VÍTIMA
Todo comportamento humano decorre da concepção que nós
temos da realidade. Existem dois polos distintos: nós e aquilo que nós somos,
nós e aquilo que nos cerca, nós e as outras pessoas. Nossa postura na vida
depende do modo como estabelecemos esta relação: a relação entre nós e os
outros, entre nós e os membros de nossa família, entre nós e os outros membros
de nossa sociedade, entre nós e as coisas, a relação entre nós e o trabalho,
entre nós e a realidade externa.
A nossa maneira de viver depende de como cada um de nós
interioriza a relação entre as duas partes da realidade, entre dois blocos. A da
realidade é uma das formas em que nós aprendemos a nos relacionar com os outros.
E a postura que designamos por vítima.
O que é a vítima? É a pessoa que se sente inferior à
realidade, é a pessoa que se sente esmagada pelo mundo externo, é a pessoa que
se sente desgraçada em face aos acontecimentos. É aquela que costuma ver a
realidade apenas em seus aspectos negativos. Ela sempre sabe o que não deve, o
que não pode, o que não dá certo. Ela consegue apenas ver a sombra da realidade,
em paralelo com a incrível capacidade para diagnosticar os problemas existentes.
Há nela uma incapacidade de procurar o caminho das soluções e neste sentido ela
transfere os seus problemas para os outros, transfere as circunstâncias para o
mundo exterior. Ela não assume a responsabilidade do que está acontecendo e não
assume a sua posição na vida, culpa os outros pelo que está acontecendo no seu
modo de encarar e perceber a vida.
Esta é a postura da justificativa. Justificar-se é o sinal de
que não queremos mudar para não assumir o erro, justificamo-nos, ou seja,
transformamos o que está errado em injusto. De justificativas em
justificativas, paralisamo-nos, impedindo-nos de crescer. A vítima é incompetente
na sua relação com o mundo externo. Enquanto colocarmos a responsabilidade total
de nossos problemas em outras pessoas e circunstâncias, tiraremos de nós mesmos
a possibilidade de crescimento, e em vez disso vamos procurar mudar as outras
pessoas.
Este tipo de postura provém do sentimento de solidão que impede a percepção de que somos responsáveis pela nossa vida. Por seus altos e
baixos, seu bem e seu mal, suas alegrias e tristezas. É quando nossa felicidade
se torna dependente da maneira como os outros agem. É quando condicionamos nossa
felicidade, paz interior, ao comportamento dos outros, à ação dos outros, quer
eles sejam nossos amigos, nossos filhos, nossos pais, nosso conjugue, nossos
colegas de trabalho, ou quaisquer outras pessoas que conosco se relacionem. E
como as pessoas não agem segundo o nosso padrão, sentimo-nos infelizes e
sofredores. Realmente a melhor maneira de sermos infelizes é acreditar que é à
outra pessoa que compete nos dar felicidade. E assim mascararmos nossa própria
vida, frente aos nossos problemas.
A postura de vítima é a máscara que usamos para não assumir a
realidade difícil, quando ela se apresenta. A falta de vontade de mudar e de
crescer da vítima é escondida sob a capa da pressão externa. Esta é uma das
maiores ilusões da nossa vida. Desejamos transferir para a realidade o que não
nos pertence sobre a qual não possuímos nenhum controle. As deficiências da
parte que nos cabe. Toda relação humana é bilateral, nós e a sociedade, nós e a
família, nós e o que nos cerca. O fato de um mundo externo apresentar
aspectos negativos não quer dizer que nós sejamos perfeitos e o fato de nós
possuirmos uma deficiência não significa que o outro também possua.
Essas duas
partes da mesma realidade não são antagônicas, não são uma simples relação
casual, e sim complementares e integradas. O maior mal que fazemos a nós mesmos
é usar a limitação de outras pessoas do nosso relacionamento para não aceitar
a nossa própria parte negativa, assim usamos o sistema como bode expiatório para
nossa acomodação no sofrimento.
A vítima é a pessoa que transformou a sua vida numa grande lamentação. Seu modo de agir e estar no mundo é sempre uma forma queixosa, opção
que é mais cômoda que uma solução. Para resolver seus problemas a vítima usa o
próprio sofrimento para controlar o sentimento alheio, ela se coloca como
dominada para dominar os sentimentos das outras pessoas.
O que mais caracteriza a vítima é a sua falta de vontade de
crescer. Sofrendo de uma doença chamada perfeccionismo, que é a não aceitação dos
erros humanos, a intolerância com a imperfeição humana, a vítima desiste do
próprio crescimento, ela se tortura com a ideia perfeccionista, com a imagem de
como deveria ser, e tortura os outros relativamente àquilo que eles
deveriam ser. Há na vítima uma tentativa de enquadrar o mundo no modelo ideal
que ela própria criou. E sempre que temos um modelo ideal na cabeça é para
evitar entrar em contato com a realidade.
A vítima não se relaciona com as
pessoas aceitando-as como são, e sim da maneira que ela gostaria que fossem. É
comum querermos que os outros sejam aquilo que não estamos conseguindo ser,
desejar que o marido, o filho, o amigo, sejam o que nós não somos. Colocar-se
como vítima é uma forma de se negar na relação humana.
Por esta postura não estamos presentes, não valemos nada.
Todavia as dificuldades e limitações do mundo externo estão presentes apenas como um desafio ao
nosso desenvolvimento se assumirmos o nosso espaço e estivermos presentes. E
assim quanto pior for o doente tanto mais competente deve ser o médico. Quanto
pior for um aluno mais competente deve ser o professor. Assim também quanto pior for o sistema, a sociedade que nos
cerca, mais competente devemos ser com pessoas que fazem parte desta sociedade.
Quanto pior for o nosso filho mais competentes devemos ser como pai ou mãe.
Quanto pior for nossa esposa mais competentes devemos ser como marido, quanto
pior for nosso marido mais competentes devemos ser como esposa. E assim por
diante. Desta forma estaremos aptos para buscar o crescimento e observar
as deficiências alheias como incentivo para a nossa mudança existencial.
Só podemos
crescer naquilo que nós somos, naquilo que nos pertence. A nossa fantasia está
em querer mudar o mundo inteiro. Para sermos felizes todos nós temos parte da
responsabilidade naquilo que está ocorrendo.
Antônio Roberto Soares
O possível qualquer pessoa comum pode fazer, entretanto, nós que 'sabemos' precisamos fazer o impossível. Chegou o momento de sermos super heróis, não nos quadrinhos mas na vida real. KyraKally
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