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quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

SOBRE LIBERDADE


Ninguém o pode prender psicologicamente.
Você já está preso.

 

O impulso de ser livre nasce da dor


A libertação de algo não é liberdade. Você está tentando ficar livre da ira; não digo que não se deva livrar da ira, mas digo que isso não é liberdade. Eu posso estar livre da ganância, da mesquinhez, da inveja, ou de uma dúzia de outras coisas e contudo não ser livre. A liberdade é uma qualidade da mente. Esta qualidade não ocorre através de pesquisas e inquirições muito cuidadosas e respeitáveis, através de análises muito cuidadosas ou coordenando ideias. Essa é a razão porque é importante ver a verdade de que a libertação que estamos constantemente exigindo é sempre de alguma coisa, como a libertação do sofrimento. Não que não haja libertação do sofrimento, mas a exigência de ficar livre dele é simplesmente uma reação e, portanto, não o liberta do sofrimento. Estou fazendo-me entender? Eu sofro por variadas razões, e digo que devo ficar livre. O impulso de ficar livre do sofrimento nasce da dor. Eu sofro, por causa do meu marido, ou do meu filho, ou outra coisa qualquer; não gosto desse estado em que estou e quero afastar-me dele. Esse desejo de libertação é uma reação, não é liberdade.
A percepção, a observação plena do ciúme e a libertação dele, não é uma questão de tempo, mas de dar atenção completa, consciência crítica, observando sem escolha, instantaneamente, todas as coisas conforme surgem. Então há a libertação – não no futuro, mas agora – disso a que chamamos de ciúme.
Isso se aplica igualmente à violência, à ira ou a outro hábito qualquer, quer você fume, beba ou tenha hábitos sexuais. Se os observarmos atentamente, completamente com o nosso coração e a nossa mente, ficamos inteligentemente conscientes de todo o seu conteúdo; então há liberdade. Uma vez que esta consciência esteja funcionando, então tudo o que surja – ira, ciúme, violência, brutalidade, matizes de duplo significado, inimizade, todas essas coisas podem ser observadas instantaneamente, completamente. Nisso há liberdade, e a coisa que estava ali cessa de existir. Portanto o passado não pode ser apagado pelo tempo. O tempo não é o caminho para a liberdade.

  A Liberdade é alcançada através do tempo?

A liberdade é alcançada através do tempo, através de um processo gradual? Eu não sou livre porque sou ansioso, sou temeroso, sou isto, sou aquilo, tenho medo da morte, tenho medo do meu vizinho, tenho medo de perder o meu emprego, tenho medo que o meu marido se volte contra mim – de todas as coisas que construímos pela vida a fora. Eu não sou livre. Posso ser livre livrando-me delas uma por uma, jogando-as fora, mas isso mais uma vez não é liberdade. A liberdade é alcançada através do tempo? Obviamente que não - porque no momento em que você introduz o tempo há um processo, você está escravizando-se cada vez mais. Se quiser libertar-me da violência gradualmente, através da prática da não violência, então na prática gradual estou sempre semeando as sementes da violência. Portanto estamos fazendo uma pergunta fundamental quando perguntamos se a liberdade é alcançada, ou antes, se surge através do tempo? A próxima pergunta é – podemos ter consciência dessa liberdade? Se dissermos, "Eu sou livre", então não o somos. Portanto a liberdade, a liberdade de que estamos falando, não é algo que resulte de um esforço consciente para alcançá-la. Por conseguinte ela reside para além de tudo, para além do campo da consciência, e não é uma questão de tempo.
 A liberdade de indagar
A liberdade implica, não é verdade, que não se deve seguir ninguém? Você tem que ser livre para inquirir, não aceitar, não confiar em um guia, um sistema, um salvador, um guru. Liberdade implica que você tenha a capacidade de investigar, não o que os outros dizem, mas investigar dentro de você mesmo, indagar, examinar toda a estrutura da mente humana – isto é, da nossa mente, da sua mente.
E qualquer forma de conformismo, imitação de acordo com um padrão, um molde, não permite a livre indagação. E aquilo que vamos falar exige que você seja livre para ouvir – não só a palavra mas também o significado da palavra, e que não seja escravo da palavra, que não aceite ou rejeite tudo o que o orador diz, , mas o ouça para descobrir.

 A liberdade não implica escolha

A liberdade não implica escolha. Pensamos que somos livres se pudermos escolher. Não sei se alguma vez você já investigou a questão da escolha. Tem uma vasta seleção à sua frente – os vários professores, yogis, filósofos, cientistas, psicólogos, analistas – bombardeando a sua mente, constantemente, dia sim dia não. E desta seleção você vai escolher quem você pensa que deve seguir, quem você pensa que deve ouvir…
E a sua escolha está baseada na sua confusão, naturalmente, de seguir, ouvir aquele mestre, aquele guru, aquele filósofo, portanto você começa a depender de si mesmo, pensando que é livre de escolher. O antecedente da escolha é invariavelmente a confusão. Não fica confuso quando escolhe? Não fica indeciso quando seleciona um entre todos esses? Portanto a sua escolha é essencialmente o resultado da confusão.
Nada é um obstáculo à liberdade
Interrogador: A grande parte da nossa vida diária é vivida ao nível unicamente factual, particularmente as crianças que aprendem os fatos na escola. Será esta atividade factual diária e necessária um obstáculo à liberdade psicológica?
Krishnamurti: Senhor, nada é um obstáculo à liberdade psicológica, nada! Um obstáculo só surge quando há uma resistência. Quando não existe nenhum tipo de resistência então não existe nenhum problema psicológico. Se tratar a vida diária, ganhar a vida, educar as crianças, a monotonia de tudo isso, a rotina, a tarefa diária de lavar os pratos, com resistência, como um impedimento, então ela torna-se um problema. Mas quando temos consciência de todo este processo de viver - com a sua rotina, com os seus hábitos, com a sua monotonia, com as suas ansiedades, pesares, medos, dominações, posses - quando temos consciência disso sem qualquer escolha (Você não pode fazer nada a respeito dessa chuva, ou do contorno daquelas colinas, e se conseguir olhar para a sua própria atividade da mesma maneira, tranquilamente, sem qualquer escolha, sem qualquer resistência), então não existe nenhum problema psicológico.
Como funcionar sem sermos escravos
A mente consciente é aquela que se ocupa com os acontecimentos diários da vida; é a mente que aprende, que se adapta, que adquire uma técnica, seja ela científica, médica ou burocrática. É a mente consciente do homem de negócios que se torna escrava do trabalho que ele deve fazer. A maioria das pessoas está ocupada das nove às cinco, quase todos os dias da sua existência, ganhando a vida; e quando a mente despende tanto da sua vida adquirindo e praticando uma técnica, seja ela a de um mecânico, de um cirurgião, de um engenheiro, de um homem de negócios, ou o que quiserem, naturalmente torna-se escrava dessa técnica. Penso que isso é razoavelmente óbvio. Tal como a dona de casa é escrava do lar, do marido, do cozinhar para os seus filhos, assim é o homem escravo do seu emprego; e são ambos escravos da tradição, do costume, do conhecimento, conclusões, crenças, das maneiras condicionadas do seu próprio pensar. E aceitamos esta escravidão como inevitável. Nunca indagamos para descobrir se conseguimos funcionar sem sermos escravos. Tendo aceitado a inevitabilidade de ganhar a vida, também aceitamos como inevitável a escravidão da mente, os seus medos, e assim fazemos girar a roda da nossa existência quotidiana.
Temos de viver neste mundo – essa é a única coisa inevitável na vida. E a questão é, certamente, se não podemos viver neste mundo com liberdade.
Se observar, você verá que a margem da liberdade está ficando muito, muito estreita; politicamente, religiosamente, tecnologicamente, as nossas mentes estão sendo moldadas, e a nossa vida diária vai perdendo essa qualidade de liberdade. Quanto mais civilizados ficamos, menos liberdade há. Não sei se reparou como a nossa civilização está transformando-nos em técnicos, e uma mente que é construída em volta de uma técnica não é uma mente livre. Uma mente que é moldada pela igreja, por dogmas, pela religião organizada não é uma mente livre. Uma mente obscurecida pelo conhecimento não é uma mente livre. Se observarmos a nós mesmos, em breve se torna óbvio que a nossa mente está sobrecarregada com conhecimento – sabemos tanta coisa. As nossas mentes estão restringidas pelas crenças e dogmas que as religiões organizadas do mundo inteiro nos impuseram. A nossa educação é amplamente um processo de adquirir mais técnica para ganharmos um meio de subsistência melhor, e tudo molda a nossa mente, todas as formas de influência nos direcionam, nos controlam. Assim vai ficando cada vez mais estreita a margem da liberdade.
 Liberdade é ordem
Liberdade é ordem – jamais é desordem – e temos de ter liberdade, completamente, tanto exteriormente como interiormente; sem liberdade não existe clareza; sem liberdade você não consegue amar; sem liberdade não se consegue encontrar a verdade; sem liberdade não se consegue ir para além da limitação da mente. Você tem de ter liberdade, e tem que exigi-la com todo o seu ser. Quando assim a exigir, descobrirá por si mesmo o que é a ordem – e ordem não é seguir um padrão, um plano; não é o resultado do hábito….
Sem liberdade só existe a desordem.


Arquivo de Citações Diárias de Krishnamurti : Liberdade
http://legacy.jkrishnamurti.org 
 

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