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quarta-feira, 27 de junho de 2018

O MAIOR PROBLEMA 
DO HOMEM

Última Parte


Como se pode ver alguma coisa claramente — as árvores e as estrelas, o mundo e a sociedade que o homem criou e que são vós mesmos — se não há liberdade? Se, abeirando-vos desta questão, a olhais com uma ideia, uma ideologia, com medo, com esperança, com ansiedade, "sentimentos de culpa" e as respectivas agonias — é óbvio que não podeis ver claramente.
 
Se vedes tão claramente como o orador a importância de um indivíduo ser completamente livre — livre do medo, do ciúme, da ansiedade; livre do medo da morte e do medo de não ser amado do medo da solidão e do medo de não conseguir livre de todos os temores — se é este, para central, podemos então partir daí. A libertação total é o único problema da existência humana, pois o homem vem buscando a liberdade desde o começo dos tempos, embora dizendo "só há liberdade no céu, e não na Terra". Cada grupo, cada comunidade tem uma diferente ideologia acerca da liberdade. Rejeitando e lançando para o lado todas as ideologias, perguntamos se, vivendo agora neste mundo, temos possibilidade de ser livres. Se vós e eu percebemos ser este o único desafio de nossa vida, podemos então começar a descobrir por nós mesmos de que maneira irmos ao seu encontro, olhá-lo, entrar em contato com ele. Podemos começar deste ponto?
 
Em primeiro lugar, temos de seguir algum sistema ou método, para alcançarmos a liberdade? Pensai bem nisso, senhores. Toda gente diz que há um método: fazer "isto", fazer "aquilo", seguir "este" guru, seguir "este caminho", meditar "desta" maneira — um sistema, um método de alcançar o alvo gradualmente, passo a passo, um molde a que devemos adaptar-nos, para, no fim, termos aquela extraordinária liberdade que todos os sistemas prometem. É esta, pois, a primeira coisa que devemos investigar, não verbalmente, mas realmente, e, se ela não for verdadeira, nunca mais, em circunstância alguma, aceitarmos qualquer sistema, método ou disciplina. Vede, por favor, a importância destas palavras: todo sistema implica a aceitação de uma autoridade que vos dá o sistema; e a observância desse sistema exige disciplina, a contínua repetição da mesma coisa, a repressão de vossas próprias necessidades e reações, a fim de serdes livre.
 
Existe alguma verdade nesta ideia de sistemas? Prestai toda a atenção a isto, tanto interior como exteriormente. Os comunistas prometem a Utopia, e o guru, o instrutor, o "salvador" diz: "Faça isto". Vede o que isso implica. Não desejo tornar o assunto complicado demais, logo de início (pois ele se tornará bem complexo, à medida que formos prosseguindo), mas, se aceitais um sistema, seja numa escola, seja na política, seja interiormente, então não há possibilidade de aprender, não há possibilidade de comunicação direta entre o mestre e o aluno. Mas, quando não há distância entre o professor e o estudante, ambos estão examinando, raciocinando juntos e há liberdade para olhar e aprender. Se aceitais um regime rigoroso imposto por algum infeliz guru (eles estão muito em voga, atualmente, no mundo inteiro) e seguis esse regime, que está sucedendo realmente? Estais destruindo a vós mesmos, a fim de alcançardes a liberdade prometida por outro indivíduo; estais entregando-vos completamente a uma coisa que pode ser totalmente falsa, totalmente estúpida e irreal. Vejamos, pois, logo no começo, bem claramente, essa coisa; se a virdes com clareza, a abandonareis completamente e nunca mais retornareis a ela. Quer dizer, já não pertencereis a nenhuma nação, a nenhuma ideologia, a nenhuma religião, a nenhum partido político; tudo isso, são coisas baseadas em fórmulas, ideologias e sistemas que acenam com promessas. Exteriormente, nenhum sistema poderá ajudar o homem. Pelo contrário, os sistemas só servirão para separar os homens, como está sempre a acontecer no mundo. E, interiormente, aceitar outra pessoa como autoridade, aceitar a autoridade de um sistema é viver no isolamento, na separação e, por conseguinte, sem nenhuma liberdade.
 
Assim, como compreender e alcançar a liberdade — naturalmente, pois ela não é uma coisa que temos de procurar às cegas, de agarrar ou de cultivar, já que tudo o que se cultiva é artificial? Se perceberdes ser verídico o que estamos dizendo, os métodos e sistemas de meditação não terão mais nenhum valor para vós; tereis, portanto, eliminado um dos principais fatores de condicionamento. Quando se vê esta verdade que nenhum sistema pode, em tempo algum, ajudar o homem a ser livre, já se está livre dessa enorme mentira. Pois bem; podeis libertar-vos dos sistemas — não amanhã, nem daqui a dias, mas agora, na realidade presente? Não poderemos ir mais longe enquanto cada um de nós não compreender isto, não abstratamente, como ideia, porém vendo mesmo o fato de que nenhum sistema tem valor; o caso estará então definitivamente encerrado. Poderemos conversar sobre este assunto, não com argumentos pró e contra, porém olhando-o realmente, examinando-o, apreciando-o juntos, como amigos, a fim de descobrirmos a verdade a seu respeito.
 
Compreendeis o que estamos fazendo? Estamos vendo os fatores do condicionamento — vendo-os, sem nada fazermos em relação a ele. O próprio ver é agir. Se vejo um abismo, atuo, há ação imediata. Se vejo uma coisa venenosa, não a toco - a inação é instantânea. Estamos, pois, vendo este fato que um dos principais fatores do condicionamento é a aceitação de sistemas, com autoridade e as sutilezas que ele implica? Podemos conversar sobre isto, ou o orador foi prolixo demais? Espero que não.
 
 
INTERROGANTE: É muito fácil entender-vos verbalmente; no terreno das ideias, não é muito difícil...
 
KRISHNAMURTI: ...Mas deixar de aceitar a autoridade é coisa bem diferente, não? Que quereis dizer, senhor, quando afirmais "No plano verbal eu vos entendo claramente"? Significa isso: "Nós estamos entendendo as palavras que proferis, estamos ouvindo as palavras?" — e nada mais? Estais ouvindo palavras e, obviamente, podem-se ouvir palavras completamente sem significação. A questão é: Como escutar as palavras, de modo que esse próprio escutar seja ao mesmo tempo ação? Diz uma pessoa: "Intelectualmente compreendo o que estais dizendo — as palavras são claras e o raciocínio talvez seja mais ou menos válido, mais ou menos lógico, etc. etc. Compreendo tudo intelectualmente, mas a ação não se verifica, não fico inteiramente livre da aceitação de sistemas." Ora, como lançar uma ponte sobre esse intervalo entre o intelecto e a ação? Está claro isso? "Compreendo intelectualmente, verbalmente, o que dissestes nesta manhã, porém dessa compreensão não veio liberdade; como fazer esse conceito intelectual tornar-se ação imediatamente?" Mas, por que razão pensamos compreender intelectualmente? Por que damos a primazia à compreensão intelectual? Por que se torna esta predominante? Compreendeis esta pergunta? Estou certo de que todos vós sentis que, intelectualmente, compreendeis muito bem o que o orador está dizendo; depois, perguntais a vós mesmos: "Como pôr em ação esta compreensão?" Assim, a compreensão é uma coisa, e a ação outra coisa, e estais lutando para juntar essas duas coisas. Mas, intelectualmente, existe alguma compreensão? Não pode tal asserção ser falsa e constituir uma barreira, um obstáculo? Vede-a bem, olhai-a, observara atentamente, porque ela pode tornar-se um sistema — o sistema que todos usam: "intelectualmente compreendo". Esse sistema pode ser completamente falso. O que quereis dizer é só isto: "Ouço o que estais dizendo; ouço as vibrações das palavras que me penetram nos ouvidos, e só isto, nada acontece." Isso é a mesma coisa que um homem ou uma mulher ouvir pronunciar a palavra "generosidade", sentir vagamente a sua beleza e, entretanto, continuar com sua avareza, sua falta de liberalidade. Assim, não digais: "Compreendo", não digais: "Percebi o que dissesses", quando estivesses apenas ouvindo uma série de palavras. A questão, pois, é: Por que não percebeis a verdade que nenhum sistema produz liberdade, nem exterior nem interiormente, que nenhum sistema pode libertar o homem de suas aflições? Por que não vedes instantaneamente esta verdade? Este é que é o problema, e não como desfazer a separação entre a compreensão intelectual de uma coisa e pôr em ação essa compreensão. Por que não percebeis esse fato em toda a sua realidade? Que vos está impedindo de vê-lo?
 
 
INTERROGANTE: Nós cremos no sistema.
 
KRISHNAMURTI: "Cremos no sistema" Por quê? Eis vosso condicionamento. Vosso condicionamento está sempre a ditar, a impedir-vos de perceber um dos principais fatos da vida, o qual condiciona o homem para aceitar o sistema de distinção de classes, o sistema da guerra e o sistema que promete a paz e, por sua vez, é destruído pelo nacionalismo — outro sistema! Por que não percebemos essa verdade? É por que temos algum interesse no sistema? Se víssemos a verdade a seu respeito, poderíamos perder dinheiro, não conseguir emprego, ver-nos sozinhos num mundo tão monstruoso e violento. Assim, consciente ou inconscientemente, dizemos: "Compreendo muito bem o que estais dizendo, mas não podemos pô-lo em prática."
 
 
INTERROGANTE: Senhor, para estarmos em comunicação convosco ou uns com outros, temos de achar-nos em movimento, e movimento requer energia. A questão é: Por que às vezes somos capazes de produzir essa energia, e outras vezes não?
 
KRISHNAMURTI: Ao ouvirmos esta pergunta, por que não vemos a verdade de que os sistemas são destrutivos, "separativos"? Para vê-la, necessitais de energia, mas não tendes essa energia para a verdes agora, e não amanhã. Acaso não tendes a energia necessária para a verdes agora porque sentis medo? Inconscientemente, bem no fundo, não existirá uma resistência a vê-la, porque isso significa que tendes de abandonar o vosso guru, abandonar vossa nacionalidade, abandonar vossa ideologia particular, etc. etc. — e por isso dizeis "compreendo intelectualmente"?
 
 
INTERROGANTE: O sistema impede-nos de ver essa verdade.
 
KRISHNAMURTI: Exatamente. O sistema vos educa, vos estabiliza, vos dá um emprego, e por isso não o questionais, nem exterior, nem interiormente. Mas não é isso que estamos perguntando.
Por que razão — enquanto escutais — não tendes energia para olhar? Para terdes a energia de que necessitais para olhar, deveis estar atento, aplicar vossa mente e vosso coração em olhar; por que não o fazeis?
 
 
INTERROGANTE: Que se pode dizer ao homem que tem medo de olhar?
 
KRISHNAMURTI: Não podemos forçá-lo a olhar, é óbvio. Não podemos persuadi-lo a olhar. Não podemos prometer-lhe que, se ele olhar, ganhará alguma coisa. Podemos dizer- lhe: "Você não precisa olhar o fato — o medo —, mas fique ciente dele." Mas ele pode responder: "Não quero tornar-me cônscio do medo, não quero tocá-lo, não quero sequer aproximar-me dele." Não se pode, portanto, prestar-lhe nenhuma ajuda, porque esse homem está impedindo a si próprio de olhar; pensa que, se olhar, perderá sua família, seu dinheiro, sua posição, seu emprego, numa palavra, sua segurança. Mas, vede o que está acontecendo — pois isso é apenas uma ideia: ele pode não perder a sua segurança. O que está acontecendo é coisa muito diferente: O pensamento lhe diz "Cuidado, não olhe!" O pensamento gera medo, impedindo-o de olhar: "Se você olhar, poderá criar uma enorme confusão em sua vida" — como se ele já não estivesse vivendo em confusão! O pensamento, portanto, gera o medo e impede o percebimento da verdade de que nenhum sistema, neste mundo de Deus ou no mundo do guru, do "salvador", do comissário, pode libertar qualquer pessoa.
 
 
INTERROGANTE: Talvez não possamos perceber realmente o medo por não o conhecermos.
 
KRISHNAMURTI: Oh, muito bem! Se não conheceis o medo, então não há problema nenhum, sois livre; até as pobres avezinhas têm medo. Aceitar os sistemas como inevitáveis é um dos maiores obstáculos existentes na mente humana. Esses sistemas foram criados pelo homem em sua busca de segurança. A busca de segurança por meio de sistemas está destruindo o indivíduo, o que se torna bem óbvio quando se observa o que se verifica fora de nos; a mesma coisa sucede em nosso interior. Meu guru e vosso guru, minha verdade e vossa verdade, meu caminho e vosso caminho, minha família e vossa família — tudo isso impede o homem de ser livre. A liberdade dará à vida um significado diverso; o sexo terá diferente significação, haverá paz no mundo, e não divisão entre os homens. Mas deveis possuir a energia necessária para olhar; quer dizer, olhar com a mente e o coração e não com olhos cheios de medo.


Krishnamurti - Liberte-se dos condicionamentos
http://pensarcompulsivo.blogspot.com 
 

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