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sexta-feira, 23 de março de 2018

A IMITAÇÃO DE CRISTO
 
 
Um Estudo Teosófico Sobre Obra Clássica
 
Última Parte
 
 Vinte e Sete: Evite Falar Mal dos Outros

“Mas ai! que mais facilmente acreditamos e dizemos dos outros o mal que o bem, tal é a nossa fraqueza. As almas perfeitas, porém, não creem levianamente em qualquer coisa que se lhes conta, pois conhecem a fraqueza humana inclinada ao mal e fácil de pecar por palavras.”

“Grande sabedoria é não ser precipitado nas ações, nem aferrado obstinadamente à sua própria opinião; sabedoria é também não acreditar em tudo que nos dizem, nem comunicar logo a outros o que ouvimos ou suspeitamos.” (Livro Primeiro, capítulo 4, parágrafos 1 e 2.)

Comentário:

Este ensinamento é teosófico e H. P. Blavatsky fez afirmações semelhantes.

 
Vinte e Oito: Prudência e Humildade

“Toma conselho com um varão sábio e consciencioso, e procura antes ser instruído por outrem, melhor que tu, que seguir teu próprio parecer. A vida virtuosa faz o homem sábio diante de Deus e entendido em muitas coisas. Quanto mais humilde for cada um em si e mais sujeito a Deus, tanto mais prudente será e calmo em tudo.” (Livro Primeiro, capítulo 4, parágrafo 2.)

Comentário:

Entre os degraus da Escada de Ouro dos ensinamentos teosóficos, podemos ver os seguintes:

“Afeto fraternal para com seu codiscípulo; presteza para dar e receber conselho e instrução; leal senso de dever para com o Instrutor…”. [9]

Os sábios ensinam que a ajuda mútua é essencial na busca da verdade.

 
Vinte e Nove: o Amor à Verdade

“Nas Sagradas Escrituras devemos buscar a verdade, e não a eloquência. Todo livro sagrado deve ser lido com o mesmo espírito que o ditou. Nas Escrituras devemos antes buscar nosso proveito que a sutileza de linguagem. Tão grata nos deve ser a leitura dos livros simples e piedosos, como a dos sublimes e profundos. Não te mova a autoridade do escritor, se é ou não de grandes conhecimentos literários; ao contrário, lê com puro amor a verdade. Não procures saber quem o disse; mas considera o que se diz.” (Livro Primeiro, capítulo 5, parág. 1.)

Comentário:

A ideia de Sagradas Escrituras inclui os livros clássicos que pertencem às religiões e filosofias de todos os povos e todos os tempos, desde o Manuscrito Huarochirí, dos Andes, até o “Popol Vuh” da América Central e “A Doutrina Secreta”, publicada no século 19.

Deve-se ler os livros sobre sabedoria divina desde o ponto de vista do coração e de acordo com a afinidade interior.

 
Trinta: a Verdade Fala de Muitos Modos

“Os homens passam, mas a verdade do Senhor permanece eternamente (Salmo 116, 2). De vários modos nos fala Deus, sem acepção de pessoas.” (Livro Primeiro, capítulo 5, parág. 2.)

Comentário:

A anônima Lei Universal fala para nós de muitas maneiras.

Um Mestre de Sabedoria escreveu para uma discípula leiga: “Trate, filha, de aprender uma lição através de quem quer que seja que ela estiver sendo dada. ‘Até mesmo as pedras podem pregar sermões’.” [10]

A independência é fundamental, e o Buddha ensinou:

“Não se deixem desorientar por relatos, por tradição ou por ouvir dizer. Não se deixem desorientar pelo conhecimento das Coleções (de Escrituras), nem por mera lógica e inferência, nem pela consideração de razões, nem pela reflexão sobre algum ponto de vista e pela aprovação dele, nem pela conveniência, nem pelo fato de o recluso (que defende o ponto de vista) ser o seu instrutor. Mas quando vocês souberem por si mesmos: ‘Estas coisas não são boas, estas coisas são erradas, estas coisas são censuradas pelos inteligentes, estas coisas, quando realizadas e colocadas em prática, conduzem à perda e ao sofrimento’ – então as rejeitem.” [11]

 
Trinta e Um: Lê com Humildade

“A nossa curiosidade nos embaraça, muitas vezes, na leitura das Escrituras; porque queremos compreender e discutir o que se devia passar singelamente. Se queres tirar proveito, lê com humildade, simplicidade e fé, sem cuidar jamais do renome do letrado.”

“Pergunta de boa vontade e ouve calado as palavras dos santos; nem te desagradem as sentenças dos velhos, porque eles não falam sem razão.” (Livro Primeiro, capítulo 5, mesmo parág. 2.)

Comentário:

Lê os escritos dos homens e mulheres sábios de todos os tempos.

Escuta os teus codiscípulos, porque eles são corresponsáveis pelo teu bem-estar espiritual, e a responsabilidade é mútua. Podes aprender com as ações corretas deles, e também podes aprender com os erros deles, assim como eles aprendem com os teus erros e teus acertos.

 
Trinta e Dois: Aceita a Paz

“Todas as vezes que o homem deseja alguma coisa desordenadamente, torna-se logo inquieto. O soberbo e o avarento nunca sossegam; entretanto, o pobre e o humilde de espírito vivem em muita paz. O homem que não é perfeitamente mortificado facilmente é tentado e vencido, até em coisas pequenas e insignificantes. O homem espiritual, ainda um tanto carnal e propenso à sensualidade, só a muito custo poderá desprender-se de todos os desejos terrenos. Daí a sua frequente tristeza, quando deles se abstém, e fácil irritação, quando alguém o contraria.”

“Se, porém, alcança o que desejava, sente logo o remorso da consciência, porque obedeceu à sua paixão, que nada vale para alcançar a paz que almejava. Em resistir, pois, às paixões, se acha a verdadeira paz do coração, e não em segui-las. Não há portanto, paz no coração do homem carnal, nem no do homem entregue às coisas externas, mas somente no daquele que é fervoroso e espiritual.” (Livro Primeiro, capítulo 6, parágrafos 1 e 2.)

Comentário:

O estudante bem informado mantém uma busca constante do ideal de progresso e perfeição humanos, e faz experiências práticas de desapego em relação às coisas terrenas.

O peregrino evita dois extremos.

Ele não deve obedecer cegamente aos apetites inferiores; de outro lado, é inútil seguir um tipo de disciplina que gera um excesso de conflitos neuróticos. O equilíbrio é essencial. O esforço é de longo prazo, e cada um deve ser o seu próprio mestre e discípulo.

Há também marés cármicas, que devem ser observadas e compreendidas nesse esforço de uma vida inteira.

Uma vez que o peregrino compreende verdades universais, os desejos do eu inferior perdem força gradualmente. A disciplina diária, o estudo e a contemplação da lei universal destroem pouco a pouco as raízes do egocentrismo no eu inferior do estudante.

O alicerce da autodisciplina vitoriosa está na compreensão da nossa interconexão pessoal com o Cosmo inteiro. Quando o horizonte individual inclui o horizonte da galáxia, fica mais fácil aceitar a paz e a vida humilde no plano físico.

Trinta e Três: Vive Como um Pobre

“Insensato é quem põe sua esperança nos homens ou nas criaturas. Não te envergonhes de servir a outrem por Jesus Cristo, e ser tido como pobre neste mundo.” (Livro Primeiro, capítulo 7, parág. 1.)

Comentário:

A ideia de que alguém não deve ter vergonha de servir a outrem pelo bem da sua própria alma espiritual está presente em religiões mais antigas que o cristianismo.

Nos Vedas, por exemplo, o Brhad-aranyaka Upanixade afirma:

“Não é pelo marido em si que o marido é amado, mas é pela presença do Ser [a inteligência universal] no marido, que o marido é amado. Não é pela esposa em si que a esposa é amada, mas é pela presença do Ser [a inteligência universal] na esposa, que a esposa é amada. Não é pelos filhos em si mesmos que os filhos são amados, mas é pela presença do Ser [a inteligência universal] nos filhos, que os filhos são amados.” [12]

Há uma dimensão impessoal e divina nos afetos humanos, da qual podemos tornar-nos plenamente conscientes.

 
Trinta e Quatro: Faze o que Está a Teu Alcance

“Não confies em ti mesmo, mas põe em Deus [a Lei] tua esperança. Faze de tua parte o que puderes, e Deus [a Lei] ajudará tua boa vontade. Não confies em tua ciência, nem na sagacidade de qualquer vivente, mas antes na graça de Deus [a Lei], que ajuda os humildes e abate os presunçosos.” (Livro Primeiro, capítulo 7, mesmo parág. 1.)

Comentário:

A renúncia ao desejo pessoal conduz a uma vida de simplicidade voluntária, na qual a ética e a sabedoria são possíveis.

A justiça é imparcial, e um dos Mahatmas dos Himalaias escreveu que, para os raja-iogues, “um lustrador de botas honesto é tão bom quanto um rei honesto, e […] um varredor de ruas imoral é muito melhor e mais desculpável do que um imperador imoral.” [13]

A recomendação “faze de tua parte o que puderes…” expressa a principal ideia dos ensinamentos de Epicteto. Ao cumprir o seu dever espiritual interno, o peregrino evita desperdiçar energias com o que não depende dele. Focando a atenção no que lhe diz respeito, ele aprende a cooperar não só com o seu próprio eu superior, mas com outros seres, mais experientes e mais avançados.
 
NOTAS

[9] Examine o artigo “Comentários à Escada de Ouro”.

[10] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, editadas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica, Brasília, 1996, ver p. 147, segunda carta para Laura C. Holloway.

[11] “The Wisdom of Buddhism”, Edited by Christmas Humphreys, Curzon-Humanities, London, UK, 1987, 280 pp., p. 71.

[12] “The Principal Upanisads”, Edited with Notes by S. Radhakrishnan, London: George Allen & Unwin Ltd; New York: Humanities Press Inc., 1974, 958 pp., ver p. 197.

[13] “Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Brasília, volume I, Carta 29, p. 158.
 
 
Carlos Cardoso Aveline
http://www.filosofiaesoterica.com
 

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