EVOLUÇÃO E LUTA
Quando, no curso da evolução
natural, o ser consciente chega a distinguir-se dos outros (isto é,
quando vindo do reino animal ascende ao reino humano e se torna um
centro separado, um indivíduo), seu livre arbítrio desperta e
apresenta-se a possibilidade de discórdias com os outros. É o ponto
de retorno de sua existência.
Seu karma, na qualidade de
indivíduo, começa a produzir. Cada ser finito deve possuir uma
certa liberdade no grande jogo do mundo. O Eu Superior (a Divindade
no homem) deixa-nos livres na via do mal, em vez de obrigar-nos a
seguir os trilhos da virtude. No primeiro caso, o sofrimento pode
produzir o bem permanente e profundo, enquanto no segundo, não
teríamos senão uma vida de robô, indigna de ser vivida, em que a
bondade seria superficial e efêmera.
Um universo cheio de criaturas
ativas, emotivas, livres, capazes de lutar e desenvolver-se, e não
um universo de entidades autômatas ou subservientes, deve
inevitavelmente tornar-se um vasto campo de luta e de competição.
No começo de sua evolução,
o ego é incapaz de ver além de seus interesses egoísticos e
imediatos. Procura cegamente sua felicidade à custa dos outros,
introduzindo assim o sofrimento em suas vidas e também,
posteriormente, em sua própria vida, em vista do karma.
Sua vida é rasgada pelo
conflito entre o que é e o que sente que deveria ser. Tal tensão é
conseqüência de sua natureza dupla: pessoal e finita de um lado,
universal e infinita de outro.
A estada do ego no mundo
acabará, no curso da evolução, por liberar todas as possibilidades
que traz ocultas, em si mesmo. O que é externo o tornará capaz de
descobrir o que é interior. E quando o ego chega ao conhecimento de
si mesmo, reconhecendo sua unidade original com os outros, a luta tem
fim.
Enquanto o sofrimento provier
das más ações do homem, a evolução cósmica purificará e
enobrecerá toda a humanidade através de renascimentos contínuos e
da força kármica, embora isso dure milhões de anos.
O coração humano age
corretamente obedecendo ao instinto que o impele à busca da
felicidade. Mas esta não consiste apenas na satisfação exterior.
As limitações e as insuficiências da satisfação exterior levam o
homem a empreender sucessivamente a procura religiosa, a mística e
depois a filosófica.
Se é verdade que o mal começa
desde o momento em que o homem se dissocia do Eu Superior, o único
meio de fazer o mal desaparecer é reconstituir a associação.
Em cada uma de suas
encarnações, o homem corre atrás da riqueza, deseja o amor, tenta
escalar os cumes da reputação, mas na verdade está apenas
procurando sem conhecer o Real. Ao alcançar este, adquire uma
riqueza que não poderá mais perder, alcança um amor que nunca se
esvanecerá.
Em certos momentos do amor
terrestre, particularmente no começo, este se liberta da carne e
toca em algo muito mais alto. Durante alguns raros instantes é uma
atividade do Espírito, a procura sagrada de dois seres pesquisando o
Eu Superior um no outro, um abraço de Deus sob uma aparência
inferior.
Mas esta noção do amor é
tristemente limitada. O amor não pode parar aí. A própria vida o
conduz além. Ele o consegue, primeiro, indo além do engano da carne
lastimável e efêmera, e em seguida se transformando em coisa mais
nobre e mais rara, que é a compaixão. É no abandono divino a esta
qualidade maravilhosa e na sua extensão à humanidade inteira que o
amor se realiza afinal.
O ego faz uma evolução que
toma a forma de tríplice corrente: física, intelectual e
espiritual.
Na primeira, dirige-se para o
exterior e alcança os abismos da ignorância e do mal, perdendo-se
durante certo tempo na ilusão da matéria. Os desejos multiplicam-se
poderosamente na primeira corrente e perdem intensidade na terceira.
Na segunda, a intelectual, a
evolução é mais lenta e carregada de lutas. O ego se faz curioso e
interrogador. Não mais deseja somente conseguir a vida, mas
compreendê-la. O ego atinge assim o ponto de sua longa evolução em
que, recorrendo à inteligência, começa a olhar para trás,
empreendendo a viagem que o conduzirá ao porto.
Na evolução espiritual, o
ego se dirige para o interior e atinge finalmente a unidade procurada
e volta em plena consciência ao Eu Superior.
Começamos a perceber, então,
a inteligência infinita que faz de nosso universo o que é, isto é,
um cosmo, um sistema organizado. Todo o mal, toda a luta, todo o
egoísmo, toda a ignorância tem nascimento no decurso desse
movimento do espírito para o exterior.
Podemos, pois, estar seguros
de que o Espírito Universal impôs limites a esses dois pesadelos: o
mal e o sofrimento. O mal é efêmero; acaba por vencer-se; não tem
senão um caráter negativo. O mal é não agir em harmonia, não
compreender a verdade. O mal é presente, mas não por toda a
eternidade; não há dúvida de que ele acaba por transformar-se. Se
a dor e o mal desempenham um papel considerável no nosso planeta,
outros planetas há em que são desconhecidos.
Seres pertencentes a todos os
graus de evolução aparecem simultaneamente sobre a terra; e os que
se entregam ao mal, mas dele se libertam posteriormente, são
substituídos por outros espíritos mais jovens na evolução que
estão passando por uma fase que os mais antigos já abandonaram.
Entretanto, isso é verdadeiro
apenas para um período limitado, porque soará a hora em que os
tipos inferiores cessarão de aparecer neste planeta e onde a
evolução dos outros se precipitará desde então. A partir desse
momento, o mal começará a atenuar-se, e por fim se esvanecerá
completamente.
Paul Brunton
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