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quarta-feira, 21 de março de 2018

NOSSOS CONFLITOS NASCEM 
DA DESATENÇÃO


O que entendemos por ação? O fazer, o ato físico de fazer, o ir e vir, a busca intelectual ou emocional da solução de um problema? Sendo assim, para nós, significa "agir sobre", "através" ou "a partir de" (sempre algo já determinado). Poderia, existir uma ação que não cause conflitos — externos o internos? Uma ação não fragmentada pelo pensamento? Uma ação cujo desenrolar não apresente vínculos dependentes com o meio circundante, ou comigo, ou com a comunidade? Uma ação intemporal? Tudo isso, para mim, é ação. Porém, no que nos diz respeito, ação sempre tem relação com outrem. Sendo assim, refere-se à comunidade em que vivemos. Nossos atos estão subordinados a condições ambientais, pessoais, econômicas, climáticas. Estão alicerçadas em crenças, em ideias e assim por diante. É o que se entende por ação. Eu, porém, quero descobrir se há uma ação que não dependa de pressões do meio...

Quero chegar a algo muito mais profundo. Que ação é AUTO-ENERGIZANTE? A que congrega, ao mesmo tempo, infinito movimento e energia infinita? Estou sendo claro? Acho que isto é ação... Sinto que todas as nossas ações são fragmentadas. Todas as nossas ações são destrutivas: SUSCITAM A DIVISÃO QUE GERA O CONFLITO. Nossas ações situam-se sempre no âmbito do conhecido e, portanto, estão vinculadas e são prisioneiras do tempo. É isso. Quero descobrir se há algum outro tipo de ação. Estamos cientes de que a ação, de um modo geral, se encontra sempre no âmbito do conhecido. Estamos também cientes da existência de uma ação tecnológica, de uma ação racional e de uma ação comportamental. Haverá outra?...

Dentro do campo da consciência, sabemos muito bem o que é ação. É tudo o que existe dentro do âmbito do conhecido. Acredito que esse tipo de ação conduza necessariamente a diversas formas de DESUNIÃO, MÁGOA e FRUSTRAÇÃO... Pergunto a mim mesmo: existe um outro tipo de ação que não pertença a esse âmbito da consciência que acarreta derrota, frustração, angústia, infelicidade, confusão? Um tempo de ação intemporal?... SEMPRE AGIMOS NO ÂMBITO DO CONHECIDO. Quero saber se existe uma ação livre de atritos. Só isso. Sei que toda ação gera algum tipo de atrito. Quero descobrir um tipo de ação NÃO-CONTRADITÓRIA, NÃO-CONFLITANTE.

O que não significa que uma ação tenha de ser consciente ou obedecer a um determinado padrão. A subserviência a um determinado padrão conduz à completa destruição do cérebro. Essa conduta implica uma mera repetição mecânica. Quero chegar a um tipo de ação que NÃO SEJA REPETITIVA, CONFLITANTE, IMITADORA, CONFORMISTA e, por conseguinte, CORROMPIDA...

Quero viver uma vida sem conflitos, e vida aqui significa ação. Nestes termos, compreendo que a vida em si sempre causa conflitos. Quero encontrar um modo de vida que se resuma em ação, EM QUE NÃO HAJA CONFLITO. Conflito significa imitação, conformismo, enquadramento num padrão que visa evitar conflitos e que redunda NUM MODO DE VIDA MECÂNICO. Podemos encontrar um modo de vida no qual não haja o menor resquício de imitação, de conformismo, de repressão? Antes de tudo, não se trata de "encontrar". É melhor abolir essa palavra. Trata-se de viver agora, o dia de hoje, no qual não há conflito.

Essa ação não será desastrosa. Minha inteligência, visualizando e observando, atentamente, todos os tipos de ações que existem no âmbito do conhecido, faz a si mesma essa pergunta. É a inteligência agora que está atuando...

A palavra "inteligência" significa não apenas uma mente muito alerta, mas também a capacidade de ler nas entrelinhas. Leio nas entrelinhas da ação conhecida. Ao ler isso, minha inteligência informa que, no ÂMBITO DO CONHECIDO, A AÇÃO SERÁ SEMPRE CONTRADITÓRIA...

A meu ver, qualquer ação que venha acompanhada de motivo, causará, inevitavelmente, um distanciamento, uma CONTRADIÇÃO. Isso para mim não é teoria, mas um fato. Daí eu indagar se existe na minha mente, no momento em que estou investigando, vestígios de contradição... Observando atentamente, concluo que uma ação, baseada na crença, torna-se contraditória. Faço, então, a mim mesmo a seguinte pergunta: Existe, acaso, uma crença que incorpore vida, ação e, consequentemente, contradição? Se existe, irei persegui-la e a destruirei.

Nesse tipo de atenção, não há o ato de perseguir, nem o ato de destruir. A partir desse tipo de atenção, dessa observação, a crença acaba para mim, não para você. Ela chega ao fim. Nesse tipo de atenção, passo a compreender que qualquer forma de conformismo gera medo, repressão, subserviência. Portanto, nessa atenção verdadeira, afasto esses aspectos, de forma a destruir qualquer ação baseada em recompensa ou castigo (em qualquer forma de cálculo). O que acontece então? Constato que, quando alicerçada numa ideia, qualquer ação no relacionamento divide as pessoas. Focalizando a atenção no âmbito do conhecido, todos os seus fatores, estrutura e natureza deixam de existir. É nesse momento que a atenção se torna de extrema importância ao inquirir: "Existe alguma ação livre de todas essas coisas?"...

Partindo do princípio de que a atenção é percepção sem ação, não há como haver conflito. Ela é infinita. Uma ação baseada na crença representa um grande desperdício de energia, ao passo que, baseada na atenção, produz uma energia própria, sem limites. O cérebro sempre funcionou no campo do conflito, das crenças, do artificialismo, do conformismo, da obediência, da repressão; sempre funcionou assim e, ao tomar consciência desse fato, a atenção começa a agir. AS PRÓPRIAS CÉLULAS CEREBRAIS FICAM ALERTAS...

Atenção é ação. Temos também afirmado que seu conteúdo é a consciência.

Concordo que, em estado de atenção as células cerebrais sofrem alteração; que de um ponto de vista biológico, cada célula constitui um ser independente, capaz de renovar energia e, portanto, de atuar por conta própria. As células têm essa capacidade porque a percepção faz parte de sua estrutura interior.

As células cerebrais têm sofrido perda de energia devido a conflito, imitação ou coisa que o valha, a que estão acostumadas. Agora, porém, puseram fim a tudo isso. Livraram-se dessas influências e o cérebro deixou de armazenar resíduos. Pode até funcionar tecnologicamente, mas, tendo compreendido a vida como ação sem conflito, encontra-se em ESTADO DE ATENÇÃO. Quando existe atenção plena, profunda, não-imposta, não-dirigida, não-desejada, então toda a estrutura está viva. Não no sentido comum, mas numa ação diferente. EU ACHO QUE OCORRE UMA TRANSFORMAÇÃO FÍSICA. Acredito que seja um prenúncio de morte, o que já é morte. Existe, pois, uma ação que não se repete e, sendo assim, estar livre do conhecido equivale perscrutar o desconhecido.

Essa libertação do conhecido existe também nas células cerebrais. As células cerebrais participam, ao mesmo tempo, do conhecido e da libertação do conhecido.

O cérebro está livre de esquemas, o que equivale a uma transformação física.

Portanto, está ocorrendo uma transformação definitiva... Isso acontece logicamente, porque quando a mente funciona no âmbito do conhecido age de acordo com esquemas. O mesmo se dá com as células do cérebro. Quando não existem esses esquemas, o cérebro passa a atuar na sua totalidade, LIVRE DE ESQUEMAS (cálculos), em plena liberdade, que é sinônimo de atenção.


 
Krishnamurti
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br
 

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