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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A   V   I   D   E   Z



De onde procede a avidez? Você poderia me dar algumas ferramentas para me auxiliar a lidar com isso?


Apenas entender a natureza da avidez é suficiente. Você não precisa fazer nada mais para se livrar dela; o próprio entendimento irá clarear toda a confusão.

O homem é completo quando ele está em sintonia com o universo; se ele não estiver em sintonia com o universo então ele fica vazio, completamente vazio. E dessa vacuidade procede a avidez. Avidez é para preencher isso: por dinheiro, por casas, por móveis, por amigos, por amantes – por qualquer coisa, porque não se pode viver no vazio. Isso é horrível, é uma vida fantasma. Se você estiver vazio e não houver nada dentro de você é impossível viver.

Para ter a sensação de que você tem muito dentro de você, só existem duas maneiras: ou você entra em sintonia com o universo... Assim você é preenchido pelo todo, com todas as flores e com todas as estrelas. Elas estão dentro de você assim como estão fora de você. Esse é o verdadeiro preenchimento. Porém, se você não fizer isso, e milhões de pessoas não estão fazendo isso, então a maneira mais fácil é preencher com qualquer entulho.

Eu costumava morar com um homem. Ele era rico e tinha uma linda casa. E de alguma maneira ele ficou interessado nas minhas ideias; ele escutou algumas de minhas palestras, e me convidou: “Por que viver tão longe, fora da cidade? Tenho uma bela casa na cidade e ela é tão grande; você pode usar metade da casa. E não vou cobrar nada de você, simplesmente quero a sua presença lá em minha casa”.

Eu estava morando fora, nas montanhas, era difícil vir de lá para a universidade. A casa dele ficava bem próxima da universidade. A casa tinha um belo jardim e situava-se na melhor parte da cidade, então aceitei o convite dele.

Mas quando entrei na casa não pude acreditar; ele tinha tanta coisa entulhada que não havia espaço para viver. A casa era grande, mas a coleção dele era maior... E uma coleção que era absolutamente estúpida. Qualquer coisa que ele encontrava no mercado ele comprava. 

Perguntei a ele: "O que você vai fazer com todas essas coisas?"

"A gente nunca sabe, algum dia pode-se precisar disso". Respondeu

“Mas”, eu disse, “Como é que a gente vai viver nessa casa?”  Tanta mobília de todas as épocas... Porque os Europeus quando deixaram o país tiveram que vender todas essas coisas.  Ele comprava qualquer coisa, coisas que ele não precisava. Um carro estava parado no pátio e ficava sempre parado porque era muito antigo, defeituoso. E perguntei para ele: “Porque você não joga isso fora? Pelo menos para limpar o lugar...”

Ele respondeu: “Ele fica bem no pátio”. Todos os pneus estavam furados; não tinham mais utilidade. Sempre que precisava movê-lo de um lado para o outro tinha que empurrá-lo. E tudo estava lá, apodrecendo. “Adquiri-o por um preço razoável. Ele pertencia a uma velha senhora que costumava ser uma enfermeira aqui e que voltou para a Inglaterra”.

Então lhe falei: “Se você estava interessado em comprar um carro, deveria pelo menos ter comprado um que funcionasse”. “Não estou interessado em movimento. Minha bicicleta está perfeitamente bem”. Ele respondeu de imediato. E a bicicleta dele era também uma maravilha. Você saberia que ele estava vindo a uma milha de distância; a bicicleta fazia tanto barulho... ela não tinha para-lamas, nem cobertura na corrente, devia ser uma bicicleta bem antiga... não tinha buzina. Ele acrescentou: “Não há necessidade de buzina. Ela faz tanto barulho que pelo menos uma milha adiante as pessoas vão abrindo caminho. E isso é uma coisa boa porque ela não pode ser roubada”.

Eu disse: “Isso é estranho. Por que não pode ser roubada?” Ele respondeu: “Ninguém mais pode andar nela. Ela já foi roubada duas vezes, e o ladrão foi pego imediatamente... porque ela faz tanto barulho, e todo mundo sabe que  é a minha bicicleta, então as pessoas pegaram o ladrão e perguntaram a ele, “Para onde você está levando a bicicleta?”

Continuou falando: “Posso deixá-la em qualquer lugar. Vou assistir a um filme – Eu não a coloco no estacionamento de bicicletas, porque então eu teria que pagar. Eu a deixo em qualquer local, e ela está sempre lá, quando retorno, ela está lá. Todo mundo sabe que ela é um problema. E mesmo que você a leve para sua casa você não pode circular com ela pela cidade – você será apanhado. Assim é melhor não se incomodar com isso”. E acrescentou: “Ela é um espécime raro”. Eu disse: “Da maneira que você a descreve, parece mesmo isso”.

E ele tinha todo tipo de coisas em sua casa… rádios quebrados, porque ele os adquiria baratos. Ele era um Jainista, mas tinha uma estátua quebrada de Jesus Cristo na cruz. Perguntei: “Para que você adquiriu isso?” “A mulher me deu isso de graça quando comprei o carro – ela me ofereceu como um presente. Não acredito em Jesus Cristo ou em qualquer outra coisa, mas não pude recusar uma obra de arte”- Respondeu

Eu disse a ele: “Doravante você leva essas coisas para a outra metade da casa, meu lado tem que ficar vazio”.

Ele ficou muito feliz em levar tudo. Sua casa já estava tão cheia que você não podia caminhar; você não podia achar seu caminho. Ele levou tudo. Ele tinha tantos tipos de móveis empilhados sobre o sofá, não eram usados, porque você não pode sentar num sofá que está tocando o teto. E perguntei:“Por que?”

Ele disse: “você não entende – o preço! E algum dia posso me casar” - ele não era casado – “e posso ter filhos e eles podem precisar de todas essas coisas. Não se preocupe, algum dia tudo será de alguma utilidade”.

Mesmo na estrada, se ele achasse alguma coisa largada lá por alguém, ele a apanharia. Um dia ele estava passeando comigo do jardim para a casa e ele encontrou um guidom de bicicleta e o apanhou. Eu perguntei: “O que você vai fazer com um guidom de bicicleta?”

Ele respondeu: “Você não compreende, vou lhe mostrar”. 

Acompanhei-o até seu banheiro e lá ele tinha quase uma bicicleta – poucas coisas estavam faltando. E ele disse: “Todas essas coisas apanhei na rua. E vou juntando-as aqui. Agora poucas coisas estão faltando. A corrente está faltando, a sela também não está lá, mas as conseguirei. Alguém vai jogá-las fora algum dia. A vida é longa, e qual é o problema? Isso parece perfeitamente bem no banheiro”.

Avidez significa simplesmente que você está sentindo um profundo vazio e você quer preenchê-lo com qualquer coisa possível; não importa o que seja. E uma vez compreendido isso, então você não tem mais nada a ver com a avidez. Você tem a ver com sua vinda para a comunhão com o todo, assim o vazio interior desaparece. E com isso, toda avidez desaparece. Isso não quer dizer que você começa a viver despido, isso simplesmente significa que você não vive mais só para acumular coisas. Sempre quando você necessitar de alguma coisa você pode consegui-la.

Contudo existem malucos por todo o mundo, e eles estão juntando... Alguém está juntando dinheiro embora nunca o use. Isso é estranho. Na comuna, tínhamos um adesivo para carros que dizia, “Moisés ganha, Jesus salva, Osho gasta”.

Uma coisa precisa ter uma utilidade; se não tem uma utilidade, então não há nenhuma necessidade disso.

Porém isso pode tomar qualquer rumo: pessoas estão comendo; elas não estão com fome, mesmo assim continuam engolindo. Elas sabem que isso vai gerar sofrimento, elas ficarão doentes, mas elas não conseguem parar a si mesmas. Esse comer também é um processo de preenchimento.

Assim pode haver muitas direções e muitas maneiras de preencher o vazio, embora ele nunca fique cheio, permanece vazio, e você permanece miserável porque nunca é o bastante. Mais é necessário, e o mais e a exigência por mais é interminável.

Não tenho a avidez como um desejo; é alguma doença existencial. Você não está em sintonia com o todo, e só essa sintonia com o todo pode lhe tornar saudável. Essa sintonia com o todo pode lhe tornar sagrado.

É estranho que a palavra (health) saúde e a palavra (holy) santo ambas vem de (wholeness) totalidade. Quando você se sente um com a totalidade toda avidez desaparece. Do contrário... O que as religiões estiveram fazendo? Eles interpretaram erroneamente a avidez como desejo, assim eles tentam reprimi-la: “Não sejam ávidos”. Então a pessoa se move para o outro extremo, para renunciar. Um acumula - o ávido – e a pessoa que quer se livrar da avidez começa a renunciar. Assim também não existe fim.

Mahavira nunca pôde reconhecer Gautama Buda como iluminado pela simples razão de que ele carrega três conjuntos de roupas – apenas três conjuntos de roupas, que são absolutamente necessárias. Uma você está usando, uma precisa ser lavada e outra para uma emergência... Algum dia as roupas podem não vir lavadas ou elas não estão secas ou está chovendo o dia todo. Assim três parece ser muito essencial... Uma emergência...

Mahavira é absolutamente contra a avidez. Agora, isso foi levado para uma forma extrema; ele está despido. Buda carrega uma tigela de mendigo. Mahavira não pode aceitar isso porque até mesmo uma tigela de mendigo é uma possessão, e um homem iluminado, de acordo com ele, não deve possuir nada. Uma tigela de mendigo... Ela é feita do coco. Você corta o coco no meio... E existem cocos especiais que são muito grandes. Você corta no meio, tira toda a carne da fruta fora, e então sobram duas tigelas, conchas duras. Essa é a coisa mais barata porque são jogadas fora; você não pode comê-las. Ter uma tigela de mendigo e dizer que isso é ser possessivo não está certo.

Mas quando você vê a avidez como um desejo e você fica teimoso, indo contra isso, então tudo é uma possessão. Mahavira vivia despido, e no lugar de uma tigela de mendigo ele costumava juntar suas duas mãos para fazer uma tigela. Agora isso era uma coisa muito difícil: suas duas mãos estão cheias de comida e ele tinha que comer exatamente como os animais, porque ele não pode usar as mãos – então ele tinha que usar a boca diretamente para pegar a comida das mãos.

Todo mundo come sentado. Mas a idéia de Mahavira é que quando você come sentado, você come mais. Agora isso vai para o extremo oposto. Assim ele estava ensinando para comer de pé – de pé, com a comida nas mãos; isso é uma coisa tão difícil. Você só pode comer uma vez, então tudo que possa caber em suas duas mãos de uma vez é uma refeição. Você tem que comê-la de pé, e tudo tem que estar junto, doce, salgado, e tudo misturado. Essa é a idéia de Mahavira de tornar a comida sem sabor, porque desfrutar do sabor é desfrutar do corpo, é desfrutar da matéria.

Para mim, avidez não é um desejo de maneira nenhuma. Então você não precisa fazer nada com a avidez. Você precisa entender o vazio que você está tentando preencher, e perguntar, “Porque estou vazio? Toda a existência é tão plena, porque estou vazio? Talvez eu tenha perdido a trilha; não estou mais me movendo na mesma direção, não sou mais existencial. Essa é a causa da minha vacuidade”.

Então seja existencial.

Relaxe, e aproxime-se da existência em silêncio e em paz, em meditação.

E um dia você verá que você está tão pleno – repleto, transbordando – de alegria, de contentamento, de bênçãos. Você tem tanto que você pode dar para o mundo todo e ainda assim não estará exaurido.

Nesse dia, pela primeira vez, você não irá sentir qualquer avidez – por dinheiro, por comida, por coisas, por nada. Você viverá naturalmente e tudo que for necessário você o terá. E você irá viver, não com uma avidez constante que não pode ser preenchida, uma ferida que não pode ser curada.


Osho, Beyond Psychology
https://www.osho.com

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