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quarta-feira, 27 de junho de 2018

O MAIOR PROBLEMA 
DO HOMEM

  
Parte I

IMPORTA compreender o que é cooperação e saber quando se deve e quando não se deve cooperar. Para se compreender o estado da mente que se recusa a cooperar, cumpre aprender, também, o que significa cooperar; ambas as coisas são importantes. Por certo, em regra cooperamos quando há interesse egoísta, quando vemos lucro, prazer ou vantagem em cooperar. Então, em geral, cooperamos de corpo e alma. Se estamos presos a um certo compromisso, a uma certa coisa em que cremos, então, com essa "autoridade", esse ideal, cooperamos. Mas, também, parece-me da maior importância aprendermos quando não se deve cooperar. Em regra, se estamos dispostos a cooperar, mostramo-nos desinclinados a compreender o que significa "não cooperar". As duas coisas são, em verdade, inseparáveis. Importa compreender que, se cooperamos em torno de uma ideia, em torno de uma pessoa, se tomamos posição em relação a uma coisa e em torno dela cooperamos, essa cooperação cessa infalivelmente: ao acabar-se o interesse em tal ideia, em tal autoridade, dela nos desprendemos e tratamos de cooperar com outra ideia ou outra autoridade. Sem dúvida, toda cooperação dessa espécie se baseia no egoísmo. E quando essa cooperação, em que há interesse egoísta, já não produz lucro, nem vantagem, nem prazer, deixamos então de cooperar.
 
Compreender quando não se deve cooperar é tão importante como compreender quando se deve cooperar. A cooperação, cem efeito, deve provir de uma dimensão totalmente diferente. Sobre este assunto falaremos mais adiante.
 
Em nossa última reunião perguntamos: Qual é a questão essencial, o problema essencial da vida humana? Não sei se considerasses este ponto, se nele refletisses. Mas, que pensais vós serdes realmente o problema central da vida humana, como está sendo vivida neste mundo, com suas agitações, seu caos, suas agonias e confusão, com os entes humanos a tentarem dominar uns aos outros, etc.? Eu gostaria de saber qual é, para vós, o problema central ou "desafio" único, ao verdes o que se está passando no mundo — conflitos de toda espécie, conflito estudantil, conflito político, divisão entre os homens, diferenças ideológicas, por amor das quais estamos dispostos a matar-nos mutuamente, diferenças religiosas, a engendrarem a intolerância, brutalidade sob várias formas, etc. Vendo tudo isso acontecer diante de vossos olhos — vendo-o realmente, e não teoricamente — qual é o problema central?
 
Este que vos fala vai dizer-vos qual é o problema central; tende a bondade de ouvir sem concordar, nem discordar. Examinai, olhai, vede se o que ele diz é verdadeiro ou falso. Para descobrir o verdadeiro, cada um tem de olhar objetivamente, criticamente, e também intimamente. Olhar com aquele interesse pessoal que tendes ao atravessardes uma crise em vossa vida, quando todo o vosso ser está sendo desafiado. O problema central é a completa e absoluta libertação do homem primeiro psicológica ou interiormente e, em seguida, exteriormente. Não há realmente separação entre o "interior" e o “exterior”; mas, para efeito da clareza, devemos primeiramente compreender a libertação interior. Cumpre-nos descobrir se há possibilidade de vivermos neste mundo em liberdade psicológica, sem nos retirarmos "neuroticamente" para um mosteiro ou isolar-nos numa torre criada por nossa imaginação. Em nossa vida, neste mundo, é este o único "desafio": a libertação. Se, interiormente, não há liberdade, logo começa o caos, começam as oposições e indecisões, a falta de clareza, a falta de profundo discernimento — e, obviamente, tudo isso se manifesta no exterior. Pode-se viver em liberdade neste mundo — sem pertencer a nenhum partido político, nem comunista nem capitalista, sem pertencer a nenhuma religião, sem aceitar, nenhuma autoridade externa? Decerto, é necessário observar as leis do país (manter-se à direita ou à esquerda da estrada quando se está conduzindo um carro), mas a decisão de obedecer, de acatar as prescrições, parte da liberdade interior; a aceitação da exigência exterior, da lei exterior, emana da liberdade interna. — É este, e nenhum outro, o problema central.
 
Nós, entes humanos, não somos livres, levamos uma pesada carga de condicionamento, imposta pela cultura em que vivemos, pelo ambiente social, pela religião, etc. Assim, visto que estamos condicionados, somos agressivos. Os sociólogos, os antropólogos e os economistas explicam essa agressividade. Há duas teorias: ou herdamos essa agressividade do animal, ou a sociedade, que cada ente humano construiu, impele -nos, força-nos a ser agressivos. Mas, o fato é mais relevante do que a teoria: não importa se a agressividade vem do animal ou da sociedade: nós somos agressivos, somos brutais, incapazes de olhar e examinar imparcialmente as sugestões, ideias ou pensamentos de outrem. Porque está assim condicionada, a vida se torna fragmentária. Nossa vida — o viver de cada dia, nossos diários pensamentos e aspirações, o desejo de aperfeiçoamento pessoal (uma coisa horrível) — é fragmentária. Esse condicionamento faz de cada um de nós um ente humano egocêntrico, que luta no interesse de seu "eu", sua família, sua nação, sua crença. Surgem assim as diferenças ideológicas — vós sois cristão, outro é muçulmano ou hinduísta. Podeis tolerar-vos reciprocamente, mas, basicamente, interiormente, há uma profunda divisão, há desprezo, sentimento de superioridade, etc. Por conseguinte, esse condicionamento não só nos faz egocêntricos, mas também, nesse próprio egocentrismo, há um processo de isolamento, de separação, de divisão, que torna absolutamente impossível a cooperação.
 
Perguntamos: É possível sermos livres? Podemos nós, na situação em que nos encontramos, condicionados, moldados por tantas influências, pela propaganda, pelos livros que lemos, pelo cinema, o rádio, as revistas — tudo isso a martelar-nos e a moldar-nos a mente — podemos nós viver, neste mundo, completamente livres, não só conscientemente, mas nas raízes mesmas de nosso ser? É este — assim me parece o desafio, o problema único. Porque, se não somos livres, não há amor: há ciúme, ansiedade, medo, domínio, cultivo do prazer — sexual ou outro. Se não somos livres, não podemos ver claramente e não há sensibilidade à beleza. Isto não são simples argumentos em prol da "teoria" de que o homem deve ser livre; uma tal teoria se torna, por sua vez, uma ideologia, e esta, a seu turno, separa as pessoas. Assim, se, para vós, é este o problema central, o desafio máximo da vida, não há então nenhuma questão de serdes felizes ou infelizes (isso se torna uma coisa secundária), de poderdes ou não conviver em paz com outros, ou de serem vossas crenças e opiniões mais importantes que as de outrem. Tudo isso são problemas secundários, que serão resolvidos se o problema central for plena e profundamente compreendido e solucionado. Se, observando os fatos reais que vos cercam e os fatos reais existentes dentro de vós mesmos, sentis realmente que é este o desafio único da vida; se percebeis que a dependência das ideias, opiniões e juízos de outrem, a veneração da opinião pública, dos heróis, dos exemplos, geram a fragmentação e a desordem; se vedes claramente todo o mapa da existência humana, com suas nacionalidades e guerras, a separação entre seus deuses, sacerdotes e ideologias, o conflito, a angústia, o sofrimento; se vós mesmos vedes tudo isso, não como coisa ensinada por outrem, nem como ideia ou aspiração - surge então um estado de completa liberdade interior, não há medo da morte, e vós e o orador estais em comunhão, em comunicação um com o outro.
 
Mas se, para vós, não é este o principal interesse, o principal desafio e perguntais se é possível a um ente humano achar Deus, a Verdade, o Amor, etc. — então não sois livre e, nesse estado, como podeis achar alguma coisa? Como podeis explorar, viajar, com toda essa carga, todo esse medo que acumulastes através de sucessivas gerações? É este o único problema: É possível aos entes humanos serem realmente livres?
 
Direis, talvez, que não podemos livrar-nos da dor física. A maioria de nós padecemos dores físicas desta ou daquela espécie e, se sois realmente livres, sabereis o que fazer em relação a elas. Mas, se sentis medo, então, porque não sois livre, a doença se tornará uma coisa sobremodo opressiva. Assim, se puderdes ver isso claramente, junto com o orador (sem que este vos tenha inculcado tal ideia, vos tenha influenciado, falando- vos com tanta ênfase que, consciente ou inconscientemente, a aceitais), haverá, então, entre nós, comunicação e poderemos descobrir juntos alguma possibilidade de nos tomarmos completa e totalmente livres. Podemos partir dessa base? Se começarmos a examinar e a compreender o problema, então, sua enorme complexidade, sua natureza e caráter se nos tornarão mais claros. Mas, se dizeis que isso é "impossível" ou "possível", parastes de investigar, de penetrar no problema. Se me permitis sugeri-lo, não digais a vós mesmos "é possível" ou "não é possível”. Certos intelectuais dizem: "Isso não é possível; portanto, tratemos de condicionar melhor a nossa mente, dando-lhe uma lavagem em regra, para depois fazê-la submeter-se, obedecer, seguir, aceitar, tanto externamente, no plano tecnológico, como interiormente: seguir a autoridade do Estado, do guru, do sacerdote, do ideal, etc. E, se dizeis "é possível", trata-se nesse caso de uma mera ideia, e não de um fato. Em geral, vivemos num mundo vago, irreal, ideológico. O homem que está disposto a examinar profundamente esta questão, deve ser livre para olhar, ser livre para não dizer "é possível" ou "não é possível". Assim, para examinarmos a questão, sejamos livres no começo; a liberdade não vem no fim.
 
A questão é esta: se é possível a um ente humano, a um indivíduo que vive neste mundo, numa sociedade tão complexa, tendo de trabalhar, manter casa, filhos, etc., tendo relações íntimas — ser livre. É possível viverem um homem e uma mulher numa relação em que exista liberdade completa, não haja domínio, nem ciúme, nem obediência — por conseguinte, numa relação em que haja amor? É possível?

 
Krishnamurti - Liberte-se dos condicionamentos 
http://pensarcompulsivo.blogspot.com 
 
 

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