O cérebro só funciona no tempo e no espaço; toda filosofia é limitada
por esse condicionamento e as teorias e especulações são produzidas por
sua astúcia. Ainda que vá à Lua, explore o universo ou as profundezas da
terra, projete máquinas maravilhosas, o cérebro não tem como
libertar-se da mediocridade. É inútil qualquer tentativa de fuga dessa
mediocridade, pois que é fuga de si mesmo. Só lhe resta permanecer
completamente imóvel, o que não deve ser confundido com inércia ou
indolência. Essa imobilidade é a única maneira de preservar sua
sensibilidade. Na renúncia de si mesmo e na rejeição de suas atividades,
cessam suas habituais reações defensivas, bem como o vício de julgar,
condenar ou justificar. Pela compreensão de seus mecanismos, o cérebro
revela o que é: só um instrumento mecânico, calculista, inventivo,
funcional, repetitivo e imitador, embora de perfeição assombrosa. É
incapaz de qualquer ação ou reação ao tentar penetrar no mistério do
desconhecido. O conhecido é o seu elemento. O cérebro jamais conhecerá a
beleza da criação, pois a imensidão do indescritível somente se revela
quando o cérebro está totalmente imóvel, sem pensamentos e vazio,
‘morto’.
Sabemos sobre a atmosfera de Vênus, como montar computadores, mas nada
sabemos sobre nós mesmos. E ninguém pode nos ajudar nisso. A energia
necessária para a viagem ao nosso interior, só a teremos se abandonarmos
a crença de que a conseguiremos por meio de drogas, relação humana,
renúncia, sacrifícios, disciplinas, rituais, santos, deuses, preces,
promessas, gurus. É exatamente se abandonarmos tudo isso, se
compreendermos o mecanismo da fuga e do desejo, que aquela energia
penetra e vai além do consciente (como diz Benoit, estaremos salvos
quando abandonarmos todos os caminhos e todas as tentativas de nos
salvarmos).
É impossível adquirir essa energia acumulando conhecimentos a nosso
respeito, pois toda forma de acúmulo e apego a enfraquece e desvirtua.
Com o tempo, os conhecimentos tornam-se um fardo, limitando-nos e nos
aprisionando ao condicionamento; e, assim, deixamos de ser livres para
investigar. O aprender está no presente imediato; o saber, sempre no
passado. O desejo de acumular conhecimento impede o ato de aprender. O
conhecimento é estático, podendo só ser reduzido ou ampliado, enquanto o
aprender é dinâmico, não necessitando do processo de acumulação. O
saber é transitório; o aprender é infinito.
Todos nós somos o resultado final de centenas de séculos de existência
da humanidade, de suas esperanças, desejos, culpas e ansiedades, crenças
e deuses, preenchimentos e frustrações. Somos o acúmulo de tudo isso
até os dias de hoje. Aprender é vivenciar todos esses fatos, numa
experiência direta e sentida, no contato vivo, intenso, não teórico ou
verbal. No aprender não há aquele que aprende, pois esse só sabe
acumular conhecimentos. Da divisão ou separação entre aquele que aprende
e o objeto de seu aprendizado nasce o conflito, que dissipa a energia
necessária ao aprender de verdade. Escolha é conflito e impede a
percepção direta da verdade. O processo de aprender é interminável. Esse
é o fator primordial da existência, e não os fracassos, os êxitos ou
erros cometidos. Na percepção desse fato, livre de conclusões ou
teorias, dá-se o aprender de momento a momento.
O fundamental é o ato de ver e não aquele que vê, ou a coisa que é
vista. A consciência é limitada pelas muralhas feitas pela experiência,
pela memória, conhecimento, condicionamento e cultura social. Só
destruímos essas muralhas se aprendermos sobre esse condicionamento,
fato que coloca o pensamento e o sentimento nas suas funções específicas
e limitadas. Morto o ‘eu’, com seus desejos e exigências, alegrias e
tristezas, tem então início o deslumbrante e eterno movimento da vida.
Somente na humildade floresce a virtude. Mas, não a virtude da
moralidade que é mero ajustamento ao variável padrão de conduta social. A
moral vigente, aceita pela sociedade e pela igreja, que apregoam o seu
modelo, nega a virtude; é só observar com isenção para ver que isso é
verdade. Ligada ao desejo de recompensa ou medo de punição, ou ao
conformismo, essa moral é ensinada e praticada, modelando a sociedade,
pela influência e propaganda, responsáveis por inúmeros padrões de
conduta. Mas, a virtude não é produto do tempo ou de circunstâncias; não
pode ser cultivada e não admite controle ou disciplina. E´espontânea e
gratuita, e é impossível dar-lhe a marca da respeitabilidade, ou
dividi-la em amor fraternal, caridade, bondade etc. A virtude não é
produto do ambiente ou da cultura, nem da emoção, do sentimento ou do
esforço; nem da revolta contra a moral social porque, assim, será reação
do pensamento e mera continuidade modificada do que foi.
Se cultivada, a humildade torna-se orgulho disfarçado, na ânsia de vir a
ser respeitável. Do mesmo modo que é impossível ao ódio se transformar
em amor, é impossível à arrogância se transformar em humildade. Pelo
ideal da não-violência não se elimina a violência; esta simplesmente tem
de findar. A humildade não é um ideal a ser alcançado, pois todos os
ideais são falsos, sendo o fato a única verdade. A humildade não é o
oposto do orgulho; simplesmente, ela não tem oposto. Todos os opostos se
relacionam, mas nada há em comum entre humildade e orgulho. Este cessa,
não pela vontade, ou por disciplina ou desejo de lucro, mas na chama da
atenção, livre da contradição e da desordem causadas pela concentração.
Cessa o orgulho ao compreendermos sua atividade toda, observando
passivamente seus mínimos movimentos. Essa compreensão é do presente e
não pode ser exercitada, pois nesse caso seria esperteza do pensamento,
que é incapaz de produzir humildade. A atenção surge do silêncio e
produz sensibilidade e imobilidade do cérebro. O centro (o ego), que se
torna mais vivo e forte com a concentração e sua atividade exclusivista,
enfraquece e morre com a atenção. Do estado de atenção nascem a
humildade e as virtudes que, por sua vez, produzem amor e bondade.
Como é estranho o desejo de ter poder, mundano ou espiritual, o poder
do dinheiro, do prestígio, da competência, do conhecimento, do cargo.
Entretanto, quando alcançado, o poder sempre traz conflito, confusão e
sofrimento.Todos querem o poder e, para alcançá-lo, muitos não hesitam
em matar ou destruir-se uns aos outros. Os que buscam ou detêm o poder
da autoridade são por ele corrompidos. Assim, o poder exercido pelo
sacerdote, pela dona de casa, pelo santo, pelo político, pelo
administrador, pelo líder, é nocivo e prejudicial; apesar disso, ninguém
tem coragem de abandoná-lo.
Junto com o poder vêm a ambição, com o desejo de fama e de mais poder, a
crueldade, coisas que destroem o amor. O desejo de poder, exaltado pela
sociedade e até pela igreja, desvirtua o amor, estimula a inveja e a
competição, dando origem ao medo, ao conflito e ao sofrimento, mas
ninguém se atreve a questionar esses valores. A recusa a qualquer forma
de poder é o princípio da lucidez e da virtude, que eliminam todo
conflito e dor. Eliminado o desejo de poder, cessam a confusão, o
conflito e o sofrimento, e nos resta aquilo que somos: apenas um
amontoado de memórias e uma crescente solidão. O desejo de poder e de
fama não passa de fuga dessa solidão. Para superarmos isso, precisamos
ver o fato, enfrentá-lo, sem jamais contorná-lo mediante fugas ou
julgamento e condenações, ou pelo medo do que é (do que ele seja). Da
passiva observação sem escolha do fato, nasce uma nova realidade.
Precisamos de enorme energia para conviver com essa solidão, mas a
energia só vem quando já não existe o medo. Ao percebermos o porquê
dessa solidão, percebemos que nós somos a solidão, somos uma entidade
única; cessa de existir o observador separado da solidão. As diferentes
formas de fuga não mais nos atraem; percebemos que somos aquela solidão,
mas não sabemos como evitá-la ou preenchê-la. Nem o desespero, a
astúcia, a esperança, o cinismo, podem dominá-la. O cérebro não tem como
escapar, pois é ele mesmo que cria a solidão através da incessante
atividade de auto-isolamento, de defesa e agressão, atividade na qual
sempre está presente o medo. Quando tomamos consciência desse fato,
adotamos uma atitude de completa negação e passividade, e o cérebro
procura cessar suas atividades e permanecer em absoluta imobilidade.
Das cinzas da solidão surge o movimento peculiar de estar só, livre de
influências, de pressões, de toda forma de busca ou de realização. É a
morte do passado. Inicia-se, então, a deslumbrante viagem sem fim pelo
desconhecido. E, daquilo que é imensurável, brota a força pura da
sabedoria e da criação.
A compreensão só existe no presente; e pode mudar o curso de nossa
vida, nossa maneira de pensar e de agir. Deixada para depois, sofre a
interferência do ego e se desvirtua. Agradável ou não, a compreensão põe
em risco todas as nossas relações (anteriores), porque nos leva a uma
verdadeira mutação.
O cérebro é, basicamente, produto da especialização: engenheiro, padre,
cientista, advogado, fazendeiro, dona de casa, militar. Por ser incapaz
de ver o todo da vida (pois cada um só vê seu fragmento), é a origem de
todo conflito. Incapaz de ir além de seus próprios limites, de suas
ações nascem o status social, os privilégios, o poder e o prestígio, que
o cérebro cria para se proteger. O orgulho, a arrogância e a inveja,
decorrentes da eficiência em determinada função, tornam o homem
insensível e indiferente à totalidade da vida (pois ele só vê sua
parte), e o arrastam à competição, à desordem, à discórdia e,
finalmente, à infelicidade. Assim, a mente especializada é a origem de
todo conflito social.
A meditação é o desabrochar do entendimento. Ela nega o lento e gradual
processo da acumulação de conhecimentos, e pode modificar totalmente
nossa vida. Por isso, é motivo de medo, seja ele consciente ou
inconsciente.
O especialista é incapaz de imaginar o todo; vive para sua
especialidade, condicionado para ser religioso ou técnico, esportista ou
político. O talento, a aptidão e a competência fortalecem o ego e sua
ação é sempre fragmentada e conflitante. A vida do homem só tem
significado quando a mente compreende a vida como um todo. Acreditar que
a vida se resume na fragmentada e estreita luta pelo pão, no bem-estar
próprio e dos familiares, nos prazeres do sexo, da riqueza, do poder, é
gerar frustração e, com esta, desespero e sofrimento.
É a mente que contém o cérebro, e não o contrário, e só a mente pode
compreender o todo. A capacidade de ver o todo decorre do ato de negar.
Deve ser espontânea a imobilidade do cérebro, pois qualquer espécie de
esforço concorre para destruí-lo através da imitação e do conformismo.
Do estado de negação surge a passiva imobilidade do cérebro que, então,
se torna capaz de perceber o todo; nesse estado, de pura percepção, não
existe aquele que experimenta, o observador; só existe o ver (o
perceber). Então, a mente está desperta, livre da contradição e do
conflito gerados pela divisão entre pensador e pensamento (observador e
coisa observada). Toda forma de busca e de exigência deve findar para
que o desconhecido possa surgir.
“Atravessamos a praça e penetramos numa rua estreita e sem movimento,
Subitamente, na penumbra da travessa mal iluminada, nosso corpo e
cérebro foram imobilizados pela beleza e suavidade daquela coisa
singular que apareceu. Sua forte presença manifestava-se intensamente,
penetrante e solícita. Lucidez e alegria extraordinárias invadiram nosso
ser, durante o tempo necessário para percorrer aquela viela, após o que
nos vimos envolvidos pelo tráfego ruidoso e pela multidão irrequieta.
Era o êxtase absoluto, livre do pensamento e da imaginação”.
http://obuscadordedeus.blogspot.com
"Somos todos visitantes deste tempo e deste lugar. Estamos só de passagem. Nosso objetivo é observar, crescer, amar e viver em união com tudo e todos. E depois vamos para casa!"
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quarta-feira, 10 de novembro de 2021
Livre
do tempo, o que resta é o presente imediato, a vida no agora. Daí nasce
o estado de atenção, que nos leva para além dos limites do pensamento e
do sentimento. E a vida está sempre no presente, no agora. Isso, sim, é
que é imortalidade, não a vida dentro dos limites da consciência.
Quando o tempo deixa de existir, desaparecem os sofrimentos e os
conflitos produzidos pelo processo de pensar e de sentir.
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