Translate

sábado, 9 de junho de 2018

ENTRE A CURVA E A RETA 
 
 
 
Colocou Deus o homem no início da grande jornada – e mostrou-lhe o termo longínquo a atingir. Dois caminhos havia que levavam à meta final – a reta e a curva. A linha reta da inocência – e a linha curva da culpa e da redenção. Desprezou o homem a reta – e preferiu a curva, afastando-se de Deus... Podendo ser suavemente feliz pelo conhecimento da “árvore da vida” – quis ser amargamente infeliz pelo conhecimento da “árvore do bem e do mal”. Conhecedor da face luminosa da vida – quis conhecer-lhe o tenebroso reverso, para amar tanto mais a luz depois de conhecer as trevas. Mas tão grande é o poder de Deus que pode dar ao homem plena liberdade para abrir ao máximo a grande parábola dos seus desvarios – na certeza de que acabaria por fechá-la, um dia, pela compreensão. Pode a divina potência fazer com que o homem queira livremente o que nem à força queria. Todas as águas partem do mar – e todas as águas voltam ao mar... Quem julgaria possível que as águas que, em estado vaporoso, sobem do seio do mar, tangidas por todos os setores do universo, voltassem um dia a sua origem? Essas torrentes, esses rios, esses arroios, essas pequeninas fontes? Entre esses dois polos, a ida e a volta, identificados num oceano, ficam Alpes e Pirineus, Andes e Himalaias, Etnas e Vesúvios, Chimborazos e Everestes, Saaras e Sibérias; ficam esses milhares de quilômetros que vão das nascentes aos estuários do Amazonas, do Nilo, do Mississipi, do Reno, do Danúbio, do Ganges, do São Francisco, do La Plata, de todos os gigantes e pigmeus do elemento líquido. Quem fixar os olhos nessas distâncias enormes, nesses obstáculos, dificilmente crerá numa só água e num só oceano. 
 
E quem conhece a história da humanidade, esse drama multimilenar de erros e aberrações – como poderia convencer-se da fusão harmônica de todas as desarmonias? E, no entanto, exige a majestade de Deus essa harmonia final. Não pode o Eterno assistir à ruína da sua obra. Não chamaria o Ser poderoso, sábio e bom, à existência um mundo de seres, na previsão certa de que ele falharia o seu verdadeiro destino. Quando a humanidade tiver percorrido toda essa vasta trajetória dos seus desvarios, todos os espaços noturnos do erro, do pecado, da rebeldia, do orgulho, da luxúria, da iniquidade sob todos os aspectos – então entrará em si e dirá: “Voltarei à casa de meu pais”... E, convencido da impossibilidade duma ego-redenção, na certeza de que a torre de Babel do seu orgulho nunca atingirá o céu das suas saudades – começará o homem a fechar a grande curva da culpa pela sincera conversão dos seus desvarios... As próprias sombras do mal são obrigadas a cantar as grandezas de Deus, no gigantesco painel do Universo... O felix culpa! 
 
 
Huberto Rohden
 Slide Share
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário