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quinta-feira, 16 de junho de 2016

EVOLUÇÃO E LUTA

Quando, no curso da evolução natural, o ser consciente chega a distinguir-se dos outros (isto é, quando vindo do reino animal ascende ao reino humano e se torna um centro separado, um indivíduo), seu livre arbítrio desperta e apresenta-se a possibilidade de discórdias com os outros. É o ponto de retorno de sua existência.
 
Seu karma, na qualidade de indivíduo, começa a produzir. Cada ser finito deve possuir uma certa liberdade no grande jogo do mundo. O Eu Superior (a Divindade no homem) deixa-nos livres na via do mal, em vez de obrigar-nos a seguir os trilhos da virtude. No primeiro caso, o sofrimento pode produzir o bem permanente e profundo, enquanto no segundo, não teríamos senão uma vida de robô, indigna de ser vivida, em que a bondade seria superficial e efêmera.
 
Um universo cheio de criaturas ativas, emotivas, livres, capazes de lutar e desenvolver-se, e não um universo de entidades autômatas ou subservientes, deve inevitavelmente tornar-se um vasto campo de luta e de competição.
 
No começo de sua evolução, o ego é incapaz de ver além de seus interesses egoísticos e imediatos. Procura cegamente sua felicidade à custa dos outros, introduzindo assim o sofrimento em suas vidas e também, posteriormente, em sua própria vida, em vista do karma.
 
Sua vida é rasgada pelo conflito entre o que é e o que sente que deveria ser. Tal tensão é conseqüência de sua natureza dupla: pessoal e finita de um lado, universal e infinita de outro.
 
A estada do ego no mundo acabará, no curso da evolução, por liberar todas as possibilidades que traz ocultas, em si mesmo. O que é externo o tornará capaz de descobrir o que é interior. E quando o ego chega ao conhecimento de si mesmo, reconhecendo sua unidade original com os outros, a luta tem fim.
 
Enquanto o sofrimento provier das más ações do homem, a evolução cósmica purificará e enobrecerá toda a humanidade através de renascimentos contínuos e da força kármica, embora isso dure milhões de anos.
 
O coração humano age corretamente obedecendo ao instinto que o impele à busca da felicidade. Mas esta não consiste apenas na satisfação exterior. As limitações e as insuficiências da satisfação exterior levam o homem a empreender sucessivamente a procura religiosa, a mística e depois a filosófica.
 
Se é verdade que o mal começa desde o momento em que o homem se dissocia do Eu Superior, o único meio de fazer o mal desaparecer é reconstituir a associação.
 
Em cada uma de suas encarnações, o homem corre atrás da riqueza, deseja o amor, tenta escalar os cumes da reputação, mas na verdade está apenas procurando sem conhecer o Real. Ao alcançar este, adquire uma riqueza que não poderá mais perder, alcança um amor que nunca se esvanecerá.
 
Em certos momentos do amor terrestre, particularmente no começo, este se liberta da carne e toca em algo muito mais alto. Durante alguns raros instantes é uma atividade do Espírito, a procura sagrada de dois seres pesquisando o Eu Superior um no outro, um abraço de Deus sob uma aparência inferior.
 
Mas esta noção do amor é tristemente limitada. O amor não pode parar aí. A própria vida o conduz além. Ele o consegue, primeiro, indo além do engano da carne lastimável e efêmera, e em seguida se transformando em coisa mais nobre e mais rara, que é a compaixão. É no abandono divino a esta qualidade maravilhosa e na sua extensão à humanidade inteira que o amor se realiza afinal.
 
O ego faz uma evolução que toma a forma de tríplice corrente: física, intelectual e espiritual.
 
Na primeira, dirige-se para o exterior e alcança os abismos da ignorância e do mal, perdendo-se durante certo tempo na ilusão da matéria. Os desejos multiplicam-se poderosamente na primeira corrente e perdem intensidade na terceira.
 
Na segunda, a intelectual, a evolução é mais lenta e carregada de lutas. O ego se faz curioso e interrogador. Não mais deseja somente conseguir a vida, mas compreendê-la. O ego atinge assim o ponto de sua longa evolução em que, recorrendo à inteligência, começa a olhar para trás, empreendendo a viagem que o conduzirá ao porto.
 
Na evolução espiritual, o ego se dirige para o interior e atinge finalmente a unidade procurada e volta em plena consciência ao Eu Superior.
 
Começamos a perceber, então, a inteligência infinita que faz de nosso universo o que é, isto é, um cosmo, um sistema organizado. Todo o mal, toda a luta, todo o egoísmo, toda a ignorância tem nascimento no decurso desse movimento do espírito para o exterior.
 
Podemos, pois, estar seguros de que o Espírito Universal impôs limites a esses dois pesadelos: o mal e o sofrimento. O mal é efêmero; acaba por vencer-se; não tem senão um caráter negativo. O mal é não agir em harmonia, não compreender a verdade. O mal é presente, mas não por toda a eternidade; não há dúvida de que ele acaba por transformar-se. Se a dor e o mal desempenham um papel considerável no nosso planeta, outros planetas há em que são desconhecidos.
 
Seres pertencentes a todos os graus de evolução aparecem simultaneamente sobre a terra; e os que se entregam ao mal, mas dele se libertam posteriormente, são substituídos por outros espíritos mais jovens na evolução que estão passando por uma fase que os mais antigos já abandonaram.
 
Entretanto, isso é verdadeiro apenas para um período limitado, porque soará a hora em que os tipos inferiores cessarão de aparecer neste planeta e onde a evolução dos outros se precipitará desde então. A partir desse momento, o mal começará a atenuar-se, e por fim se esvanecerá completamente.



Paul Brunton

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