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quinta-feira, 29 de março de 2018

O SAGRADO NÃO PODE EXISTIR
SEM O AMOR E A COMPREENSÃO
DA MORTE
 
 
... Uma das coisas mais maravilhosas da vida é o descobrimento de algo, de modo inesperado, espontaneamente; encontrar-nos com uma coisa, sem premeditar e percebermos instantaneamente sua beleza, sua essência sagrada, sua realidade. Mas a mente que está a buscar, desejando encontrar, jamais alcançará esse ponto. O amor não é cultivável. O amor, como a humildade, não pode ser formado pela mente. Só o homem vão tenta ser humilde; só o homem orgulhoso procura afastar o seu orgulho mediante o cultivo da humildade. O cultivo da humildade é ainda um ato de vaidade. Para se escutar, e, portanto, aprender, necessita-se de uma humildade espontânea; e a mente que compreendeu a natureza da humildade jamais segue, jamais obedece; pois, como pode aquilo que é completamente negativo, vazio, obedecer ou seguir a quem quer que seja?
 
A mente que, graças à sua própria lucidez, nascida do autoconhecimento, descobriu o que é o amor, pode também perceber a natureza e a estrutura da morte. Se não morremos para o passado, para tudo o que veio de ontem, nossa mente continua presa em suas ânsias, nas sombras de sua memória, em seu condicionamento e, portanto, não há claridade. O morrer para o ontem, facilmente, voluntariamente, sem discussão, nem justificação, exige energia. Discussão, justificação e escolha constituem um desperdício de energia, e, por isso, não temos possibilidade de morrer para os dias passados, para que nossa mente se torne vigorosa e nova. Uma vez existente a claridade do autoconhecimento, o amor, com sua doçura, a acompanha; vem uma humildade de espontânea natureza e, ao mesmo tempo, a libertação do passado por meio da morte. E de tudo isso emana a criação. Criação não é expressão pessoal, não é espalhar tintas sobre um pedaço de tela, nem escrever um volumoso ou modesto livro, nem fazer pão na cozinha, nem gerar filhos. Nada disso é criação. Só há criação ao existir o amor e a morte. A criação só pode vir com o morrer, em cada dia, para todas as coisas, de modo que nunca possa haver acumulação de lembranças, na forma de memória. É bem ver que se necessita acumular certas coisas — vestuário, nossa casa e haveres pessoais — mas não é a esse respeito que estou falando. Refiro-me ao senso interior, da mente, de acumulação e posse, de onde resulta o desejo de domínio, de autoridade, de ajustamento, de obediência; esse é que impede a criação, porque a mente nunca está livre. Só a mente livre sabe o que é a morte e o que é o amor; só para ela há criação. Nesse estado, a mente é religiosa; nesse estado tem existência o Sagrado.
 
Para mim, a palavra “Sagrado” tem extraordinário significado. Mas vejam, por favor, que não quero fazer propaganda desta palavra, não quero convencer-lhes de coisa alguma, não quero fazer-lhes sentir ou experimentar a realidade por meio desse termo. Não o podem. Vocês têm de percorrer sozinho esse caminho, não verbalmente, porém realmente. Vocês têm de morrer verdadeiramente para tudo o que conhecem — suas lembranças, suas tribulações, seus prazeres. E, quando não houver mais ciúme, nem inveja, nem avidez, nem a tortura do desespero, saberão então o que é o amor e se encontrarão com aquilo que pode ser chamado o Sagrado. O Sagrado, por conseguinte, é a essência da religião. Como sabem, um grande rio pode poluir-se quando, em seu curso, atravessa uma cidade, mas, se não for demasiada a poluição poucas milhas além suas águas estão de novo limpas, frescas, puras. De modo idêntico, depois que a mente se encontra com o Sagrado, todo ato seu é então um ato purificador. Com seu próprio movimento a mente está-se tornando inocente e, por conseguinte, não está acumulando. A mente que descobriu o Sagrado se acha em constante revolução — não revolução econômica ou social, porém, uma revolução interior, com a qual se purifica infinitamente. Seu atuar não se baseia em nenhuma ideia ou formula. Como o rio, ajudado pelo seu enorme volume de água se purifica em seu curso, assim se purifica a mente após haver atingido aquele estado religioso do Sagrado.

Krishnamurti — O descobrimento do amor
 http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br
 

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