A ARTE DE ESCUTAR
Parte IV
Pergunta: Diz que ninguém nos pode ajudar a não ser
nós próprios. Não acredita que a vida de Cristo foi uma expiação dos
nossos pecados? Não acredita na graça de Deus?
Krishnamurti: Estas são palavras que receio não
compreender. Se quer dizer que outro o pode salvar, então eu digo que
ninguém o pode salvar. Esta ideia de que outro o pode salvar é uma
confortável ilusão. A grandeza do homem é que ninguém o pode ajudar ou
salvar a não ser o próprio homem. Vocês têm a ideia de que um Deus
externo nos pode mostrar o caminho através deste conflituoso labirinto
da vida; que um professor, um salvador do homem, nos pode mostrar o
caminho, nos pode retirar, nos pode conduzir para fora das prisões que
criamos para nós próprios. Se alguém lhes der liberdade, tenham cuidado
com essa pessoa, porque apenas criarão outras prisões através da vossa
falta de compreensão. Mas se questionarem, se estiverem despertos,
alerta, constantemente conscientes da vossa ação, então a vossa vida é
harmoniosa; então a vossa ação é completa, porque nasce da harmonia
criativa, e esta é a verdadeira realização.
Pergunta: Seja qual for a atividade a que uma
pessoa se dedique, como pode fazer algo mais que não seja remendar
enquanto não tiver alcançado completamente a compreensão da verdade?
Krishnamurti: Pensa que o trabalho e a assistência
podem ajudar aqueles que sofrem. Para mim uma tal tentativa de fazer o
bem social para o bem-estar do homem é remendar. Não estou a dizer que
esteja errado; é indubitavelmente necessário, porque a sociedade está
num estado que requer que haja aqueles que trabalham para ocasionar uma
mudança social, aqueles que trabalham por melhores condições sociais.
Mas também tem que haver trabalhadores de outro tipo, aqueles que
trabalham para evitar que as novas estruturas da sociedade sejam
baseadas em ideias falsas.
Para colocar as coisas diferentemente, suponham que alguns de vocês
estão interessados na educação: ouviram o que tenho estado a dizer, e
suponham que abrem uma escola ou ensinam numa escola. Em primeiro lugar,
descubram se estão interessados apenas em melhorar as condições da
educação, ou se estão interessados em lançar a semente da verdadeira
compreensão, em despertar as pessoas para um viver criativo; descubram
se estão interessados apenas em mostrar-lhes um caminho a salvo de
dificuldades, em dar-lhes consolo, panaceias, ou se estão realmente
ansiosos por despertá-los para uma compreensão das suas próprias
limitações, para que possam destruir as barreiras que agora os detêm.
Pergunta: Por favor explique o que quer dizer com
imortalidade. A imortalidade é tão real para si como o chão que pisamos,
ou é apenas uma ideia sublime?
Krishnamurti: O que lhes vou dizer sobre a
imortalidade será difícil de compreender, porque para mim a imortalidade
não é uma crença: ela existe. Isto é uma coisa muito diferente. Existe a
imortalidade – e não que eu saiba ou acredite nela. Espero que vejam a
diferença. No momento em que digo “Eu sei”, a imortalidade torna-se uma
coisa objetiva, estática. Mas quando não há nenhum “eu”, há
imortalidade. Tenham cuidado com a pessoa que diz, “Eu conheço a
imortalidade”; porque para ela a imortalidade é uma coisa estática, o
que significa que há dualidade: há o “eu”, e há isso que é imortal, duas
coisas diferentes. Eu afirmo que a imortalidade existe, e isso é porque
não há consciência do “eu”.
Agora, por favor, não digam que não acredito na imortalidade. Para mim a
crença nada tem a ver com ela. A imortalidade não é externa. Mas onde
há uma crença numa coisa tem que haver um objeto e um sujeito. Por
exemplo, vocês não acreditam na luz do sol: ela existe. Somente um cego,
que nunca viu o que é a luz do sol, tem que acreditar nela.
Para mim existe uma vida eterna, uma vida de eterno devir; está
sempre a devir, não sempre a crescer, porque aquilo que cresce é
transitório. Agora, para compreender a imortalidade que eu digo que
existe, a mente tem de estar livre desta ideia de continuidade e
não-continuidade.
Quando uma pessoa pergunta “A imortalidade existe?”
ela quer saber se ela, como indivíduo, continuará, ou se ela, como
indivíduo, será destruída. Isto é, pensa somente em termos de opostos,
em termos de dualidade; ou existe ou não existe. Se tentarem compreender
a minha resposta do ponto de vista da dualidade, então falharão
completamente. Eu afirmo que a imortalidade existe. Mas para compreender
essa imortalidade, que é o êxtase da vida, a mente e o coração têm que
estar livres de identificação com o conflito do qual surge a consciência
do “eu”, e livres também da ideia de aniquilação da consciência do ego.
Deixem-me colocar a questão de uma maneira diferente. Vocês só
conhecem opostos – coragem e medo, posse e não-posse, desapego e apego.
Toda a vossa vida está dividida em opostos – virtude e não-virtude,
certo e errado – porque nunca enfrentam a vida completamente mas sempre
com esta reação, com este pano de fundo da divisão. Criaram este pano
de fundo; estropiaram a vossa mente com estas ideias, e depois
perguntam: “A imortalidade existe?” Eu afirmo que existe, mas para compreenderem, a mente tem que estar livre desta divisão. Isto é, se
tiverem medo, não procurem coragem, mas deixem que a mente se liberte do
medo; vejam a inutilidade daquilo a que chamam coragem; compreendam que
é apenas uma fuga do medo, e que o medo existirá enquanto houver a
ideia de ganho e de perda. Em vez de tentarem alcançar o oposto, em vez
de lutarem para desenvolver a qualidade oposta, deixem que a mente e o
coração se libertem daquilo em que estão aprisionados. Não tentem
desenvolver o seu oposto. Então saberão por si mesmos, sem que ninguém vos diga ou vos conduza, o que é a imortalidade; a imortalidade que
não é nem o “eu” nem o “tu”, mas que é a vida.
A Arte de Escutar. Textos de J.Krishnamurti
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