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quinta-feira, 28 de abril de 2016

A PAZ SÓ PODE ACONTECER 
SE EXISTIR AMOR
 
Estivemos examinando os vários fatores que acarretam deterioração em nossas vidas, em nossas atividades, em nossos pensamentos; e vimos que o conflito é um dos principais fatores dessa deterioração. E também a paz, como é geralmente compreendida, não é um fator destrutivo? Pode a paz ser produzida pela mente? Se tivermos paz através da mente, não levará isso também à corrupção, à deterioração? Se não estivermos alertas, se não formos observadores, a palavra "paz" torna-se como uma janela estreita através da qual miramos o mundo que procuramos compreender. Por uma janela estreita só podemos ver parte do céu, e não toda a vastidão, toda a magnificência dele. Não há possibilidade de se ter paz apenas por buscar a paz, o que é inevitavelmente um processo da mente. 

Pode ser um tanto difícil entender isto, mas procurarei torná-lo o mais simples e claro que puder. Se pudermos compreender o que significa ser pacífico, talvez compreendamos o verdadeiro significado do amor. 

Pensamos que a paz seja algo a alcançar por meio da mente, através da razão; mas será assim? Pode a paz advir mediante quietação, controle ou domínio do pensamento? Todos desejamos paz; e, para a maioria, paz significa não ter amolação, não ser importunado nem sofrer interferência, então construímos uma parede ao redor de nossa mente, uma parede de ideias. 

É muito importante que compreendam isto, pois à medida que crescerem vocês serão confrontados com os problemas da guerra e da paz. A paz é algo a ser buscado, obtido e domado pela mente? O que a maioria chama de paz é um processo de estagnação, uma lenta decadência. Achamos que vamos encontrar paz apegando-nos a um conjunto de ideias, construindo interiormente uma muralha se segurança, uma parede de hábitos ou crenças; achamos que a paz é uma questão de busca de um princípio, de cultivo de uma dada tendência, de uma determinada fantasia, de um particular desejo. 
 
Queremos viver sem perturbação, então encontramos algum canto do universo, ou do nosso próprio ser, em que aninhamos e vivemos à sombra do auto encerramento. Eis aí o que a maioria busca em seus relacionamentos com o marido, a esposa, com os pais, com os amigos. Inconscientemente queremos paz a qualquer preço e, portanto, a buscamos. 

Mas acaso pode a mente encontrar paz? Não é ela mesma uma fonte de distúrbio? A mente só pode juntar, acumular, negar, afirmar, lembrar, buscar. A paz é absolutamente essencial, porque sem ela não podemos viver de forma criativa. Mas será a paz algo a ser concretizado mediante as lutas, as negações, os sacrifícios da mente? Compreendem o que quero dizer? 

Podemos estar descontentes enquanto somos jovens, mas à proporção que ficamos mais velhos, a menos que sejamos muito sábios e vigilantes, esse descontentamento será canalizado para alguma forma de pacífica resignação com a vida. A mente está perenemente buscando um hábito, uma crença, um desejo separado, algo em que possa viver, e estar em paz com o mundo. 
 
Mas a mente não pode encontrar paz, porque ela só pode pensar em termos de tempo, em termos de passado, presente e futuro: o que foi, o que é e o que será. Ela está constantemente condenando, julgando, ponderando, comparando, perseguindo suas próprias vaidades, seus hábitos, suas crenças; e essa mente nunca pode estar em paz. Ela poderá iludir-se e simular um estado que chame de paz; mas isso não será paz. A mente pode mesmerizar-se pela repetição de palavras e frases, por seguir alguém ou acumular conhecimentos; mas não está em paz, porque tal mente é, ela própria, o centro de perturbação, ela é, por sua própria natureza, a essência do tempo. Portanto, a mente com que pensamos, com que calculamos, com que maquinamos e comparamos, é incapaz de encontrar paz. 

A paz não é fruto da razão; e, no entanto, como vocês verão se as observarem, as religiões organizadas estão presas a essa busca de paz por intermédio da mente. A verdadeira paz é tão criativa e tão para como a guerra é destrutiva; e, para encontrar essa paz, é preciso compreender a beleza. Por isso, é importante, enquanto somos jovens, termos a beleza ao nosso redor — a beleza de edifícios que tenham proporções adequadas, a beleza da limpeza, de conversas tranquilas entre os mais velhos. Ao entender o que é beleza, conheceremos o amor, pois a compreensão da beleza é a paz do coração. 

A paz é do coração, não da mente. Para conhecer a paz vocês terão de descobrir o que é a beleza. O seu modo de falar, as palavras que empregam, os gestos que fazem — essas coisas importam muito, pois por meio delas vocês descobrirão o refinamento de seu próprio coração. A beleza não pode ser definida, ela não pode ser explicada com palavras. Só pode ser compreendida quando a mente está muito quieta. 

Assim sendo, enquanto são jovens e sensíveis, é essencial que vocês — tanto quanto seus responsáveis — criem uma atmosfera de beleza. Seu modo de vestir, de andar, de sentar, de comer — todas essas coisas, e as coisas que os cercam, são muito importantes. À medida que crescerem, vocês enfrentarão as coisas feias da vida — edifícios feios, pessoas feias pela malícia, pela inveja, pela ambição, pela crueldade; e se, em seu coração, não estiver fundada e estabelecida a percepção do belo, você serão facilmente engolfados pela enorme correnteza do mundo. Então ficarão presos na interminável luta para encontrar a paz através da mente. A mente projeta uma ideia do que seja a paz e procura alcançá-la, ficando, assim, presa nas malhas das palavras, na rede das fantasias e ilusões. 

A paz só pode acontecer se houver amor. Se vocês só tiverem paz através da segurança, do dinheiro ou de alguma outra coisa, ou através de certos dogmas, rituais, repetições verbais, não haverá criatividade; vocês não sentirão a urgência de fazer uma revolução fundamental no mundo. Tal paz só leva ao contentamento e à resignação. Mas quando em vocês houver a compreensão do amor e da beleza, então encontrarão a paz que não é a mera projeção da mente. É essa paz que é criativa, que remove a confusão e estabelece a ordem interior. Mas essa paz não vem através de nenhum esforço. Ela surge quando se está constantemente vigilante, quando se é sensível tanto ao feio como ao bonito, ao que é bom e ao que é mau, a todas as vicissitudes da vida. A paz não é uma coisa mesquinha, criada pela mente; ela é infinitamente grandiosa, ampla, e só pode ser compreendida quando o coração está cheio dela. 

 
 
Krishnamurti

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