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domingo, 6 de janeiro de 2019

MOMENTOS DE REFLEXÃO
 
 
O amor e a solidão sempre andam juntos; 
não são dois contrários, mas como que 
dois reflexos de uma mesma luz que é viver...
 

Toda esperança nunca se realiza

Ora, há lição mais clara que esta: a de que toda esperança nunca se realiza? Muitas vezes por não ser satisfeita, e todos conhecem o sabor disso, que é de frustração. Mas também acontece, e não é coisa fácil de se viver, que uma esperança não se realiza por ter sido satisfeita, e temos então de constatar que sua satisfação não consegue nos dar a felicidade que dela esperávamos.

“Assim, nós nunca vivemos”, dizia Pascal, “nós esperamos viver...” E acrescentava: “De modo que, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca sejamos.”

É a grande lição de Buda: toda vida é dor, e dela só podemos nos libertar, como ele também ensina, se primeiro renunciarmos a nossas esperanças.


Renunciar a ser feliz
 
E vamos ao essencial. É o seguinte: a esperança da felicidade nos separa desta (“como eu seria feliz se...”) e nos condena à decepção, ao amargor, ao ressentimento, no que concerne ao passado, bem como à angústia, no que concerne ao futuro. Inversamente, quem renunciasse por completo a ser feliz por isso mesmo o seria, e só ele sem dúvida.


O espírito do Tao sopra aqui

A eternidade é o lugar de todos nós, e o único. Mas nossos discursos nos separam dela, bem como nossos desejos, bem como nossas esperanças... No fundo, só estamos separados da eternidade por nós mesmos. Daí essa simplicidade, quando o ego se dissolve: não há mais que tudo, e pouco importa então o nome (“Deus”, “Natureza”, “Ser”...) que alguns quererão lhe dar. Quando não há mais que tudo, para que as palavras, já que o tudo não tem nome? O espírito do Tao sopra aqui, e esta grande loucura do Oriente me importa mais do que nossas pequenas sabedorias... O silêncio e a eternidade andam juntos: nada a dizer, nada a explicar, já que tudo está presente.


Entregar-se à inesgotável simplicidade do devir.

É por isso que o real é simples, de uma simplicidade que não é a de uma ideia , mas a de uma singularidade nua e da identidade consigo. É quando tentamos reduzir essa riqueza e essa singularidade do diverso a nossos conceitos que tudo, de fato, se torna complicado: porque o real excede em toda parte o pouco dele que podemos pensar! Mais uma razão para não nos contentarmos com pensar e para aprender a ver, isto é, a se entregar, silenciosamente, à inesgotável simplicidade do devir.


Por que amar nas flores as flores que ainda não existem?

Por que só amar nas flores as flores que ainda não existem? Por que procurar nelas o que elas não são, por que sempre compará-las com outra coisa? Por que querer encerrar o real, a riqueza do real em nossas pobres abstrações? “O objeto”, “o sujeito”, você diz – conversa! Não há “objeto”, não há “sujeito”, não há “cor”, “perfume”, não há nem mesmo “rosa”! Tudo isso não passa de palavras, nossas pobres palavras, modestas ou grandiosas. Sei perfeitamente que não podemos prescindir delas, mas o real não tem o que fazer com elas.


Dignidade

"Se Deus não existe, tudo é permitido." (Dostoievski)

Dostoievski se engana: mesmo se Deus não existe, não é verdade que tudo é permitido. Porque - invisível ou não - eu não me permito tudo: tudo não seria digno de mim. Minha moral é essa dignidade, essa exigência.


A Sabedoria é um processo

A sabedoria não é um ideal a mais, ainda menos uma religião. A sabedoria é esta vida, tal como é, mas vivida em verdade. A sabedoria é o máximo de felicidade no máximo de lucidez. É menos um absoluto que um processo. Nós nos aproximamos da sabedoria cada vez que somos um pouco mais lúcidos sendo um pouco mais felizes, cada vez que somos um pouco mais felizes sendo um pouco mais lúcidos.

Não façamos da sabedoria uma esperança, um ideal que nos separaria do real. Compreendamos que a sabedoria - isto é, a vida (...) - é um processo, um esforço, como diria Spinoza, e, quando sentimos uma dor atroz, é perfeitamente sábio gritar atrozmente, como é sábio, quando gozamos, gozar divertida, alegremente.

Enquanto você fizer uma diferença entre a sabedoria e sua vida como ela é, você estará separado da sabedoria pela esperança que tem dela. Pare de acreditar nela: é uma maneira de se aproximar dela.


Sabedoria é amar a vida como ela é

A sabedoria não é outra vida, em que tudo de repente iria bem em seu casamento, em seu trabalho, na sociedade, mas outra maneira de viver esta vida, como ela é. Não se trata de esperar a sabedoria como outra vida; trata-se de amar esta vida como ela é - inclusive, insisto, dando-nos os meios, no que depende de nós, de transformá-la. O real é para pegar ou largar. A sabedoria está em pegá-lo: o sábio é parte ativa do universo.


Um Livro pode Mudar Uma Vida

Claro que um livro pode mudar uma vida! É inclusive sob essa única condição que, de fato, vale a pena ser lido ou ser escrito. (...) Um belo livro deve portanto nos desesperar(*) dos livros também. É o mais lindo presente que alguns grandes escritores me fizeram: eles me libertaram deles libertando-me de mim, ou me libertaram de mim, pelo menos um pouco, libertando-me deles... Sabe, quando o mar se retira na maré baixa e caminhamos ao longo da praia: aquela doçura súbita, aquela tranquilidade, aquela liberdade... Até parece que algo de nós se foi com ele, lá longe, nos deixou, e isso cria como que uma nova paz, uma nova leveza. A gente respira melhor. Anda melhor. Como a praia é grande! Como o céu é bonito! Estou nesse ponto: leio cada vez menos; passeio, descalço, na areia... Enfim, tento, e só gosto dos livros que me ajudam a fazê-lo.


Você Precisa ?

Sinceramente, será que você precisa acreditar em Deus para pensar que a sinceridade é melhor do que a mentira, que a coragem é melhor do que a covardia, que a generosidade é melhor do que o egoísmo, que a doçura e a compaixão são melhores do que a violência ou a crueldade, que a justiça é melhor que a injustiça, que o amor é melhor que o ódio? Claro que não! Se você acredita em Deus, você reconhece em Deus esses valores; ou, talvez, você reconhece Deus neles. É a figura tradicional: sua fé e sua fidelidade andam juntas, e não sou eu que vou criticá-lo por isso. Mas os que não têm fé, por que seriam incapazes de perceber a grandeza humana desses valores, sua importância, sua necessidade, sua fragilidade, sua urgência, e respeitá-los por isso?


Se Procurar

É por isso que é ingênuo, mas bom, "se procurar", como se diz.  Ingênuo: pois não há nada a encontrar.
Mas bom: pois é preciso tempo para compreendê-lo.


O mar Alto da Verdade

Pedagogia do deserto: criar o vazio em torno de si, para encontrá-lo em si. Não escutar mais ninguém, não dizer mais nada: escutar seu silêncio...

Mas esse silêncio, a verdade nua desse silêncio, é suportável? Podemos permanecer nele por muito tempo? Não sei. Muitos o alcançaram, depois voltam. Guardam dele aquela pouca bruma no fundo dos olhos, como velhos marinheiros, o sonho secreto das grandes viagens.

Mas os que não cedem, os que resistem, mesmo se não para sempre, mesmo se às vezes é preciso mudar de rumo, os que guardam em si, imenso e vazio, esse continente selvagem - a solidão - estes que navegam a favor do nada - estes, o que encontram?

Que mais encontrariam? No limite extremo do nada: o mar alto da verdade. É o mundo inteiro que se oferece (...) um universo em que a infelicidade não existe, nem a angústia, nem o medo: um universo sem esperança nem temor.


Os Viajantes do Nada

Esses viajantes do nada, esses exploradores do abismo, o que eles descobrem é a verdade do ser. Porque não há nada além disso. E lentamente, dificilmente, eles mudam. Sim: eles mudam.
 
Estes de que falo sabem desde há muito que não há nada a perder. Um mundo a ganhar, talvez, que está em mim - um mundo mas não o eu. E nada a perder, salvo nossas ilusões, salvo o louco labirinto de nossas quimeras.

A verdade é um céu aberto.


A Simplicidade

... tudo é divino para o simples. Mesmo o trabalho, mesmo o esforço. 'Não vos inquieteis com o dia seguinte, pois o amanhã se inquietará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio penar...' Não é proibido semear , nem colher. Mas por que se preocupar com a colheita, quando se semeia? Por que ter saudade da semeadura, quando se colhe?

A simplicidade é esquecimento de si, de seu orgulho e de seu medo: é quietude contra inquietude, alegria contra preocupação, ligeireza contra seriedade, espontaneidade contra reflexão, amor contra amor-próprio, verdade contra pretensão...

O simples não se leva nem a sério nem a trágico. Segue seu pequeno caminho de coração leve, alma em paz, sem objetivo, sem nostalgia, sem impaciência.  O mundo é seu reino, e lhe basta. O presente é sua eternidade, e o satisfaz. Nada tem a provar, pois não quer parecer nada. Nada tem a buscar, pois tudo está ali.

Há coisa mais simples que a simplicidade? Há coisa mais leve? Ela é a virtude dos sábios, e a sabedoria dos santos.
 
 
André Comte-Sponville
https://obudaemmim.blogspot.com 
 
 

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