A VERDADEIRA CONCENTRAÇÃO
O Tipo Correto de Concentração
Produz um Buddha ou um Cristo
Há alguns segredos de Hatha Ioga que - uma vez redescobertos, ou descobertos pela metade -, provocaram o
surgimento de inúmeros cultos dedicados à conquista deste ou daquele
objetivo pessoal através da prática da “concentração”, ou “meditação”.
De fato, existe um poder imenso na arte da concentração. A natureza
desse poder torna recomendável compreendê-lo, antes de começar práticas
para o seu desenvolvimento.
O tipo correto de
concentração produz um Buddha ou um Cristo. O tipo errado de
concentração - o único tipo conhecido da maior parte dos seus
expositores ocidentais - produz um Kansa [1], um Judas, ou um médium.
A concentração, como qualquer
outra ação, implica a existência de um tema e de um objeto, e a
existência daquele que age e daquilo sobre o que é exercida a ação. Há
muitos campos possíveis para a sua aplicação dentro da consciência
humana, e nenhum deles é compreendido pelo Ocidente moderno. Existe a
concentração sobre um campo especial da natureza; e há a concentração
sobre um objeto especial dentro daquele campo.
O princípio do desejo, Kama,
é a força motora da média dos seres humanos, e necessariamente absorve
noventa e nove por cento do poder de atenção do indivíduo. Para a maior
parte das pessoas, o resultado disso é uma oscilação sem rumo certo, com
uma troca contínua de um objeto dos sentidos por outro. O homem não
escolhe um objetivo específico no qual concentrará a ambição da sua
vida. Desde modo, a vida é fragmentada e desperdiçada em uma busca
interminável de gratificações, e não há um efeito permanente sobre o
caráter da pessoa, exceto pela tendência de repetir a experiência nas
vidas futuras.
Alguns poucos buscam a
realização de uma meta definida. Quando a vontade é suficientemente
forte para que haja concentração em torno da meta, a ambição é
realizada. Estes são os casos dos nossos modernos Morgan, Rockefeller,
etc.[2] Os resultados deste poder de concentração também incluem
grandes artistas e gênios em áreas específicas de conhecimento. São
poderes produzidos por uma concentração unilateral, mantida durante mais
de uma encarnação. E isso, também, só produz uma maior cristalização da
mesma tendência, com a contínua repetição de uma estrutura destinada a
desmoronar ao final de cada encarnação.
Em tais casos de êxito
material, o poder da concentração é conhecido. Mas não se conhece a
diferença decisiva entre o que é a alma e o que não é a alma - entre
aquilo que é eterno e o que é passageiro.
Conta-se que, no caso de
Gautama, para que a sua alma chegasse à condição de Buddha, a vontade de
obter a libertação espiritual teve que ser mantida sem interrupções
durante incontáveis encarnações.
Nem todos, entre nós, poderão tornar-se Buddhas neste Manvântara [3];
mas quem já conhece alguma coisa da realidade espiritual compreende que
mesmo o ganho material mais vasto não tem qualquer valor, se comparado
ainda que seja com uma pequena quantidade de crescimento permanente. A
construção da permanência não surge da concentração na busca de ganhos
materiais. Ela vem da concentração na prática de ações materiais que
possibilitam alcançar metas espirituais.
A verdadeira concentração tem
uma natureza dual: de um lado, a concentração fixa da vontade na
realização eficiente do que quer que esteja ao alcance e deva ser feito;
e de outro, uma percepção igualmente constante do verdadeiro motivo
pelo qual a ação deve ser realizada: o benefício de todos os seres.
Assim o indivíduo se torna uma força impessoal da natureza e não tem
motivo para agir para si mesmo.
Durante a vida nesta terra,
sentimos que estamos aparentemente presos e acorrentados. Isso se deve a
uma visão errada do objetivo da vida e Daquilo que vive durante esta
vida. Para preservar nossa existência, temos que praticar ações. Como a
vida material se movimenta sempre entre os grandes pares de opostos,
ninguém consegue libertar-se totalmente de ações tediosas e
desagradáveis. Portanto, é em vão que nos esforçemos para escapar dos
deveres necessários e para seguir a ilusão do desejo. Quando os esforços
se frustram, eles resultam em feridas profundamente sensíveis, devido
aos ferros das correntes. Quando os esforços têm êxito, eles apenas
demonstram o fato de que nós trocamos as velhas correntes por outras,
novas.
Todo ser que cumpre seu dever
- não para beneficiar a si mesmo, mas porque tal é o seu dever -
alcança uma condição de alma em que há indiferença quanto à natureza da
ação, uma vez que a ação promova o bem comum. Ao fazer isso, o indivíduo
descobre que a ilusão segundo a qual “a felicidade depende de
sensações” não passa de um sonho. A verdadeira felicidade surge
espontaneamente de dentro; e isso ocorre sempre que o Ser se liberta de
desejos voltados para objetos externos.
A concentração física e
mental sobre a realização correta de ações é necessária para que a roda
da vida possa girar suavemente, e para que os destinos das criaturas não
sejam lançados em confusão. A meditação espiritual deve ser dirigida a
Ishwara, o Eu Interior, “que não pode ser perturbado por problemas,
trabalho, frutos de trabalho, ou desejos”. Este é o caminho que leva à
libertação das dores e dos castigos do egoísmo -; à libertação do
cárcere da limitação humana, e de todo Carma.
A concentração, portanto,
pode ser vista como universal; como aquilo que mantém a manifestação ao
longo do período de um ciclo ou período de evolução do universo.
Ela também pode ser vista como Hierárquica [4], dentro do ciclo maior; como aquilo que mantém qualquer estado determinado de consciência e ação.
E pode ser vista como
individual ou pessoal; como aquilo que mantém a identidade do ser, seja
numa determinada forma, num determinado estado, uma determinada
Hierarquia, ou ao longo de todo o vasto ciclo do Manvântara. Esta última
é a concentração espiritual, cujo cultivo é o real Objetivo de todas as
existências finitas. Ela é exemplificada pelos Mestres de Sabedoria.
Qualquer outra forma de
concentração é perecível porque não passa de um instrumento para
alcançar um fim igualmente finito e mortal.
John Garrigues
NOTAS:
[1] Kansa. Na narrativa clássica do “Mahabharata” hindu, Kansa, um tio de Arjuna, era um traidor. Arjuna é o personagem central do “Bhagavad Gita”, que faz parte do Mahabharata. (Nota dos editores de www.FilosofiaEsoterica.com )
[2] Morgan, Rockefeller. Dois famosos milionários dos Estados Unidos durante o século 20. (Nota dos editores de www.FilosofiaEsoterica.com )
[3] Manvântara.
O longo período de manifestação objetiva do Universo, que se alterna
com o Pralaya, o período de não-manifestação. (Nota dos editores de www.FilosofiaEsoterica.com )
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