A COMPREENSÃO NÃO SURGE
ATRAVÉS DO ISOLAMENTO
É muito importante compreender todo o processo do nosso pensamento, e
essa compreensão não surge através do isolamento. Não existe uma vida
isolada. A compreensão do processo do nosso pensamento surge quando nos
observamos nos nossos relacionamentos diários, nas nossas atitudes, nas
nossas crenças, a maneira como falamos, a maneira como olhamos as
pessoas, a maneira como tratamos nossos maridos ou nossas esposas e
nossos filhos. O relacionamento é o espelho no qual se refletem os
processos do nosso pensamento. Nos fatos do relacionamento se encontra a verdade, não fora do relacionamento.
Não existe, é claro, a vida isolada. Podemos, cuidadosamente, eliminar
diversas formas de relacionamento físico, mas, ainda assim, a mente
permanecerá relacionada. A própria existência da mente implica
relacionamento, e o autoconhecimento advém de se enxergarem os fatos do
relacionamento tais como eles são, sem inventar, condenar ou justificar.
No relacionamento, a mente faz certas avaliações, julgamentos e
comparações; ela reage ao desafio de acordo com as várias formas de
recordação, e essa reação é chamada de pensamento. Você descobrirá que,
se a mente puder ao menos estar ciente de todo o processo, o pensamento
se imobiliza. A mente então fica bastante quieta, bastante silenciosa,
sem incentivo, sem movimento em qualquer direção, e, nessa quietude, a
realidade adquire existência.
A COMPREENSÃO DO PROCESSO TOTAL
DO NOSSO SER
Se estudam parte de um quadro, se
examinam só uma seção, um canto do mesmo, não veem o quadro inteiro. Se
víssemos o quadro todo e compreendessemos o que o artista deseja nos
transmitir, depois disso talvez fosse proveitoso estudar a parte, o
canto do quadro; todavia, se começarmos estudando o canto, o ângulo, em
vez do quadro inteiro, nesse caso nunca teremos a compreensão do seu
todo.
Este é um fato muito simples; isto é, se damos importância apenas
ao lado econômico do nosso viver total e aplicamos toda a nossa
inteligência, e nossos pensamentos, e nossa experiência à solução
econômica, perderemos de vista toda a luta humana, toda a existência do
homem, seus diferentes estados: psicológicos, físicos, interiores,
exteriores. E esse estudo da parte os levará à compreensão da totalidade
do homem? Como quase todos nós — os especialistas, os homens eruditos,
experientes, importantes — só nos mostramos interessados pela parte e
tratamos apenas de legislar para a parte, talvez alguma coisa nos esteja
escapando: o todo do homem, o todo da existência humana; e se
compreendessemos esse todo, encontraríamos, muito provavelmente, uma
solução diferente, uma resposta diferente, uma maneira mais rápida de
atender ao nosso problema econômico.
Aquela coisa que nos escapa é a
totalidade do meu ser e do ser de vocês; ela é composta de todas essas
partes, não é verdade? Eu sou o corpo, a roupa que visto, a fome, a
sede, exteriormente; e, interiormente, sou todos os desejos, todas as
ambições, as lutas psicológicas, as frustrações, os impulsos, a
compulsão para nos preencher, a buscar algo para além da mente; eu sou o
processo total de todas essas coisas, bem como vocês o são.
Não importa muito que nos ajudemos mutuamente a compreender o processo
total de vocês e de mim, e não nos limitemos a legislar para uma parte
de mim, uma camada de mim? Senhor, necessito de alimento, roupa e
morada, e vocês também; e necessitamos ainda de outra coisa, muito mais
fundamental. Queremos nos preencher, ser pintores, escritores, santos,
indivíduos prestantes, ou entes perversos; há o sentimento de ódio, da
ambição, da inveja; como podem deixar tudo isso à margem, para se
ocuparem só com uma particularidade, uma parte — ainda que seja uma
parte "glorificada" — e falarem a respeito dessa parte, e levarem a
efeito uma revolução? Minha existência não é um processo total, não
representa o processo total do meu ser em diferente níveis, tanto
conscientes como inconscientes? Não lhes cabe levar tudo isso em
consideração, não devem ter a visão do todo de si mesmo — e não de algum
Deus extraordinário?
O meu "eu" está em relação com o "eu" de todos os
demais homens; não existo independente deles, nem posso existir. O
processo total do "todo", de vocês e de mim, tem de ser compreendido. Se
tanto vocês como eu pudermos compreender o processo total do ser e
tivermos consideração e interesse pelo todo e não pela parte,
encontraremos então uma solução diferente para todos os nossos
problemas. Mas o encarecimento e a glorificação da parte não irá
resolver o problema do todo.
É tão mais fácil nos ocuparmos com a parte! Estamos interessados na
parte — o que indica nossa superficialidade, a pequenez de nossas
mentes. É só quando compreendemos o processo total do nosso ser, dia por
dia, em todas as nossas relações, que há a possibilidade de se
descobrir algo além dos limites da mente. Mas não podemos encontrar o
que se acha além da mente, pelo encarecimento da parte. E se não
descobrirmos o que existe além da mente, jamais teremos felicidade,
nunca terá paz a humanidade; a vida nos apresentará luta e sofrimento
sem fim.
Estes são fatos evidentes; não necessitam estudá-los nos
tratados de psicologia; não precisam fazer nenhum exame, não precisam
conhecer nenhuma técnica, para descobrirem o que existe na mente e no
coração de vocês, hora por hora, momento por momento, dia por dia,
requer-se tão somente vigilância e não que se siga um guru ou um
líder. Não se requer disciplina, mas o mero observar de coisas simples —
cólera, ciúme, desejo de preenchimento, desejo de adquirir, desejo de
ser poderoso.
Observem essas coisas, nas suas relações, na vida de cada
dia de vocês, e verão como funciona a totalidade do ser de vocês, verão
se são o centro e se, sem alteração fundamental, radical, do centro, é
possível efetuar-se uma revolução na periferia. Enquanto estivermos
lustrando o exterior — o que não significa que o exterior não deva ser
brilhante — esse modo de atender os nossos problemas não os resolverá.
Entretanto, se pudermos compreender o processo total do nosso ser, em
seguida, se possível, passar além e, daí, nos aplicarmos aos nossos
problemas, encontraremos então a solução correta. A solução não será
então uma causa de novos problemas, mais sofrimentos, mais aflições.
Jiddu Krishnamurti
Sempre observamos em volta ou de baixo por isso vemos muito pouco, o nosso entendimento é limitado como na imagem acima: veremos apenas o nosso reflexo. Precisamos nos elevar para enxergar mais amplamente, assim compreenderemos melhor. Quem se eleva está mais liberto de condicionamentos e para voar é necessário abandonar a bagagem. Precisamos estar prontos e despertos para isso. Estamos ? Desejamos ? Ou preferimos segurar apenas uma parte... é mais cômodo, não ? Entretanto, nunca obteremos aquela visão integral, aquela compreensão total! KyraKally
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