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sábado, 2 de abril de 2016

M A T R I X - II
Um estudo arquetípico sobre
a rede do pensamento condicionado

O filme MATRIX é uma excelente metáfora que aponta para a necessidade do processo de revolução interior do homem. Cada um dos seus personagens representa um arquétipo que aponta para a totalidade do nosso ser. As inúmeras cenas de violência física e incontáveis tiros representam o processo de destruição da estrutura psicológica imposta pela sociedade, a qual a maioria de nós estamos presos. Essa estrutura psicológica, chamada MATRIX é a representação da rede do pensamento coletivo condicionado. Os tiros disparados pelos agentes da MATRIX, são representações das inumeráveis formas de influências sociais, tais como a ambição, inveja, ânsia de poder, sucesso, prestigio, aceitação de autoridades psicológicas, sistemas de crenças, dogmas e rituais, a perene luta da contradição entre muito mais.

O filme MATRIX, retrata o quanto estamos profundamente aprisionados pela estrutura psicológica da sociedade; mostra como ela tenta moldar as nossas mentes, nossos pensamentos e sentimentos. As constantes cenas de destruição servem como alerta de que se não destruirmos completamente, em nós mesmos, a estrutura da rede de pensamento, não teremos a possibilidade de “morrer” para a nossa mente condicionada e presenciar o nascimento de uma mente livre, capaz adentrar na natureza exata do pensamento e de ver o Real.

Os constantes confrontos representam a batalha travada pela intuição (Trinity), o pensamento técnico (Dozer), o observador (Morfeu), o bom-censo (Oráculo) e as próprias influências estagnantes bem como do social representadas pela personagem (Cypher). Essa batalha é travada há todas às horas, contra os vários agentes da rede do pensamento tendo como representante principal o agente Smith. Essa batalha não se trata de um movimento externo, mas sim de um processo interno de cada um de nós.

O filme MATRIX, mostra que, enquanto toda estrutura psicológica não for perfeitamente compreendida e rompida através do despertar da inteligência capaz de ‘atravessar o centro do pensamento’, nenhuma possibilidade teremos de viver uma vida livre, plena ou de ser capaz de compreender o que se acha além da mente, além da limitação dos sentidos, símbolos e palavras.

O filme MATRIX, revela a superficialidade na qual está se tornando o nosso mundo de relações. Aponta para o resultante caos do desenvolvimento tecnológico sem o devido desenvolvimento psicológico do homem. Mostra que tecnologicamente estamos avançando a passos largos, mas, interiormente, continuamos a perpetuar os velhos, desgastados e disfuncionais sistemas de crenças e padrões de comportamento social, embasados na busca do veneno da respeitabilidade.

O filme MATRIX nos mostra o quanto que estamos vivendo nossa vida de modo fragmentado; o quanto que estamos tão somente sempre arranhando a superfície, sem nunca descermos abaixo dela. Mostra claramente através do agente Smith, que por mais sagazes que sejamos, por maior que seja o nosso acumulo de informações e conhecimento a respeitos das mais variadas coisas, enquanto não alterarmos, completa, profundamente, toda a estrutura psicológica do nosso ser, não teremos como ser livres e, por conseguinte, instrumentos manifestantes de uma inteligência amorosa criativa, que se apresenta quando da fusão entre o pensamento técnico, a intuição, o observador e a coisa observada.

O filme MATRIX mostra que a revolução total não ocorre apenas na superfície da nossa mente consciente, mas também nas camadas mais profundas do inconsciente. Mostra-nos que, para que possa ocorrer essa revolução interior, temos que estar dispostos a escutar, sem ressalvas, tudo aquilo que nos diz a intuição, o observador, bem como a direção apontada pelo pensamento técnico. Mostra que enquanto insistimos em interpretar aquilo que ouvimos, ou em comparar com aquilo que já sabemos e que se encontra armazenado em nossa memória, não estamos prontos para iniciar o processo de ‘desprogramação mental’. Se percebemos a necessidade dessa ‘desprogramação mental’ e a necessidade de receber uma nova mensagem capaz de nos proporcionar uma nova maneira de viver, capaz de nos libertar de vez de nossas disfuncionais reações provenientes do nosso fundo psicológico, temos que aprender a escutar sem a “tagarelice” de nosso pensamento condicionado. É preciso escutar a nova mensagem sem “projetar” o próprio processo de pensar, sem as interpretações, sem a velha mania de comparar, julgar, avaliar, condenar e rotular. É preciso tão somente relaxar e receber de mente aberta as novas mensagens, capazes de fazer com que vejamos as coisas como realmente são, sem a limitação imposta pelas palavras e símbolos. Isto não tem nada a ver com um processo de hipnose ou concentração, mas sim, de um receptivo estado de mente aberta para o desconhecido. Esse receptivo estado de mente aberta é o meio pelo qual se abrem as portas através das quais podemos olhar a nós mesmos e, por meio desse olhar, nos libertar de nossos condicionamentos.



A cena que mostra o personagem “Neo”, recebendo “novos programas”, e a outra em que ele se encontra deitado sobre uma maca, repleto de agulhas espalhadas pelo corpo, retratam o árduo trabalho de libertação do profundo e poderoso sistema de condicionamento social. Nossa mente foi educada, ou melhor, condicionada ao nacionalismo, à religião - com seus sistemas de crenças e dogmas -, e toda sua carga histórica. Por anos fomos programados pela cultura em que vivemos.

Estas cenas mostram que é relativamente fácil se desprogramar destes condicionamentos. As cenas seguintes mostram que o mais difícil é desprogramar o inconsciente, que desempenha um papel muito mais importante em nossas vidas do que a mente consciente.



Nosso inconsciente é o resultado de muitos milhares de anos de condicionamento humano. As cenas em que Neo enfrenta Morfeu numa milenar luta marcial representa a necessidade de se estar consciente desse condicionamento e dele se libertar, e que para isso é necessário uma grande soma de atenção. Isso também fica claro numa cena em que Neo reconhece uma antiga cantina. Acompanhe as falas da cena:

Neo: Deus!
Trinity: O quê?
Neo: Eu comia ali!... Macarrão muito bom! Tenho essas lembranças da minha vida. Nenhuma delas aconteceu. O que isto significa?
Trinity: Que a Matrix não pode te dizer quem você é!
Neo: Mas o Oráculo pode?
Trinity: É diferente!

O diálogo existente nessa cena retrata a necessidade de se compreender através do bom-senso e, por meio dessa compreensão nos libertar do inconsciente com sua “carga histórica” – a longa história do passado – caso contrário, sempre haverá o vacilar, a contradição, o conflito e a furiosa e desgastante batalha interior que dá alimento ao pensamento e seu processo divisor. E, onde há divisão, não pode haver compreensão. É um aviso imperioso da necessidade de se libertar do passado, o que talvez seja uma das nossas maiores dificuldades. A cena também nos alerta de que o processo de análise não pode nos levar muito longe. Para se penetrar mais profundamente, para alcançar o “deserto do real” – como nas palavras proferidas por Morpheus, se faz necessário pôr fim a esse processo que é o “analista analisando continuamente”, e, em troca, começar a ouvir, a ver, a observar sem o antigo movimento de condenação ou justificação. Somente quando se observa dessa maneira é que não há contradição e esforços; por conseguinte, há compreensão imediata.



No entanto, para penetrarmos muito profundamente em nós mesmos, devemos, obviamente estar livres da ambição, da competição, da inveja, da avidez e da não compreensão do prazer. Esses condicionamentos característicos são bem retratados pelo personagem “Cypher” em várias cenas. Cypher mostra a dificuldade de se conseguir isso, uma vez que a inveja, a ambição, a avidez e a busca do prazer imediato são a própria substância da estrutura psicológica-social. Sem a compreensão desses sentimentos, não pode haver a eliminação dos mesmos e sem isto corremos o risco de sermos destruídos pelo conformismo e a estagnação, fortemente incentivados pelos agentes da rede do pensamento condicionado. Cypher nos mostra que não há a mínima possibilidade de se chegar ao incognoscível, àquilo que se acha muito além da mente, muito além do pensamento se mantemos na memória toda carga dos nossos conhecimentos e lembranças, com as cicatrizes da experiência, o peso da ansiedade, da raiva, do medo. Sem a mente vazia da carga do passado, torna-se impossível viver neste mundo sem sermos atingidos pelas balas do ódio, da fealdade, brutalidade, da ambição, da autoridade, do poder, do prestígio, do medo. Não poderemos viver neste mundo sem perpétuo sofrimento. Isso é bem exemplificado nos diálogos das seguintes cenas, entre Cypher e Trinity:


Cypher: Alô, Trinity.  
Trinity: Cypher? Cadê o Tank?
Cypher: Sabe, durante muito tempo, achei que eu fosse apaixonado por você. Eu sonhava com você. Você é uma bela mulher, Trinity. É uma pena as coisas terminarem assim.
Trinity: Você os matou?
Cypher: Estou cansado, Trinity. Estou cansado desta guerra, cansado de lutar, cansado deste barco, de sentir frio, de comer a mesma gororoba todo dia. Mas, acima de tudo estou cansado daquele chato e do papo furado dele (Morfeu = Observador).
Trinity: Você entregou Morfeu?
Cypher: Ele mentiu para nós, Trinity. Ele nos enganou! Se ele tivesse dito a verdade a gente teria mandado ele enfiar aquela pílula vermelha!
Trinity: Não é verdade. Ele nos tornou livres.
Cypher: “Livres”? Chama isso de “Livre”? Eu só faço o que ele manda (observador)... Se eu tiver de escolher entre isso e a Matrix, eu escolho a Matrix.
Trinity: A Matrix não é real.
Cypher: Discordo, Trinity. Eu acho que a Matrix pode ser mais real do que este mundo... Bem vinda ao mundo real!
Trinity: Você está fora. Não pode voltar.
Cypher: Isso é o que você pensa. Vão recolocar meu corpo. Vou voltar a dormir. Quando eu acordar, não lembrarei de nada...
Trinity: Seu maldito!
Cypher: Não me odeie, Trinity. Sou apenas um mensageiro. E agora vou provar para você. Se Morfeu estiver certo eu não conseguirei arrancar este plugue. Se Neo é o escolhido então haverá algum milagre para me deter. Certo? Como ele pode ser o escolhido se está morto? Você nunca me respondeu se você acreditava no papo de Morfeu. Fale. Eu só quero um sim ou um não. Olhe nos olhos dele, esses olhos grandes e bonitos e me diga: sim ou não?
Trinity: Sim.
Cypher: Não, eu não acredito.
Nesse instante, o personagem Tank se levanta e diz:
Tank: Acredite ou não, seu merda, você vai queimar!

Os diálogos da cena acima descrita demonstram como o pensamento coletivo condicionado, por meio da intriga política, das religiões, está sempre procurando moldar o pensamento do homem; mostra que as entidades promotoras de bem-estar social nos estão dando cada vez mais conforto e nos tornando cada vez mais embotados e estúpidos, porque nos servimos do conflito como meio de nos tornamos exteriormente inteligentes, brilhantes. Cypher é a representação de que, interiormente, não mudamos em nada; continuamos a ser o que somos há séculos: medrosos, ansiosos, culpados, em busca de poder e satisfação sexual. Ele é a representação da nossa tendência a perpetuação das nossas tendências egocêntricas, instintivas, e do conformismo ao funcionamento dentro da atual estrutura psicológica da sociedade.

Quando o personagem Tank dispara a sua arma contra Cypher, matando-o, apresenta-se a urgente e emergencial necessidade de se destruir completamente toda essa estrutura e ficar fora dela, sem se tornar insano, sem virar monge, freira ou eremita. Essa estrutura só pode ser destruída imediatamente, não há um tempo determinado para fazê-lo.

Ou o fazemos imediatamente, ou nunca. Se não formos capazes de compreender, de prestar atenção completa agora, nos movimentos do Cypher que há em nós, seremos capazes de fazê-lo amanhã? Se o deixarmos para amanhã, continuaremos incapazes de prestar atenção completa, colocando em risco a vida do Neo que somos nós.

Essa cena mostra que a atenção não é questão de tempo; que a compreensão não é um processo gradual. Se pudermos olhar simplesmente para o fato, sem desfigurá-lo, descobriremos que essa própria observação do fato não somente elimina a dualidade “observador e coisa observada”, geradora de conflito, mas também liberta uma grande soma de energia. E nós necessitamos de energia. Não se faz referência aqui a energia produzida pelo conflito. Essa energia é destrutiva. A referência aqui é quanto à energia que é gerada quando se vê um fato completamente, totalmente. Cypher é a representação do nosso enredamento nas palavras. Palavras são idéias; idéias são pensamento. Para se olhar o fato totalmente, sem desfiguração, é preciso haver um espaço vazio na mente que olha. Cypher é também a representação da nossa mente “tagarela”, que nunca está quieta, que sempre está articulando, sempre criando teorias, construindo, destruindo e juntando de novo. O Cypher que está em nós precisa desaparecer através da observação, pois somente assim pode surgir uma mente tranqüila, uma mente livre do tempo e do espaço, onde não há o “amanhã” ou o próximo segundo. Essa tranqüilidade da mente é atenção total; e essa atenção total é virtude. Essa é a verdadeira virtude. Qualquer outra forma de virtude ou de moralidade é criação da mente, ou seja, pela estrutura psicológica da sociedade, nesta cena representada pelo personagem Cypher. Somente com a mente completamente vazia de toda forma de problema é possível descobrir então, se tivermos penetrado até essa profundidade, a existência de um modo de vida que está muito além, uma nova maneira de viver que a mente não pode medir e nenhuma religião pode apreender. E como vivemos neste mundo caótico e confuso, representado pela Matrix, é essencial termos uma mente assim – mente capaz de olhar todas as coisas clara e retamente, sem esforço, ver cada fato tal como é. Só essa mente quieta, não mais influenciada pelo Cypher ou pelos demais agentes da Matrix, e que, portanto é serena, só a essa mente pode apresentar-se o descondicionado, o imensurável.
 
estudomatrix.blogspot


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