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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

TAO TE CHING
Parte II

O Tao Te Ching veio a mim na década dos meus 20 anos. Alguém me disse, "dê uma olhada nisso, é interessante"; e fui ver, algo do livro me atraiu, mas estava tão oculto que não pude ver... eu sabia que havia algo ali, alguma verdade, mas não sabia o que era, não podia decifrá-la. Então, o coloquei de lado, e me dediquei a outras coisas. Depois de uns anos, no início dos meus 30 anos, redescobri o livro em outra tradução, que já não existe mais, e não só me encontrei com uma tradução melhor, mas havia ocorrido algo em mim, um despertar, uma mudança de consciência,  e através desta nova consciência, li o livro e disse: Uau!! É a isso que ele se refere!! Me dei conta da profundidade dessas palavras.
 
Desde então, o livro em suas diversas versões - não me refiro ao livro físico,- mas ao que o Tao Te Ching se refere, nunca mais me abandonou. Sempre esteve comigo, de uma forma ou de outra.

Esta é a história por trás do Tao Te Ching. Agora podemos sim, adentrar nele mais profundamente.

Tenho aqui duas traduções, que são as minhas favoritas neste momento. Vamos usar a de Stephen Mitchel, Tao Te Ching, que é muito recente; e outra que tenho há muito tempo e que gosto muito é a de Gia-fu Feng e Jane English, eles o traduziram juntos. Essa é uma outra belíssima tradução. Hoje estarei usando a versão de Stephen Mitchell.

As primeiras duas linhas do Tao Te Ching são muito famosas, algumas vezes as citei. Mesmo aí as traduções variam.
As duas primeiras linhas:
"O Tao que se pode expressar
não é o Tao eterno"

O que quer dizer é que, não se pode falar sobre a realidade transcedental. Qualquer coisa que se diga a cerca dessa realidade última, é falso. Entretanto ele continua falando sobre isso. Como pode ser isso então? Ele está dizendo para que nós não fiquemos presos a essas palavras, que não creiamos que essas palavras, estes conceitos não se convertam em crença.
 
A Verdade é infinitamente maior que qualquer descrição que façamos dela ou sobre ela.

Estas duas linhas são muito importantes: O Tao que pode ser expressado  ( ou contado, ou falado ) não é o Tao eterno. Está bem, agora posso contá-lo a vocês! Porque o Tao está em você, e o único lugar em que pode descobri-lo é em você mesmo. O livro mostra a forma de descobrir quem você é, mais além daquilo que você acredita ser; mais além daquilo que a sua mente está te dizendo sobre quem você é.

E agora, o mais próximo que podemos chegar nessa definição de Tao é que ele é indefinível. E é isso que encontramos nas próximas linhas, que vou ler agora, e devem escutar não só com a cabeça, mas com todo o seu ser. Porque não se pode entender só com a mente. Se puderem sentir o poder que existe nessas palavras, é porque estão sentindo o seu próprio poder, além da atividade mental.

 
"Já existia algo perfeito e sem forma antes do nascimento do Universo.
 
É sereno, vazio, solitário, imutável, infinito. Eternamente presente. É a mãe do Universo.
 
Por não encontrar um nome apropriado, lhe dei o nome de Tao."

 
Notem que ele começa dizendo: "Havia algo perfeito e sem forma, antes do Universo nascer. Antes de que surja a forma, antes do Big Bang podemos dizer. Aí ele usa o verbo no passado, na seguinte linha ele diz: é sereno, vazio, solitário. Não se refere ao que existia antes do nascimento do universo, mas que continua sendo fora do tempo em ti mesmo. Isso que estava ali antes do Big Bang, segue sendo presente em você. É a vida única, não-manifestada, a consciência única; sem a qual, você não existirias. É a essência de quem você é.
E claro, se dizemos isso a qualquer cientista materialista, ou o que seja, não digo um grande cientista, mas um qualquer, ele dirá: Mas que absurdo! Ou se dizemos isso a alguém muito fechado, ele dirá: Isso não faz sentido. Algo existir antes do Universo? Do que você está falando?

Muito sabiamente, Mitchell cita um dos grandes cientistas, Albert Einstein. O que ele teria a dizer sobre isso.
 
Einstein utilizou enormemente o pensamento, mas um pensamento que estava enraizado no silencio. O pensamento por certo, é uma parte essencial do Tao. Seu pensamento estava enraizado no Tao, no silencio que está além do ruído mental. Deste lugar, dessa dimensão, surgiam os descobrimentos de Einstein. Ele não estava preso em seu ruído mental, como a maioria dos cientistas que negam a realidade do transcendental. Einstein estava conectado com a realidade, e disse:
 
"O sentimento religioso dos cientistas toma a forma de um extasiado assombro, ante a harmonia da lei natural, que revela uma inteligência de tal superioridade que, comparada a esta, todos os pensamentos sistemáticos dos seres humanos são apenas reflexo absolutamente insignificante. Este sentimento é o valor central da minha vida e do meu trabalho."

O reconhecimento de que existe uma vasta inteligência que está por trás de toda a criação.(...)
Isso está na flor. Isso a cria. Está em você, inundando todo o espaço que nos rodeia. Surge através do cérebro humano e este lhe dá forma; quando o cérebro não opera, deixa de mover-se através dessa forma. É a consciência mesma que você é. Isto demonstra que Einstein estava conectado com essa dimensão e por isso tinha essa inspiração em seu pensamento, por essa razão obteve descobrimentos repentinos.

Agora chegamos a algo um pouco mais amplo, só algumas linhas, iremos vendo aos poucos, uma linha de cada vez.

Como viver em contato com Isso? Irei ler a primeira sessão, e logo veremos mais detalhadamente algumas linhas. Não só com o a mente intelectual, mas sentindo com todo nosso ser.

 
"Podes deslocar sua mente de suas inquietações e deixá-la nas mãos da unidade?
 
Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil, como o de um bebe recém-nascido?
 
Podes limpar sua visão interior até que somente vejas a luz?
 
Podes amar aos demais e guiá-los sem impor sua própria vontade?
 
Podes lidar com assuntos importantes, deixando que eles sigam seus caminhos?
 
Podes tomar distância de sua própria mente e entender tudo?
 
Dar a luz e nutrir?
 
Ter sem possuir?
 
Agir sem expectativas?
 
Guiar sem tentar controlar?
 
Esta é a suprema virtude.

 
Virtude significa "Poder". O poder flui através de você, se vive dessa maneira, se se transformar nisso e se compreender que é uno com isso.

Vamos ao início: Pode deslocar sua mente de suas inquietações... se se fixas em sua própria mente, verás que isso é o você faz. Vai de uma coisa a outra, de um pensamento a outro, e continua e continua... As vezes chamamos de voz em nossa cabeça.
 
Pode deslocar sua mente de suas inquietações e deixá-la nas mãos da unidade? Em outras palavras: É possível você se sentar por um momento em silencio e não dar atenção a cada pensamento que diz: Siga-me e eu lhe mostrarei o caminho! Sou um pensamento importante!! E uma vez que segue um pensamento, chega outro e outro... é uma corrente, é assim como a maioria das pessoas vive, imersos continuamente em sua tagarelice mental.(...)

Inclusive se vê isso na literatura do século XX, chama-se "A Corrente da Consciência" de James Joyce. Podemos encontrar trinta páginas seguidas sem nenhuma pontuação. Ela observava sua própria mente e anotava o funcionamento. Fazia sem nenhuma pausa, sem nenhum ponto, nem vírgulas, nem nada..."normal". (risos...)

Quando entender isso... é surpreendente que eles não se percam, pois estão tão identificados com isso, que se convertem nisso. Dizem: eu penso, eu sou isso. Na verdade são os próprios pensamentos que dizem isso, eles que dizem: "eu penso" (risos...)
Perdem a vasta dimensão interior que está por baixo dos pensamentos, e é por isso que o Tao Te Ching diz para não darmos muita importância a esses pensamentos, e encontre um descanso, pois  é por isso que o momento presente é tão importante, porque é este que pode lhe tirar dessa corrente de pensamentos. Só se tornando atento a este momento. Não há muito no que pensar, só em permanecer sentado aqui.

O que poderia agregar a este momento para que se torne melhor, e que já não esteja aqui? Ou ao olhar uma flor porque agregar-lhe pensamentos? Ou ao olhar um outro ser humano... por que agregar pensamentos a esta percepção tão linda? Deixe nas mãos da Unidade. Quando deixamos de estar sob o controle dos pensamentos, damo-nos conta de que existe um lugar dentro de nós que transcende ao pensamento; conectamo-nos com a Unidade. É somente através do pensar que surge a ilusão de separação. Começamos a nomear as coisas - isso, aquilo, julgando as coisas.. Não significa que já não possa mais fazê-lo, é apenas ter consciência de que já não está preso a isso...

"Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil como o de um bebe recém-nascido?"
 
Ao estar imerso em pensamentos, seu corpo se torna rígido, já que ele espelha o que está se passado na mente, e que, na maioria das vezes, é apenas problemas que sua mente está criando. "Preciso pensar nisso, e naquilo..." Quanto mais problemático for um pensamento, - e todo pensamento é problemático -, menos vida haverá em seu corpo. O fluxo de energia corporal diminui. Você se torna rígido, tenso, reprimido.

"Podes deixar que seu corpo se torne tão sutil, como o de um bebe recém-nascido?" 

Lembre-se que esta é uma tradução livre, mas se você vai além da tradução mais literal, o que se diz aqui é: "Você pode concentrar seu Chi, ou energia vital, até que seu corpo se torne tão sutil como o de um recém-nascido? Este ensinamento pode ser chamado de Consciência Corporal, que é a capacidade de nos interiorizar e levar nossa atenção até o interior do corpo, e sentindo-o que está vivo por dentro. Você pode sentir a vitalidade em suas mãos? Pode sentir a vitalidade em seus pés? Pode sentir a vitalidade que inunda todo o corpo? Essa atitude lhe tira da mente. Mesmo sentados aqui podem sentir isso?

Essa é uma prática taoísta muito antiga, que já existe há milhares de anos, quase tão antiga quanto o Tao Te Ching; trata-se de respirar dos calcanhares até em cima. Se diz: Você pode respirar dos calcanhares até em cima? Claro que não, porque não se podem aspirar com os pés.. mas o que eles querem dizer é para você dirigir sua atenção aos seus pés e imaginar que está respirando daí, que respira pelos calcanhares.
 
Isso serve para que se torne consciente, que comece dando atenção a parte inferior de todo o seu campo energético. Quando imagina que está respirando desde seus pés, a energia começa a fluir de baixo até em cima. Imaginar que realmente se está respirando com os calcanhares, a energia da respiração fluirá pelo corpo. Essa é uma prática muito antiga.
 

"Podes limpar sua visão interior, até que somente vejas a luz?"
 
Aí dentro parece que existe algo obscuro embora haja luz. É somente a mente que "cria" o escuro. Então, o que significa limpar a visão interior até que só se veja a luz? Por "luz" está se referindo a Luz da Consciência. Com o "limpar a visão" interior, se refere a silenciar a mente até o ponto em que se torne consciente da própria consciência; até que se torne consciente de que você é Consciência. E então, isso sempre permanece aí.

Este capítulo, em essência, trata sobre como estar no mundo e ao mesmo tempo conectado com a fonte. Pode ser útil para que não se perceba como uma pessoa que tem um passado e um futuro. O que resta de você aqui e agora sem isso? O que resta é a Consciência, apenas sua presença. É simplesmente uma presença. Não uma opinião ou memória. Essa é a luz da consciência e também é o Tao, você não pode sacar isso, não pode convertê-la em um objeto de conhecimento e dizer: Ah aí está! Ali está, posso vê-la. É a luz da consciência! Não! Você é a Luz da Consciência e através dela pode ver tudo. Não pode vê-la, nem tocá-la. Ela subjaz a tudo. É isso que cada um de nós somos em realidade. A Presença que diz, "sua" presença, mas não é de todo correto porque não é que seja "sua", senão que és isso. Há uma unidade nisso. Se diz "sua presença" parece que existe uma presença de um lado e a presença de outro por outro lado. Essa linguagem parece criar uma dualidade. E é por isso que o Tao Te Ching nos aponta como a mente e a linguagem cria uma espécie de ilusão de separação.

 
"Podes amar aos demais e guiá-los sem impor sua própria vontade?" 

Impor sua vontade em outras traduções, - já que estamos vendo distintas versões -, quer dizer: Você pode viver neste mundo sem ser astuto? Eu falo sobre isso em um dos meus livros de como o ego é engenhoso, no sentido de que tenta levar vantagem para si mesmo, ou para "nós". Tem seus pequenos planos, tenta usar as pessoas. A maioria dos políticos são engenhosos, são espertos, são poucos que são inteligentes. (...)

Não se envolver em discussões inúteis; não se identificar com posições mentais de "estar certo", todo o tempo "eu estou certo você está errado"; Esta energia lhe deixa afastado completamente de si mesmo; não discutir inutilmente e estar disposto a escutar, em um estado de abertura. Não se identificar com suas opiniões, já que assim acaba por se opor as opiniões dos outros.

"Podes lidar com assuntos importantes, deixando que eles sigam seus caminhos?" Encontrei uma outra tradução, mais próxima da original,que em lugar de dizer "deixando que eles tomem seu caminho", diz: "convertendo-se em feminino". Podes lidar com os assuntos mais importantes, convertendo-se em feminino?

O princípio da feminilidade, - às vezes se usa feminilidade como sinônimo de Tao -, poderíamos dizer que o princípio feminino é o de "permitir ser", que é assim ( braços abertos ) e o masculino é assim ( braços fechados ). De acordo com este ensinamento, o gênero feminino, expressa o Tao mais claramente do que o masculino. É mais fácil de expressar o Tao através da forma feminina, do que da masculina.
Se és masculino, terás que descobrir a feminilidade ( a receptividade ) em si mesmo, para ser uno com o Tao. Deves descobrir essa receptividade e permitir que a realidade seja aquilo que é.
Quando digo permitir a este momento ser como é, essa é a feminilidade, não lute com aquilo que é, permita que seja; que haja aceitação.
Ás vezes se veem estátuas de Kuan Nin, com as mãos estendidas, como as da Virgem Maria, todas são expressões da feminilidade. Tudo é acolhido, tudo é Universal.

Pode você ser esse acolhimento em qualquer situação?
Isso gera muitas discussões. Alguma mulher pode dizer: Não gosto dessa ideia, quero ser poderosa! Sem se dar conta de que o poder da feminilidade é enorme. É o poder desse "permitir ser", é muito maior daquele que interfere.



Eckhart Tolle

 

 

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