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quinta-feira, 14 de junho de 2018

COMPREENDER O SOFRIMENTO
É VIVER COM ELE
 
 
Parte I
 
Se não há compreensão do sofrimento, não há sabedoria; o fim do sofrimento é o começo da sabedoria. Para se compreender o sofrimento e dele ficar livre completamente, requer-se compreensão, não só do sofrimento individual, particular, mas também do imenso sofrer humano. Para mim, se não estamos totalmente livres do sofrimento, não pode haver sabedoria e tampouco terá a mente possibilidade de investigar essa imensidade que se pode chamar Deus, ou outro nome qualquer.

A maioria de nós está sujeita ao sofrimento em diferentes formas: nas relações, quando ocorre a morte de alguém, quando não podemos nos preencher e decaímos até nos reduzir a nada, ou quando tentamos realizar algo, tornar-nos importantes e tudo redunda em completo malogro. E temos também o "mecanismo" do sofrimento no plano físico: doença, cegueira, invalidez, paralisia, etc. Por toda a parte se encontra essa coisa extraordinária chamada "sofrimento" — com a morte à espreita em cada volta do caminho. E não sabemos enfrentar o sofrimento e, assim, ou o divinizamos ou o racionalizamos, ou ainda, tratamos de evitá-lo. Ide a qualquer igreja cristã e vereis que lá se diviniza o sofrimento, tornam-no algo de grandioso, de sagrado, e diz-se que só pelo sofrimento, só pela mão de Cristo, o Crucificado, se pode encontrar Deus. No Oriente, há métodos próprios de fuga, outras maneiras de evitar o sofrimento; e é, para mim, um fato singular serem tão raros — tanto no Oriente como no Ocidente — os que estão verdadeiramente livres do sofrimento.

Seria maravilhoso se, no processo de nosso escutar — sem emocionalismo nem sentimentalismo — o que nesta manhã se está dizendo, pudéssemos, antes de sairmos daqui, compreender realmente o sofrimento e dele ficar completamente livres; porque, então, já não haveria auto mistificação, nem ilusões, nem ansiedades, nem medo, e o cérebro poderia funcionar clara, penetrante, logicamente. E, então, talvez chegássemos a conhecer o amor.

Ora, para se compreender o sofrimento é necessário investigar todo o "mecanismo" do tempo. Tempo é sofrimento, não só sofrimento do passado, mas também sofrimento que inclui o futuro — a ideia de chegar, a esperança de algum dia nos tornarmos algo, com sua inevitável sombra de frustração. Para mim, essa ideia de consecução, de "vir a ser" algo no futuro (e isso é tempo psicológico) representa o sofrer máximo — e não o fato de perder um filho, de ser abandonado pela mulher ou marido, ou de se não alcançar êxito na vida. Tudo isso me parece bastante trivial, se se me permite empregar esta palavra, que espero não seja mal compreendida. Há um sofrimento muito mais profundo, que é o tempo psicológico: o pensar que mudarei em anos futuros; que, se se me dá tempo, me transformarei, quebrarei as cadeias do hábito, alcançarei a liberdade, a sabedoria, Deus. Tudo isso exige tempo — e este, para mim, é o sofrimento máximo. Mas, para podermos aprofundar o problema, temos de descobrir por que há sofrimento dentro em nós — essa onda de sofrimento que nos envolve e aprisiona. Compreendendo, primeiramente, o sofrimento existente em nós, talvez possamos também compreender o sofrimento humano coletivo, o desespero da humanidade.

Por que sofremos? E tem fim o sofrimento? Há tantas maneiras de sofrermos! A doença é uma forma de sofrimento — a incapacidade de pensar por debilidade do cérebro e tantas outras variedades da dor física. Temos, depois, todo o campo do sofrimento psicológico — o sentimento de frustração, por não se poder realizar nada ou a falta de capacidade, de compreensão, de inteligência e também esta constante batalha dos desejos antagônicos, da autocontradição, com suas ânsias e desesperos. E há, ainda, a ideia de nos transformarmos através do tempo, de nos tornarmos melhores, mais nobres, mais sábios — ideia que também encerra infinito sofrimento. E, por último, o sofrimento ocasionado pela morte, o sofrimento da separação, do isolamento, o sofrimento de nos vermos completamente sós, isolados e sem relação com coisa alguma.

Todos conhecemos essas variadas formas de sofrimento. Os eruditos, os intelectuais, os virtuosos, os religiosos de todo o mundo, veem-se tão torturados como nós pelo sofrimento e se dele existe alguma saída, ainda não a encontraram. Investigar bem profundamente em nós mesmos é saber que esta é a primeira coisa que desejamos: pôr fim ao sofrimento; mas não sabemos de que maneira começar. Estamos muito bem familiarizados com o sofrimento, vemo-lo em outros e em nós mesmos e ele se acha no próprio ar que respiramos. Ide a qualquer parte, recolhei-vos a um mosteiro, caminhai pelas ruas apinhadas — o sofrimento está sempre presente, declarado ou oculto, expectante, vigilante.

Ora, de que maneira enfrentamos o sofrimento? Que fazemos em relação a ele? E como teremos possibilidade de nos libertar dele, não apenas superficialmente, porém totalmente, de modo que se torne completamente inexistente? Estar completamente livre de sofrimento não significa ausência de sentimento, de amor, de compaixão, falta de bondade, de compreensão de outrem. Pelo contrário, na completa liberdade, nesse estado livre de sofrimento, não há indiferença. E uma liberdade que traz grande sensibilidade, receptividade; e, como se alcança essa liberdade? Todos conheceis o sofrimento, não lhe sois estranhos. Ele está sempre presente. E como o enfrentais? Apenas superficialmente, verbalmente?

Tende a bondade de seguir isto. Passo a passo, caminhemos juntos, até o fim. Tentai, nesta manhã, escutar com atenção completa, estar bem apercebidos de vossas reações e penetrar profundamente, junto comigo, este problema do sofrimento. Mas, isto não significa seguir-me — coisa extremamente absurda. Mas se, juntos, pudermos compreender esta coisa, investigá-la ampla e profundamente, então, talvez, ao saírdes daqui possais olhar para o céu e nunca mais serdes atingidos pelo sofrimento. Então, não mais haverá medo; e, uma vez livres de todo temor, aquela Imensidade poderá tornar-se vossa companheira.

Assim, como enfrentais o sofrimento? Parece-me que, em geral, o enfrentamos muito superficialmente. Nossa educação, nossa instrução, nosso conhecimento, as influências sociológicas a que estamos expostos — tudo isso nos torna muito superficiais. A mente superficial é aquela que se refugia na igreja, em alguma conclusão, conceito, crença ou ideia. Tudo isso são refúgios para a mente em sofrimento. E, quando nenhum refúgio encontrais, construís em torno de vós uma muralha e vos tornais acrimoniosos, duros, indiferentes, ou buscais a fuga em alguma reação neurótica, fácil. Todas essas fugas ao sofrimento impedem a investigação mais aprofundada. Espero me estejais acompanhando, porque é justamente isto o que faz a maioria de nós.
 
 
Krishnamurti em, Experimente um novo caminho
http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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