Translate

domingo, 26 de junho de 2016

A ARTE DE ESCUTAR
Parte IV

Pergunta: Diz que ninguém nos pode ajudar a não ser nós próprios. Não acredita que a vida de Cristo foi uma expiação dos nossos pecados? Não acredita na graça de Deus?

Krishnamurti: Estas são palavras que receio não compreender. Se quer dizer que outro o pode salvar, então eu digo que ninguém o pode salvar. Esta ideia de que outro o pode salvar é uma confortável ilusão. A grandeza do homem é que ninguém o pode ajudar ou salvar a não ser o próprio homem. Vocês têm a ideia de que um Deus externo nos pode mostrar o caminho através deste conflituoso labirinto da vida; que um professor, um salvador do homem, nos pode mostrar o caminho, nos pode retirar, nos pode conduzir para fora das prisões que criamos para nós próprios. Se alguém lhes der liberdade, tenham cuidado com essa pessoa, porque apenas criarão outras prisões através da vossa falta de compreensão. Mas se questionarem, se estiverem despertos, alerta, constantemente conscientes da vossa ação, então a vossa vida é harmoniosa; então a vossa ação é completa, porque nasce da harmonia criativa, e esta é a verdadeira realização.

Pergunta: Seja qual for a atividade a que uma pessoa se dedique, como pode fazer algo mais que não seja remendar enquanto não tiver alcançado completamente a compreensão da verdade?

Krishnamurti: Pensa que o trabalho e a assistência podem ajudar aqueles que sofrem. Para mim uma tal tentativa de fazer o bem social para o bem-estar do homem é remendar. Não estou a dizer que esteja errado; é indubitavelmente necessário, porque a sociedade está num estado que requer que haja aqueles que trabalham para ocasionar uma mudança social, aqueles que trabalham por melhores condições sociais. Mas também tem que haver trabalhadores de outro tipo, aqueles que trabalham para evitar que as novas estruturas da sociedade sejam baseadas em ideias falsas.
Para colocar as coisas diferentemente, suponham que alguns de vocês estão interessados na educação: ouviram o que tenho estado a dizer, e suponham que abrem uma escola ou ensinam numa escola. Em primeiro lugar, descubram se estão interessados apenas em melhorar as condições da educação, ou se estão interessados em lançar a semente da verdadeira compreensão, em despertar as pessoas para um viver criativo; descubram se estão interessados apenas em mostrar-lhes um caminho a salvo de dificuldades, em dar-lhes consolo, panaceias, ou se estão realmente ansiosos por despertá-los para uma compreensão das suas próprias limitações, para que possam destruir as barreiras que agora os detêm.

Pergunta: Por favor explique o que quer dizer com imortalidade. A imortalidade é tão real para si como o chão que pisamos, ou é apenas uma ideia sublime?

Krishnamurti: O que lhes vou dizer sobre a imortalidade será difícil de compreender, porque para mim a imortalidade não é uma crença: ela existe. Isto é uma coisa muito diferente. Existe a imortalidade – e não que eu saiba ou acredite nela. Espero que vejam a diferença. No momento em que digo “Eu sei”, a imortalidade torna-se uma coisa objetiva, estática. Mas quando não há nenhum “eu”, há imortalidade. Tenham cuidado com a pessoa que diz, “Eu conheço a imortalidade”; porque para ela a imortalidade é uma coisa estática, o que significa que há dualidade: há o “eu”, e há isso que é imortal, duas coisas diferentes. Eu afirmo que a imortalidade existe, e isso é porque não há consciência do “eu”.
Agora, por favor, não digam que não acredito na imortalidade. Para mim a crença nada tem a ver com ela. A imortalidade não é externa. Mas onde há uma crença numa coisa tem que haver um objeto e um sujeito. Por exemplo, vocês não acreditam na luz do sol: ela existe. Somente um cego, que nunca viu o que é a luz do sol, tem que acreditar nela.
Para mim existe uma vida eterna, uma vida de eterno devir; está sempre a devir, não sempre a crescer, porque aquilo que cresce é transitório. Agora, para compreender a imortalidade que eu digo que existe, a mente tem de estar livre desta ideia de continuidade e não-continuidade. 
Quando uma pessoa pergunta “A imortalidade existe?” ela quer saber se ela, como indivíduo, continuará, ou se ela, como indivíduo, será destruída. Isto é, pensa somente em termos de opostos, em termos de dualidade; ou existe ou não existe. Se tentarem compreender a minha resposta do ponto de vista da dualidade, então falharão completamente. Eu afirmo que a imortalidade existe. Mas para compreender essa imortalidade, que é o êxtase da vida, a mente e o coração têm que estar livres de identificação com o conflito do qual surge a consciência do “eu”, e livres também da ideia de aniquilação da consciência do ego.
Deixem-me colocar a questão de uma maneira diferente. Vocês só conhecem opostos – coragem e medo, posse e não-posse, desapego e apego. Toda a vossa vida está dividida em opostos – virtude e não-virtude, certo e errado – porque nunca enfrentam a vida completamente mas sempre com esta reação, com este pano de fundo da divisão. Criaram este pano de fundo; estropiaram a vossa mente com estas ideias, e depois perguntam: “A imortalidade existe?” Eu afirmo que existe, mas para compreenderem, a mente tem que estar livre desta divisão. Isto é, se tiverem medo, não procurem coragem, mas deixem que a mente se liberte do medo; vejam a inutilidade daquilo a que chamam coragem; compreendam que é apenas uma fuga do medo, e que o medo existirá enquanto houver a ideia de ganho e de perda. Em vez de tentarem alcançar o oposto, em vez de lutarem para desenvolver a qualidade oposta, deixem que a mente e o coração se libertem daquilo em que estão aprisionados. Não tentem desenvolver o seu oposto. Então saberão por si mesmos, sem que ninguém vos diga ou vos conduza, o que é a imortalidade; a imortalidade que não é nem o “eu” nem o “tu”, mas que é a vida.



 A Arte de Escutar. Textos de J.Krishnamurti 



Nenhum comentário:

Postar um comentário