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quinta-feira, 14 de junho de 2018

COMPREENDER O SOFRIMENTO
É VIVER COM ELE


"Esse sofrimento, essa dor é apenas 
um bom sinal de que você está próximo 
de um novo nascimento, porque todo nascimento é precedido pela dor".
(Osho)

Última Parte


PERGUNTA: O bom humor é uma fuga ao sofrimento? E se sofremos, não por nós mesmos, mas por outro?

KRISHNAMURTI: Antes de examinar esta pergunta, consideremos a anterior: "O bom-humor é uma fuga ao sofrimento?". Se podeis rir-vos de vosso sofrimento, isso é fuga? Há essa coisa terrível que chamamos "sofrimento"; e percebeis a que a reduzistes com vossa pergunta? Quando em sofrimento, talvez possais rir-vos disso, mas o sofrimento continua existente. Vê-se sofrimento, tortura, por todo o mundo: o tormento de não ter o que comer, de temer a morte, de ver e invejar o rico que passa em seu luxuoso carro, a brutalidade, a tirania existente no Oriente, etc. etc. Podeis rir-vos disso? Quer-me parecer que não estais verdadeiramente apercebidos de vosso próprio sofrimento.

A segunda pergunta é: Que dizer do pesar que sentimos pelo sofrimento de outrem? Quando vedes alguém a sofrer, não sofreis também? Quando vedes um cego, um homem que não tem o que comer ou não tem quem o ame, todo envolvido em agonia, luta, confusão, não sofreis com ele? Sei que é coisa sancionada, tradicional, respeitável, o dizer: "Eu sofro juntamente convosco". Mas, porque deveis sofrer? Se tendes pouco, dais desse pouco. Dais vossa compaixão, vossa afeição, vosso amor. Mas, porque sofrer? Se meu filho contrai poliomielite e está à morte, porque devo sofrer? Sei que isso vos parecerá terrivelmente cruel. Se fiz todo o possível por alguém, se lhe dei meu amor, minha compaixão, trouxe-lhe o médico, forneci-lhe os remédios, se fiz sacrifícios (trata-se realmente de "sacrifício"? É esta a palavra justa?), se fiz tudo o que pude, porque devo sofrer? Quando sofro por alguém, isso é sofrimento? Refleti nisto, profundamente; não aceiteis simplesmente o que estou dizendo. Quem vai à Índia e a outros lugares do Oriente, vê imensa pobreza — pobreza de que não se faz a mais ligeira ideia no Ocidente. Quando anda pelas ruas, roça com pessoas cobertas de lepra ou portadoras de outras doenças. Pode uma pessoa fazer tudo o que estiver a seu alcance, mas que necessidade tem de sofrer? O amor sofre? Oh! deveis considerar bem tudo isso. O amor, decerto, nunca sofre.

 
PERGUNTA: Pode o sofrimento profundo transformar-se em profunda alegria?

KRISHNAMURTI: Podeis fazer uma tal pergunta, quando estais sofrendo? Dizei-me, por favor, de que estais falando?

INTERROGANTE: Falo do sofrimento transformar-se, por si mesmo, em alegria. 
 
KRISHNAMURTI: Se o sofrimento se transforma em alegria, em que ficais, no final de tudo? Senhor, certas pessoas — feliz ou infelizmente — me vêm ouvindo há quarenta anos, o conheço bem tais pessoas. Temo-nos encontrado aqui e ali, através dos anos. Eu sofro porque elas não têm compreensão? Continuam a fazer perguntas relativas à autoridade, à expressão pessoal, a respeito de Deus — sabeis quantas puerilidades se perguntam. E eu sofro por isso? Sofreria, se dessas pessoas esperasse alguma coisa; ver-me-ia desapontado se me tivesse colocado na situação de assim me sentir, isto é, de considerar-me um homem que está dando algo a outro homem. Espero estejais compreendendo o que quero dizer. Notai, por favor, que o importante não é transformar sofrimento em alegria, ou se o sofrimento pode transformar-se em alegria, ou se devemos sofrer quando vemos outros sofrendo — todas estas questões nenhuma importância têm. O importante é compreenderdes vós mesmo o sofrimento, extinguindo-o assim. Só então, descobrireis o que existe além do sofrimento. De outro modo, ficareis como quem está deste lado da montanha a especular sobre o que existirá do outro lado. Estais apenas a falar, adivinhar. Não atacais o problema, não o enfrentais, não penetrais fundo em vós mesmo, para observar, investigar, compreender; e não o fazeis porque isso, em verdade, significaria que teríeis de abandonar muitas coisas — vossas ideias favoritas, vossas tradicionais, respeitáveis reações. 
 
INTERROGANTE: A gente sofre com a impossibilidade de socorrer a outrem?
 
KRISHNAMURTI: Se podeis socorrer alguém, material ou economicamente, fazei-lo, e está acabado. Mas, porque sofreis, se não podeis fazê-lo? Se vós mesmo não resolvestes o problema básico, quem sois vós para "socorrer" a outrem? Os sacerdotes, em todo o mundo, estão "socorrendo" os outros — e isso significa o quê? Que estão ajudando a condicionar outros em conformidade com suas próprias crenças e dogmas. Dar de comer, desinteressadamente, aos que têm fome, criar uma comunidade melhor, um mundo melhor — isto é ajuda. Mas dizer-se a outro: "Eu te ajudarei psicologicamente" — que presunção! Quem sois, psicologicamente, para socorrer a outro? Deixai isso aos comunistas, que pensam ser a Providência e ter o poder de ditar a milhões de indivíduos o que devem fazer. Mas, porque deveis sofrer, se não podeis socorrer a outrem? Fazeis tudo o que podeis, que pode não ser muito, para ajudar ou socorrer; mas, porque passar pela tortura do sofrimento? Oh! não estais percebendo, não aprofundastes deveras o problema real.

 
PERGUNTA: Percebo que, para libertar-se completamente do sofrimento, a pessoa tem de estar totalmente vigilante, plenamente atenta, a todas as horas. Tenho raros momentos de lucidez total, mas no tempo restante vejo-me aprisionado num estado de desatenção: É este meu destino para o resto da vida e, portanto, nunca terei possibilidade de libertar-me do sofrimento?  
 
KRISHNAMURTI: Como diz o interrogante, estar livre do sofrimento é estar totalmente atento. A atenção, em si mesma, é virtude. Mas, infelizmente, não posso estar sempre atento. Estou atento hoje, mas amanhã não estou, e torno a ficar atento depois de amanhã. Durante o período intermediário estou desatento, e ocorrem atividades de toda ordem, das quais não estou plenamente apercebido. Assim, o interrogante indaga: "Vejo-me aprisionado num estado de desatenção, e significa isso que estou condenado a nunca ficar livre do sofrimento?"

Ora, senhor, a ideia de ficar livre para sempre, supõe o tempo, não? Dizemos, "Não sou livre agora, mas, se me tornar atento, serei livre, e eu desejo que essa liberdade perdure até o fim de meus dias". Estamos, assim, interessados na continuidade da atenção. Dizemos: "De alguma maneira devo estar sempre atento, porque, do contrário, estarei sempre em sofrimento". Desejamos que esse estado de atenção prossiga, dia após dia.

Ora, que é que continua? Que é que tem continuidade? Não me respondais, por favor; escutai, apenas, por alguns minutos, e vereis algo extraordinário. Que é que tem continuidade? Por certo, é quando penso numa coisa, agradável ou dolorosa, que ela tem continuidade. Compreendeis? Quando penso num prazer ou numa dor, meu pensar a respeito disso lhe dá continuidade. Se gosto de vós, penso em vós, e meu pensar em vós dá continuidade à imagem aprazível que de vós formei; assim, pela continuidade do pensamento, da associação, da memória, minha reação relativa à vossa pessoa, se torna mecânica, não é verdade? É como a reação do computador, que responde na base da "memória", da associação, na base de uma imensa quantidade de dados armazenados.

Ora, com essa mesma mentalidade, dizemos: "Devo manter a continuidade da atenção". Estais seguindo, senhor? Mas, se vemos o que está implicado tanto na atenção como na continuidade, nunca juntaremos as duas coisas. Não sei se compreendestes o que estou tentando transmitir. O erro que estamos cometendo é o de relacionar a continuidade com a atenção. Desejamos que o estado de atenção tenha continuidade; mas o que terá continuidade será o nosso pensamento relativo a esse estado, e, por conseguinte, isso não será atenção. E o pensamento que dá continuidade a isso que chamamos "atenção"; mas, quando o pensamento dá continuidade à atenção, não há o estado de atenção. Se a isso aplicardes, por inteiro, a vossa mente, e o compreenderdes, descobrireis um peculiar estado de atenção sem continuidade, fora do tempo.

 
PERGUNTA: Até que ponto é atenuado o sofrimento pela aceitação dele?
 
KRISHNAMURTI: Porque devo aceitar o sofrimento? Isso é apenas uma outra atividade superficial da mente. Não desejo aceitar o sofrimento, nem atenuá-lo, nem fugir a ele. Quero compreendê-lo, ver o que significa, conhecer-lhe a beleza, a fealdade, a prodigiosa vitalidade. Não desejo convertê-lo numa coisa que ele não é. Aceitando o sofrimento ou dele fugindo, ou, ainda, dele me abeirando com um conceito, uma fórmula, não estou em contato com ele. Assim, a mente que deseja compreender o sofrimento, nada pode fazer em relação a ele; não pode transformar o sofrimento ou amenizá-lo. Para ficardes livre do sofrimento, nada deveis fazer em relação a ele. E porque sempre estamos fazendo alguma coisa, em relação ao sofrimento, que ainda nos encontramos neste estado.
 
 
Krishnamurti em, Experimente um novo caminho http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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