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quinta-feira, 28 de junho de 2018

O QUE É MORTE ?



“O que é morte?” Esta é uma pergunta para os jovens e para os idosos, assim, por favor, faça a pergunta a si mesmo. A morte é meramente o fim do organismo físico? É disso que temos medo? É o corpo que queremos que continue? Ou é alguma outra forma de continuidade que ansiamos? Todos nós percebemos que o corpo, a entidade física se deteriora pelo uso, pelas variadas pressões, influências, conflitos, impulsos, exigências, sofrimentos.

Alguns provavelmente gostariam que o corpo pudesse continuar por 150 anos ou mais, e talvez os médicos e cientistas juntos finalmente encontrem um modo de prolongar a agonia em que a maioria de nós vive. Mas, mais cedo ou mais tarde o corpo morre, o organismo físico chega ao fim. Como qualquer máquina, ele finalmente se acaba. Para a maioria de nós, a morte é alguma coisa mais profunda do que o fim do corpo, e todas as religiões prometem algum tipo de vida depois da morte.

Ansiamos por continuidade, queremos estar seguros de que alguma coisa continuará quando o corpo morrer. Esperamos que a psique, o “eu” – o “eu” que experimentou, lutou, adquiriu, aprendeu, sofreu, gozou; o “eu” que no ocidente chamamos de alma, e no oriente de outro nome – continuará. Então estamos mesmo preocupados com a continuidade, não com a morte. Não queremos saber o que a morte é; não queremos conhecer o extraordinário milagre, a beleza, a profundeza, a vastidão da morte. Não queremos investigar esta coisa que não conhecemos. Tudo que queremos é continuar. Nós dizemos, “Eu que vivi por quarenta, sessenta, oitenta anos; eu que tenho uma casa, uma família, filhos e netos; eu que fui ao escritório dia após dia durante muitos anos; eu que tive disputas, apetites sexuais – quero continuar vivendo”. É só nisso que estamos interessados. Sabemos que existe a morte, que o fim do corpo físico é inevitável, e então dizemos, “Tenho que estar certo da continuidade de mim mesmo depois da morte”.

Então temos crenças, dogmas, ressurreição, reencarnação – milhares de maneiras de fugir da realidade da morte; e quando temos uma guerra, colocamos cruzes para os pobres companheiros que foram mortos. Este tipo de coisa vem acontecendo durante milênios.

Por que temos medo de morrer?

Você sabe o que significa buscar a permanência? Significa desejar que as coisas agradáveis durem eternamente, e as desagradáveis terminem o mais rápido possível Desejamos que nosso nome se torne famoso e tenha continuidade em nossa família e em nossos bens materiais; queremos o sentimento de permanência em nossas relações e atividades; e tudo isso significa que desejamos uma existência duradoura, contínua, em nosso fosso estagnado; lá, não queremos verdadeiras mudanças e, assim, edificamos uma sociedade que nos garante a permanência de nossos bens, nosso nome, nossa fama.

Mas, veja, a vida de modo algum é assim; a vida não é permanente. Como as folhas que caem da árvore, todas as coisas são impermanentes, nada perdura; há sempre mutação e morte. Você já observou uma árvore nua, desenhada contra o céu? Em seus galhos bem delineados, em sua nudez, há um poema, uma canção. Foram-se todas as suas folhas, e ela aguarda a primavera. Com a vinda da primavera, de novo se enche a árvore com a música de suas folhas que, na estação própria, caem e são levadas pelo vento. Assim também é a vida.

Mas nós não a queremos assim. Apegamos-nos aos nossos filhos, nossas tradições, nossa sociedade e nossas insignificantes virtudes, porque desejamos permanência; por isso é que temos medo de morrer. Tememos perder as coisas que conhecemos. Mas a vida não é como desejamos; a vida em coisa nenhuma é permanente. Os pássaros morem, a neve derrete, as árvores são abatidas pelo homem ou destruídas pelas tempestades, e assim por diante. Mas, queremos que perdure a nossa posição, a autoridade que sobre outros exercemos. Recusamo-nos a aceitar a vida como efetivamente é.

O fato é que a vida é como o rio: eternamente em movimento, perenemente buscando, explorando, impelindo, transbordando, penetrando todas as frestas com sua água. Mas, veja, a mente não quer que assim aconteça. Percebe que é perigoso, arriscado, viver num estado de impermanência, de insegurança e, por conseguinte, constrói uma muralha em torno de si própria: a muralha da tradição, da religião organizada, das teorias políticas e sociais. Família, nome, bens materiais — tudo isso se encontra atrás das muralhas, separado da vida. A vida, que é movimento, impermanência, procura incessantemente penetrar, demolir essas muralhas, atrás das quais só há confusão e angústia. Os deuses que moram atrás das muralhas são falsos deuses, e suas escrituras e filosofias são sem significação, porque a vida as excede.

Ora, para a mente que não tem muralhas, que não está pesada de aquisições, acumulações, conhecimentos, para a mente que vive fora do tempo, na insegurança, para essa mente a vida é uma coisa maravilhosa. Essa mente é a própria vida, porque a vida não tem pouso. Mas, quase todos nós queremos um pouso, uma pequena casa, um nome, uma posição, e consideramos essas coisas muito importantes. Exigimos permanência, e criamos uma “cultura” baseada nessa permanência, inventamos deuses que não são deuses, mas, tão só, “projeções” de nossos próprios desejos.

A mente que busca a permanência depressa se estagna; como a vala ao lado do rio, depressa se enche de corrupção, deterioração. Só a mente que não tem muralhas, que não tem ponto de apoio, não tem barreira, não tem pouso, que se move, toda inteira, com a vida, eternamente ousando, explorando, “explodindo” — só essa mente pode ser feliz, eternamente nova, porque ela é essencialmente criadora.
 
Entende o que estou dizendo? Você deve compreendê-lo, porque faz parte da verdadeira educação e, quando o compreender, sua vida será completamente transformada, suas relações com o mundo, com o próximo, com seu cônjuge, terão significado de todo diferente. Você já não tentará, então, preencher-se com coisa alguma, porque perceberá que a busca de preenchimento só atrai sofrimento e confusão. Por essa razão, você deve perguntar aos seus mestres sobre tudo isso, e discuti-lo também entre vocês. Se você o compreende, terá começado a compreender essa verdade extraordinária que é a vida, e nessa compreensão encontra-se grande beleza e amor, o florescimento da bondade. Mas, os esforços da mente que busca um fosso de segurança, de permanência, só podem conduzir à treva e à corrupção. Uma vez instalada naquele fosso, a mente teme aventurar-se fora dele, para buscar, explorar; mas a Verdade, Deus, a Realidade — ou o nome que você quiser — encontra-se além dos limites do fosso.

Você sabe o que é religião? Não é o cântico, não é a execução de rituais, não é a adoração de deuses de lata ou imagens de pedra; ela não se encontra nos templos e igrejas, nem na leitura da Bíblia ou do Gita; não é a repetição de um nome sagrado ou o seguir de qualquer outra superstição inventada pelos homens. Nada disso é religião.
 
Religião é o sentimento da bondade, daquele amor semelhante ao rio — que é um movimento vivo, eterno. Naquele estado, você verá chegar um momento em que não haverá busca de espécie alguma; e esse findar da busca é o começo de algo totalmente novo. A busca de Deus, da Verdade, o sentimento de se ser integralmente bom (não o cultivo da bondade, da humildade, porém o buscar, além das invenções e dos artifícios da mente, uma certa coisa — e isso significa ser sensível a essa coisa, viver nela, sê-la) isso que é a verdadeira religião. Mas nada disso lhe será possível se você não abandonar o fosso que você cavou para si mesmo, e entrar no rio da vida. A vida cuidará então de você, de uma maneira surpreendente, pois, de sua parte, nada haverá para cuidar. A vida, então, lhe levará aonde lhe aprouver, porque você será uma parte dela; não haverá mais problemas concernentes à segurança ou ao que “os outros” digam ou não digam. E esta é que é a beleza da vida.


Krishnamurti
http://pensarcompulsivo.blogspot.com
 

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