LIBERTE-SE DO PASSADO
"Só há um tempo em que é fundamental despertar. Esse tempo é agora".
(Buda)
Parte IV
O homem que diz: "Desejo mudar, dizei-me como consegui-lo" - parece
muito atento, muito sério, mas não o é. Deseja uma autoridade que ele
espera estabelecerá a ordem nele próprio. Mas, pode algum dia a
autoridade promover a ordem interior? A ordem imposta de fora gera
sempre, necessariamente, a desordem. Podeis perceber essa verdade
intelectualmente, mas sereis capaz de aplicá-la de maneira que vossa
mente não mais projete qualquer autoridade - a autoridade de um livro,
de um instrutor, da esposa ou do marido, dos pais, de um amigo, ou da
sociedade? Como sempre funcionamos segundo o padrão de uma fórmula, essa
fórmula torna-se em ideologia e autoridade; mas, assim que perceberdes
realmente que- a pergunta "como mudar?" cria uma nova autoridade, tereis
acabado com a autoridade para sempre.
Repitamo-lo claramente: Vejo que tenho de mudar completamente, desde
as raízes de meu ser; não posso mais depender de nenhuma tradição,
porque foi a tradição que criou essa colossal indolência, aceitação e
obediência; não posso contar com outrem para me ajudar a mudar, com
nenhum instrutor, nenhum deus, nenhuma crença, nenhum sistema, nenhuma
pressão ou influência externa. Que sucede então?
Em primeiro lugar, podeis rejeitar toda autoridade? Se podeis, isso
significa que já não tendes medo. E então que acontece? Quando rejeitais
algo falso que trazeis convosco há gerações, quando largais uma carga
de qualquer espécie, que acontece? Aumentais vossa energia, não? Ficais
com mais capacidade, mais ímpeto, maior intensidade e vitalidade. Se não
sentis isso, nesse caso não largastes a carga, não vos livrastes do
peso morto da autoridade.
Mas, uma vez vos tenhais livrado dessa carga e tenhais aquela energia
em que não há medo de espécie alguma - medo de errar, de agir
incorretamente - essa própria energia não é então mutação? Necessitamos
de grande abundância de energia, e a dissipamos com o medo; mas, quando
existe a energia que vem depois de nos livrarmos de todas as formas do
medo, essa própria energia produz a revolução interior, radical. Nada
tendes que fazer nesse sentido.
Ficais então a sós com vós mesmo, e esse é o estado real que convém
ao homem que considera a sério estas coisas. E como já não contais com a
ajuda de nenhuma pessoa ou coisa, estais livre para fazer descobertas.
Quando há liberdade, há energia; quando há liberdade, ela não pode fazer
nada errado. A liberdade difere inteiramente da revolta. Não há agir
correta ou incorretamente, quando há liberdade. Sois livre e, desse
centro, agis. Por conseguinte, não há medo, e a mente sem medo é capaz
de infinito amor. E o amor pode fazer o que quer.
O que agora vamos fazer, por conseguinte, é aprender a conhecer-nos,
não de acordo comigo ou de acordo com um certo analista ou filósofo;
porque, se o fazemos de acordo com outras pessoas, aprendemos a conhecer
essas pessoas e não a nós mesmos. Vamos aprender o que somos realmente.
Tendo percebido que não podemos depender de nenhuma autoridade
exterior para promover a revolução total na estrutura de nossa própria
psique, apresenta-se a dificuldade infinitamente maior de rejeitarmos
nossa própria autoridade interior, a autoridade de nossas próprias e
insignificantes experiências e opiniões acumuladas, conhecimentos, ideias e ideais. Digamos que tivestes ontem uma experiência que vos
ensinou algo, e isso que ela ensinou se torna uma nova autoridade, e
vossa autoridade de ontem é tão destrutiva quanto a autoridade de um
milhar de anos. A compreensão de nós mesmos não requer nenhuma
autoridade, nem a do dia anterior nem a de há mil anos, porque somos
entidades vivas, sempre em movimento, sempre a fluir e jamais se
detendo. Se olhamos a nós mesmos com a autoridade morta de ontem, nunca
compreenderemos o movimento vivo, a beleza e a natureza desse movimento.
Livrar-se de toda autoridade, seja própria, seja de outrem, é morrer
para todas as coisas de ontem - para que a mente seja sempre fresca,
sempre juvenil, inocente, cheia de vigor e de paixão. Só nesse estado é
que se aprende e observa. Para tanto, requer-se grande capacidade de
percebimento, de real percebimento do que se está passando no interior
de vós mesmo, sem corrigirdes o que vedes, nem dizerdes o que deveria ou
não deveria ser. Porque, tão logo corrigis, estais estabelecendo outra
autoridade, um censor.
Vamos, pois, investigar juntos a nós mesmos; ninguém ficará
explicando enquanto ides lendo, concordando ou discordando do explicador
ao mesmo tempo que ides seguindo as palavras do texto, porém vamos
fazer juntos uma viagem, uma viagem de exploração dos mais secretos
recessos de nossa mente. Para empreender essa viagem, precisamos estar
livres; não podemos transportar uma carga de opiniões, preconceitos e
conclusões - todos os trastes imprestáveis que juntamos no decurso dos
últimos dois mil anos ou mais. Esquecei-vos de tudo o que sabeis a
respeito de vós mesmo. Esquecei-vos de tudo o que pensastes a vosso
respeito; vamos iniciar a marcha como se nada soubéssemos.
A noite passada choveu torrencialmente e agora o céu está começando a
limpar-se; é um dia novo, fresco. Encontremo-nos com este dia novo como
se fosse nosso único dia. Iniciemos juntos a jornada, deixando para
trás todas as lembranças de ontem, e comecemos a compreender-nos pela
primeira vez.
J.Krishnamurti
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