofrimento, não devemos contar com esse sofrimento para nos ensinar, mas antes para nos manter totalmente despertos, para que possamos enfrentar a vida com consciência completa – não nesse estado de semiconsciência em que quase todos os seres humanos enfrentam a vida.

Esclarecerei isto novamente, para que  possa tornar mais claro; porque se compreenderem isto, naturalmente compreenderão o que vou dizer: Eu afirmo que a vida não é um processo de aprendizagem, de acumulação. A vida não é uma escola na qual aprovam os exames sobre o que aprenderam, o que aprenderam das experiências, das acções, do sofrimento. A vida destina-se a ser vivida, não para que se instruam com ela. Se considerarem a vida como algo a partir do qual têm que aprender, apenas agem superficialmente. Isto é, se a acção, se a vida diária, é apenas um meio para uma recompensa, para uma finalidade, então a acção em si não tem qualquer valor. 

Ora quando têm experiências, dizem que têm que aprender com elas, compreendê-las. Por isso a experiência em si não tem para vocês qualquer valor porque estão à procura de uma obtenção através do sofrimento, através da ação, através da experiência. Mas para compreender completamente a ação, que para mim é o êxtase da vida, o êxtase que é imortalidade, a mente tem que se libertar da ideia de aquisição, da ideia de aprender através da experiência, através da ação. 

Ambos, mente e coração, estão aprisionados por esta ideia de aquisição, esta ideia de que a vida é um meio para algo mais. Mas quando virem a falsidade desta concepção, já não tratarão o sofrimento como um meio para um fim. Então já não se confortarão com ideias, com crenças; já não se refugiarão em padrões de pensamento ou sentimento; começam então a estar totalmente despertos, não com o objetivo de ver o que podem obter com isso, mas para inteligentemente libertar a ação da imitação e da busca de uma recompensa. Isto é, veem o significado da ação, e não apenas qual o lucro que lhes trará. 

A maioria das mentes estão aprisionadas na ideia de aquisição, da procura de uma recompensa. O sofrimento vem para despertá-los para esta ilusão, para despertá-los do vosso estado de semiconsciência, mas não para lhes dar uma lição. Quando a mente e o coração agem com um sentido de dualidade, criando assim os opostos, tem que haver conflito e sofrimento. O que acontece quando sofrem? Imediatamente procuram alívio, seja na bebida ou na diversão ou na ideia de Deus. 

Para mim, tudo isto é o mesmo, porque são apenas meras avenidas de evasão que a mente sutil idealizou, fazendo do sofrimento uma coisa superficial. Por isso eu digo, tornem-se completamente conscientes das vossas ações, sejam elas quais forem; perceberão então como a vossa mente está continuamente a encontrar uma fuga; verão que não estão a confrontar as experiências completamente, com todo o vosso ser, mas apenas parcialmente, semiconsciente.

Construímos muitos obstáculos que se tornaram refúgios nos quais nos abrigamos no momento da dor. Estes refúgios são apenas evasões e por isso sem qualquer valor inerente em si próprios. Mas para descobrir estes refúgios, que nos dominam e nos aprisionam, não devemos tentar analisar as ações que brotam deles. Para mim, a análise é a própria negação da ação completa. Não se pode compreender um obstáculo pela sua análise. Não há compreensão na análise de uma experiência passada, porque ela está morta; só há compreensão na ação viva do presente. Por isso a autoanálise é destrutiva. 

Mas descobrir as inumeráveis barreiras que os rodeiam é tornarem-se totalmente conscientes, é darem-se conta de qualquer ação que está a acontecer à vossa volta, ou do que quer que estejam a fazer. Então todos os impedimentos passados, tais como a tradição, a imitação, o medo, as reações defensivas, o desejo de segurança, de certezas – tudo isto entra em atividade; e só naquilo que é ativo há compreensão. Nesta chama da consciência, a mente e o coração libertam-se de todos os obstáculos, de todos os falsos valores; então há libertação na ação, e essa libertação é a liberdade da vida que é imortalidade.



 Jiddu Krishnamurti

 

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