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domingo, 24 de abril de 2016

MUTAÇÃO TOTAL, INADIÁVEL, 
DO HOMEM, DA SOCIEDADE

A revolução só é possível agora e não no futuro; 
a regeneração é hoje e não amanhã. 
   
Parte II

Pensamos que, com uma revolução exterior, podemos criar um mundo novo, baseado no que deveria ser. Mas a revolução só pode ser no centro, na psique, e então produzirá a verdadeira revolução no exterior.

Nosso problema, portanto, não é de como criar um novo padrão mas, sim, de como despertar a revolução radical em nós mesmos. Este é o verdadeiro problema; porque o que sois, o mundo é. Vosso problema é o problema do mundo, não estais separados do mundo; vós e o mundo sois um processo integral.

A maioria de nós não deseja transformar-se, ou só queremos modificar-nos superficialmente; mas só uma radical revolução interior terá o poder de transformar o mundo. Ela deve começar, em vós, como indivíduo, pois não a podeis esperar da massa.

Os problemas do mundo são os nossos problemas ampliados e multiplicados. Vós criastes o mundo, e a vós incumbe transformá-lo. É pela vossa conduta, pela vossa maneira de viver, pela radical regeneração de vós mesmos, que sereis capazes de criar um mundo novo, onde não haja lutas, nem explorações, nem guerras.

 Essa regeneração fundamental, essa completa transformação, virá no dia em que estiverdes cônscios de vossos pensamentos, sentimentos e ações. Tomai sentido de vossa conduta diária. Sem condenação nem justificação, olhai-vos como vós sois, observai-vos, pensando, sentindo e agindo, até começardes a compreender a vós mesmos.

Pergunta: Não achais que, para alterarmos esse estado de coisas, necessitamos também de uma revolução externa?

Krishnamurti: Revolução interna e externa ao mesmo tempo. Não primeiro uma e depois a outra; as duas devem ser simultâneas. Deve ser uma instantânea revolução interior e exterior, sem se dar mais relevo a uma ou à outra. Como realizá-la? Só quando se vê esta verdade, que a revolução interior é a revolução exterior. Quando a virdes de fato, e não intelectualmente, verbalmente, idealmente, a revolução se realizará. Ora, existe em vós essa interior e total revolução? Se não existe e quiserdes promover a revolução exterior, implantareis o caos.

Vemos, pois, que é essencial começarmos em nós mesmos a operar a transformação de nossa própria atitude, ações, orientação. Essa transformação tem de começar com o autoconhecimento; sem autoconhecimento, torna-se impossível uma revolução radical.

Nós mesmos é que temos de nos transformar e não a sociedade; compreendei isso. Temos de efetuar em nós mesmos, do mais alto ao mais baixo nível, uma transformação de todo o nosso pensar, viver e sentir; então, só então, será possível a transformação social; a simples revolução física, com o fim de alterar a estrutura externa da sociedade, traz inevitavelmente a ditadura ou o Estado totalitário, que negam totalmente a liberdade.

Essa transformação radical de nós mesmos é um trabalho que dura toda a vida, e não uma coisa com que nos ocupamos por uns poucos dias e depois esquecemos; é uma aplicação constante, um contínuo percebimento do que se está passando, interior e exteriormente.

Pergunta: Que entendeis por transformação?

Krishnamurti: É bem óbvia a necessidade de uma revolução radical. A crise mundial a exige. Nossas vidas a exigem. Nossos incidentes, desejos, atividades, anseios de cada dia, a exigem. Nossos problemas a exigem. Faz-se necessária uma revolução fundamental, radical, porque tudo ruiu ao nosso redor. Embora, aparentemente, exista ordem, observa-se um lento declínio, uma lenta decomposição. A onda de destruição está superando constantemente a onda da vida.

É necessária, pois, uma revolução, mas não a revolução baseada em ideia. Em vista da catástrofe que estamos presenciando - a constante repetição das guerras, o incessante conflito entre classes, pessoas, a horrível desigualdade econômica e social, de capacidades e talentos, o abismo que se abre entre os que são muito felizes, livres de perturbações, e os que se debatem nas malhas do ódio, do conflito e do sofrimento - em vista de tudo isso, há necessidade de uma revolução, de uma transformação completa.

A transformação não está no futuro, não pode estar no futuro. Ela só pode ser agora, momento a momento. Assim sendo, que entendemos por transformação? Ora, é muito simples: é ver o falso como falso, e o verdadeiro como verdadeiro. Ver a verdade no falso, e ver o falso naquilo que foi aceito como verdade. Quando se vê que uma coisa é falsa, essa coisa falsa se extingue. Quando se vê que a distinção de classes é falsa, gera conflitos, cria miséria, divisão entre os homens, se se percebe a verdade a esse respeito, essa própria verdade liberta. O próprio percebimento dessa verdade é transformação.

E nós necessitamos de uma mudança completa, de uma tremenda revolução. Necessitamos não de uma mudança de ideias, de padrões, mas, sim, da demolição, da destruição total de todos os padrões. E a mudança é necessária, pois não podeis continuar a viver com essas atitudes, crenças e dogmas tão insignificantes, estreitos, limitados. Tudo isso precisa ser destroçado, destruído.

Creio que a maioria de nós percebe a necessidade de uma revolução radical de que resulte uma nova dimensão do pensamento, isto é, que comecemos a pensar num nível completamente diferente, pois de modo nenhum podemos continuar como estamos e sempre estivemos, ou seja, repetindo um padrão e “funcionando” dentro de seus limites.

Observa-se no mundo a deterioração que está invadindo todos os níveis de nossa existência. E, observando esse fenômeno, somos naturalmente levados a investigar se não existirá um caminho diferente, uma nova maneira de considerar o problema da existência e das relações humanas,  a possibilidade de uma revolução que projete todo o processo do pensar numa dimensão inteiramente nova.

Como atualmente nos vemos em presença de uma crise tremenda, dentro de nós tem de nascer um processo inteiramente diverso para podermos enfrentar essa crise, e o nascimento desse processo não pode ser provocado pela mente consciente.

Temos, pois, de aprender de maneira nova e descobrir uma diferente maneira de viver. Para isso, temos de investigar o atual estado da mente, da consciência, e ver se é possível operar uma mutação fundamental e radical dessa consciência.

O novo desafio que se apresenta aos entes humanos, que vivem em tamanha aflição, agora aumentada por terríveis meios de destruição, o novo desafio é que deveis mudar instantaneamente. Está visto, pois, que deveis reagir ao novo desafio de maneira nova.

Reconhecemos que é necessária uma transformação fundamental em nossa maneira de pensar, uma radical transformação da mente e do coração do homem. Mas essa extraordinária transformação não será realizada se  continuarmos com o que já existia, apenas modificando a forma, o modelo.

Assim sendo, parece-me de grande importância compreender o “processo” total da individualidade. Porque somente quando o indivíduo se transforma radicalmente pode haver uma revolução fundamental na sociedade. É sempre o indivíduo e nunca a coletividade que pode produzir uma mudança radical no mundo.

E mutação difere de mudança. Mudança implica tempo, desenvolve-se progressivamente, é uma continuidade do que foi; mas mutação implica uma quebra completa e a verificação de algo novo. Mudança implica tempo, esforço, continuidade, modificação que requer tempo. Na mutação não existe o tempo; ela é imediata. O que nos interessa é a mutação e não a mudança. O que nos interessa é a completa e imediata cessação da ambição e essa quebra imediata da ambição é mutação.

Para sairmos desta crise requer-se ação fora do tempo, não baseada numa ideia, num sistema;  significa que a regeneração do indivíduo deve ser imediata e não um processo de tempo. Deve realizar-se hoje, e não amanhã; porque o adiar é um processo de desintegração.

A revolução só é possível agora e não no futuro; a regeneração é hoje, e não amanhã. Se experimentardes o que estou dizendo, vereis que há regeneração imediata, um estado novo, uma qualidade nova, porque a mente está sempre tranquila e quando está interessada, tem o desejo ou a intenção de compreender. Está em ação o mecanismo de defesa, quando empregamos o tempo ou um ideal como meio de gradativa transformação.

Sois responsável por tudo, e em vós é que deve verificar-se a “explosão”. Essa completa mutação deverá produzir uma transformação. Sabeis o que entendemos por “mutação”? Há duas coisas importantes na vida: mudança e mutação. Mudança implica a continuidade do que foi, modificado ou ampliado ou alterado. Mudança implica movimento do conhecido para o conhecido, modificado.

 A mutação é coisa que não pode ser conhecida; porque, se já é conhecida, é apenas mudança. A mutação é uma dimensão totalmente diferente; e, por conseguinte, deveis ter olhos diferentes, um diferente coração, uma mente diferente.

Assim, pois, estamos falando de uma mente capaz de servir-se do conhecimento, sem ser escrava do conhecimento; uma mente vazia e, por conseguinte, criadora. Porque só do vazio pode provir uma coisa nova, e não da mente que está “carregada”, condicionada, etc. O novo não é condicionado pelo velho. O novo não é reconhecível pelo velho.

Para operar uma revolução fundamental dentro de nós, precisamos compreender, integralmente, o processo de nossos pensamentos e sentimentos, na vida de relação. Se pudermos compreender a nós mesmos, tal como somos, momento a momento, sem o processo da acumulação, veremos então como surge uma tranquilidade que não é produto da mente, nem cultivada; e, só nesse estado de tranquilidade pode haver criação.

Muito importa, pois, que se compreenda integralmente o processo do “eu”; porquanto, sem essa compreensão, não há possibilidade de ação nova e fundamental. Se uma pessoa quer compreender a sociedade e promover uma revolução fundamental na estrutura social, ela tem, obviamente, de começar em si mesma; porque nós não somos diferentes da sociedade. O que somos, a sociedade é.

O que estou tentando comunicar-vos é muito simples. Compete-vos descobrir uma nova maneira de viver e de agir, descobrir o que significa o amor. E, para esse descobrimento, não podeis servir-vos dos velhos instrumentos que possuís: o intelecto, as emoções, a tradição. Têm seu valor próprio em certos níveis da existência, mas não valem nada quando se trata de descobrir uma maneira de viver totalmente nova. Em outras palavras: a crise atual não se acha no mundo, mas em nossa própria consciência.

Que significa compreender a totalidade? Significa, por certo, que devo compreender a totalidade de meu próprio ser, pois eu não sou diferente da sociedade. Sou produto da sociedade, assim como a sociedade é uma “projeção” de mim mesmo; e para conseguir uma transformação fundamental da sociedade, devo transformar-me totalmente.

Poucas pessoas se interessam em si mesmas - a não ser quando se trata de seu êxito pessoal. Refiro-me ao interesse que o indivíduo deve ter em transformar-se. Mas, em primeiro lugar, a maioria de nós não percebe a importância, a verdade relativa à transformação; e, em segundo lugar, não sabemos como nos transformar, como produzir em nós essa extraordinária, essa “explosiva” transformação interior. A transformação no nível da mediocridade - o trocar um padrão por outro - não é absolutamente transformação.

Aquela transformação “explosiva” deriva da concentração de toda a nossa energia, a fim de resolvermos o problema fundamental da inveja. Estou considerando este ponto como o problema central, embora haja muitas outras coisas nele implicadas. Tenho a capacidade, a intensidade, a inteligência, a agilidade necessária para seguir os movimentos da inveja, em vez de apenas dizer “não devo ser invejoso”? Também  o ideal da “não-inveja” - o que é igualmente absurdo.

Mediante a legislação podeis alcançar certos resultados benéficos, mas, sem a alteração das causas internas, fundamentais, do conflito e do antagonismo, anular-se-ão tais efeitos e surgirá novamente a confusão; as reformas externas requerem sempre novas reformas. Só estabelecendo interiormente a ordem e a paz é que poderemos criar exteriormente um estado de ordem perdurável e a concórdia criadora.

Sem extinguirmos em nosso íntimo, por nós próprios, a cupidez, a luxúria e a violência, a simples reforma exterior pode produzir resultados superficiais, mas serão destruídos por aqueles que estão sempre buscando posição, fama, etc. Para  conseguir a mudança necessária e fundamental no mundo exterior, deveis começar por vós e transformar-vos profundamente.



Seleta de Krishnamurti

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