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sexta-feira, 24 de junho de 2016

A ARTE DE ESCUTAR

Parte III

Pergunta: É somente a partir da dor e do sofrimento que se desperta para a realidade da vida?

Krishnamurti: O sofrimento é a coisa com que estamos mais familiarizados, com o que estamos constantemente a viver. Conhecemos o amor e a sua alegria, mas na sua sequela seguem-se muitos conflitos. Seja o que for que nos dê o choque maior a que chamamos sofrimento, manter-nos-á despertos para enfrentar a vida completamente, ajudar-nos-á a descartar as muitas ilusões que criamos em nosso redor. 

Não é só o sofrimento ou o conflito que nos mantêm despertos, mas qualquer coisa que nos dê um choque, que nos faça questionar todos os falsos padrões e valores que criamos à nossa volta na nossa procura de segurança. 

Quando sofrem enormemente, tornam-se integralmente conscientes, e nessa intensidade de consciência descobrem os verdadeiros valores. Isto liberta a mente de criar mais ilusões.

Pergunta: Porque é que tenho medo da morte? E o que está para além da morte?

Krishnamurti: Penso que uma pessoa tem medo da morte porque sente que não viveu. Se for um artista, pode ter medo que a morte o leve antes de ter finalizado o seu trabalho; tem medo porque não se realizou. Ou se for um homem de vida comum, sem capacidades especiais, tem medo porque também não se realizou. Você diz, “Se me cortarem a minha realização, o que resta? Como eu não compreendo esta confusão, esta labuta, esta escolha e conflito incessantes, existirá uma oportunidade ulterior para mim?” Tem medo da morte quando não se realiza na acção; isto é, tem medo da morte quando não enfrenta a vida integralmente, completamente, com plenitude da mente e com sentimentos verdadeiros. Por isso, a questão não é porque tem medo da morte, mas antes, o que o impede de enfrentar a vida na íntegra. Tudo tem que morrer, tem que se gastar. Mas se tiver a compreensão que lhe permita enfrentar a vida integralmente, então nisso haverá vida eterna, imortalidade, nem princípio nem fim, e não há medo da morte. Novamente, a questão não é como libertar a mente do medo da morte, mas como enfrentar a vida integralmente, como enfrentar a vida para que haja realização.

Para enfrentar a vida na íntegra deve-se estar livre de todos os valores defensivos. Mas as nossas mentes e os nossos corações estão sufocados com tais valores, que tornam a nossa acção incompleta, e por isso existe o medo da morte. Para encontrar o valor verdadeiro, para se libertarem deste contínuo medo da morte, e do problema da vida após a morte, têm que conhecer a verdadeira função do indivíduo, tanto no criativo como no colectivo.

Agora quanto à segunda pergunta: O que está para além da morte? Existe uma vida após a morte? Sabem porque é que uma pessoa geralmente faz tais perguntas, porque quer saber o que está no outro lado? Ela pergunta porque não sabe como viver o presente; está mais morta que viva. Ela diz, “Deixa-me descobrir o que vem depois da morte”, porque não tem a capacidade de compreender este eterno presente. Para mim, o presente é eternidade; a eternidade reside no presente, não no futuro. Para para quem assim se interroga a vida tem sido toda uma série de experiências sem realização, sem compreensão, sem sabedoria. Por isso para ele a vida após a morte é mais atraente que o presente, e por isso as inumeráveis perguntas sobre o que está para além. O homem que se interroga sobre a vida após a morte já está morto. Se viverem no eterno presente, a vida após a morte não existe; então a vida não é dividida em passado, presente e futuro. Então há apenas plenitude, e aí há o êxtase da vida.

Pergunta: Acha que a comunicação com os espíritos dos mortos é uma ajuda para a compreensão da vida na sua totalidade?

Krishnamurti: Porque deveria pensar que os mortos são mais prestáveis que os vivos? Porque os mortos não o podem contradizer, não se lhe podem opor, ao passo que os vivos podem. Na comunicação com os mortos você pode ser fantasista; por isso conta mais com os mortos que com os vivos para o ajudarem. Para mim, a questão não é se há vida para além daquilo a que chamamos morte; para mim, tudo isso é irrelevante. Algumas pessoas dizem que se pode comunicar com os espíritos dos mortos; outras, que não se pode. Para mim, a discussão parece de muito pouco valor; porque para compreender a vida com as suas velozes deambulações, com a sua sabedoria, não pode contar com outros para que o libertem das ilusões que você criou. Nem os mortos nem os vivos o podem libertar das suas ilusões. Só no interesse desperto pela vida, na constante vigilância da mente e do coração, existe o viver harmonioso, existe a realização, a riqueza da vida.

Pergunta: Fiquei com a impressão de que tem um certo desdém pela aquisição de conhecimento. Quer dizer com isso que a educação ou o estudo dos livros – por exemplo, o estudo da história ou da ciência – não tem valor? Quer dizer que o senhor mesmo não aprendeu nada dos seus professores?

Krishnamurti: Eu estou a falar de viver uma vida completa, uma vida humana, e nenhuma quantidade de explicações, sejam de ciência ou de história, libertará a mente e o coração do sofrimento. Pode estudar. Pode aprender a enciclopédia de cor, mas você é um ser humano, ativo; as suas ações são voluntárias, a sua mente flexível, e não a pode sufocar com conhecimento. O conhecimento é necessário, a ciência é necessária. Mas se a sua mente for aprisionada por explicações, e se for dada uma explicação satisfatória para a causa do sofrimento, então leva uma vida superficial, uma vida sem profundidade. E é isso que nos está a acontecer. A nossa educação está a tornar-nos cada vez mais néscios; não está a ensinar-nos nem a profundidade do sentimento nem a liberdade de pensamento, e as nossas vidas são desarmoniosas.

O interlocutor quer saber se eu não aprendi dos professores. Receio bem que não, porque não há nada para aprender. Alguém lhes pode ensinar a tocar piano, a resolver problemas de matemática; podem ensinar-lhes os princípios da engenharia ou a técnica de pintura; mas ninguém lhes pode ensinar a realização criativa, que é a própria vida. E contudo estão sempre a pedir para ser ensinados. Dizem, “ Ensine-me a técnica de viver, e saberei o que é a vida.” Eu afirmo que este próprio desejo de um método, esta própria ideia, destrói a vossa liberdade de ação, que é a própria liberdade da vida em si.


 Jiddu Krishnamurti





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