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segunda-feira, 19 de março de 2018

APRENDER A CONHECER-SE
 
 
Última Parte
 
 Mas, como ser livre para olhar e aprender, quando nossa mente, da hora do nascimento à hora da morte, é moldada, por uma determinada cultura, no estreito padrão do "eu"? Há séculos vimos sendo condicionados pela nacionalidade, a casta, a classe, a tradição, a religião, a língua, a educação, a literatura, a arte, o costume, a convenção, a propaganda de todo gênero, a pressão econômica, a alimentação que tomamos, o clima em que vivemos, nossa família, nossos amigos, nossas experiências — todas as influências possíveis e imagináveis — e, por conseguinte, nossas reações a cada problema são condicionadas.
 
Percebeis que estais condicionado? Esta é a primeira coisa que deveis perguntar a vós mesmo, e não como vos libertardes do condicionamento. Pode ser que nunca vos livrareis dele, e se disserdes "Preciso livrar-me dele", podereis cair noutra armadilha, noutra forma de condicionamento. Assim, percebeis que estais condicionado? Sabeis que até mesmo quando olhais uma árvore e dizeis "Aquela árvore é uma figueira" ou "Aquela árvore é um carvalho", o dar nome à árvore, que é conhecimento botânico, de tal maneira vos condiciona a mente que a palavra se interpõe entre vós e o real percebimento da árvore? Para entrardes em contato com a árvore tendes de tocá-la com a mão, e a palavra não vos ajudará a tocá-la.
 
Como podeis saber que estais condicionado? Que é que vos diz isso? Que é que vos diz que estais com fome? — não como teoria, porém o fato real da fome? Do mesmo modo, como é que descobris o fato real de que estais condicionado? Pela vossa reação a um problema, a um desafio, não é? Reagis a cada desafio segundo o vosso condicionamento e como vosso condicionamento é inadequado reagirá sempre inadequadamente.
 
Quando vos tornais cônscio dele, esse condicionamento de raça, de religião e cultura vos faz sentir aprisionado? Considerai uma única modalidade de condicionamento, a nacionalidade, considerai-a seriamente, com pleno percebimento, para verdes se vos agrada ou se vos revolta, e se vos revolta, se sentis vontade de libertar-vos de todo condicionamento. Se vosso condicionamento vos satisfaz, é óbvio que nada fareis a respeito dele; mas, se não vos sentis satisfeito ao vos tornardes cônscio dele, percebereis que nunca fazeis coisa alguma sem ele. Nunca Por conseguinte, estais sempre vivendo no passado, com os mortos.
 
Só percebereis por vós mesmo o quanto estais condicionado quando se manifestar um conflito na continuidade do prazer ou na fuga à dor. Se tudo ao redor de vós decorre de maneira perfeitamente feliz, vossa esposa vos ama, vós a amais, tendes uma bonita casa, filhos interessantes e dinheiro à farta, nesse caso não estais cônscio de vosso condicionamento. Mas, quando surge uma perturbação, quando vossa esposa olha para outro homem, ou perdeis vossa fortuna, ou vos vedes ameaçado pela guerra ou qualquer outra coisa que cause dor ou ansiedade — então sabeis que estais condicionado. Quando lutais contra uma perturbação qualquer ou vos defendeis de uma dada ameaça exterior ou interior, sabeis então que estais condicionado. E, como a maioria se vê perturbada na maior parte do tempo, seja superficialmente, seja profundamente, essa nossa própria perturbação indica que estamos condicionados. Enquanto um animal é mimado, reage agradavelmente, mas no momento em que se vê hostilizado, toda a violência de sua natureza se revela.
 
Vemo-nos perturbados a respeito da vida, da política, da situação econômica, do horror, da brutalidade e do sofrimento existentes tanto no mundo como em nós mesmos, e essa perturbação nos revela quão estreitamente condicionados estamos. Que devemos fazer? Aceitar a perturbação e ir vivendo com ela, como o faz a maioria dos homens? Acostumar-nos com ela, assim como nos acostumamos com uma dor nas costas? Conformar-nos com ela?
 
É tendência de todos nós conformar-nos com as coisas, acostumar-nos com elas, delas culpando as circunstâncias. "Ah, se as coisas estivessem correndo bem, eu seria diferente", dizemos, ou "Dai-me a oportunidade e eu me preencherei", ou "Esmaga-me a injustiça de tudo isso" — sempre a culparmos das nossas perturbações os outros ou o nosso ambiente ou a situação econômica.
 
Se nos acostumamos com a perturbação, isso significa que nossa mente se embota, assim como uma pessoa pode acostumar-se de tal maneira com a beleza que a cerca, que nem a nota mais. Tornamo-nos indiferentes, calejados, insensíveis, e nossa mente se embota mais e mais. Se não podemos acostumar-nos com a perturbação, dela tratamos de fugir, recorrendo a uma certa droga, ou ingressando num partido político, bradando, escrevendo, assistindo a uma partida de futebol, indo a uma igreja ou templo, ou procurando outro tipo de divertimento.
 
Por que razão fugimos dos fatos reais? Temos medo da morte — isso apenas para exemplo — e inventamos teorias, esperanças e crenças de toda espécie, para disfarçarmos o fato da morte, mas esse fato continua existente. Para compreendermos um fato cumpre olhá-lo e não fugir dele. Em geral, temos tanto medo do viver como do morrer. Temos medo de nossa família, da opinião pública, de perder nosso emprego, nossa segurança, medo de centenas de outras coisas. O fato simples é que temos medo, e não que temos medo disto ou daquilo. Mas, porque é que não podemos enfrentar esse fato?
 
Só podemos enfrentar um fato no presente; mas, se nunca o deixais estar presente, porque estais sempre a fugir dele, nunca podereis enfrentá-lo, e, tendo criado uma verdadeira rede de fugas, estamos dominados pelo hábito da fuga.
 
Ora, se sois sensível, sério, por pouco que seja, não só estareis cônscio de vosso condicionamento, mas também dos perigos dele decorrentes, da brutalidade e do ódio a que ele conduz. Por que então, se estais vendo o perigo de vosso condicionamento, não agis? É por que sois indolente? Indolência é falta de energia; entretanto, não vos faltará energia em presença de um perigo físico imediato — uma serpente no vosso caminho, um precipício, um incêndio. Por que então não agis ao verdes o perigo de vosso condicionamento? Se vísseis o perigo do nacionalismo para vossa própria segurança, não agiríeis?
 
A resposta é que não vedes. Por um processo intelectual de análise podeis ver que o nacionalismo leva à autodestruição, mas nisso não há nenhum conteúdo emocional. Só quando há esse conteúdo emocional, tendes vitalidade.
 
Se vedes o perigo de vosso condicionamento como um mero conceito intelectual, jamais fareis coisa alguma em relação a ele. No perceber um perigo como uma mera ideia, há conflito entre a ideia e a ação e esse conflito tira-vos a energia. Só quando vedes o condicionamento e o seu perigo imediatamente, tal como vedes um precipício, é só então que agis; portanto, ver é agir.
 
A maioria de nós percorre a vida desatentamente, reagindo sem pensar, de acordo com o ambiente em que fomos criados, e tais reações só acarretam mais servidão, mais condicionamento; mas, no momento em que aplicardes toda a atenção ao vosso condicionamento, ver-vos-eis inteiramente livres do passado; ele se desprenderá naturalmente de vós.
 
 
Krishnamurti - Liberte-se do Passado
http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br 
 

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