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domingo, 21 de janeiro de 2018

VIVENDO NO MUNDO SEM, 
NO ENTANTO, ESTAR NELE


Sabereis que, ao buscar o entendimento, encontra-se a solidão, pois que só podereis conceber a Verdade pelo vosso próprio esforço, liberto de todo desejo pelos opostos. Dessa solidão brota o êxtase natural da solitude, uma solitude na qual não há solidão. Não podereis compreender isto, se meramente o considerardes como teoria, uma hipótese plausível, um festim intelectual.

Pediram-me para explicar mais além o que eu disse outro dia com relação ao casamento. Não podeis compreender a Verdade, a plenitude, por meio de qualquer sistema ou circunstância. Se sois ou não casados, não é coisa de fundamental importância, desde que tenhais essa vigilância da mente, essa flexibilidade de razão que a seu tempo conduz à Sabedoria. Não julgueis, que, pelo casamento, ides necessariamente alcançar a plenitude, ou que, por estar sós, compreendereis a Vida. Embora permaneçais solteiros, sereis influenciados pelos vossos amigos, por vossos irmãos e irmãs, pela sociedade, pelos vossos vizinhos, pela opinião pública. Acontece o mesmo com o casamento: sois influenciados pela esposa, pelos filhos e pelas circunstâncias da vida matrimonial. Não se trata de apegar-se a um sistema ou método para o vosso desenvolvimento. Não importa que sejais casados ou não. O que é de máxima importância é que aprendais o verdadeiro valor de vossos pensamentos, de vossas emoções e opiniões, de vossos conflitos e lutas. Pelo exame continuo e pelo auto-rememorar, vos libertareis da consciência limitada. Deveis viver afim de verificar o valor do conflito, e a iluminação é o reconhecimento dos verdadeiros valores. Se conheceis o verdadeiro valor de vossos pensamentos, vaidades, apegos, ostentações, deles vos libertareis. Ser livre é viver os justos valores na existência de cada dia; e tais valores só podem ser encontrados pelo vosso próprio esforço e entendimento e não seguindo um sistema ou método.


Pergunta: Dizeis que a natureza preenche as suas finalidades no homem... O homem, analogamente, se consuma no homem liberto ou perfeito. Mas, a libertação significa o fim da vida humana; de modo que o objetivo da humanidade é desaparecer. Se todos os homens fossem como vós, seria o fim da humanidade. É assim?

Krishnamurti: Disse que primeiro há a perfeição inconsciente, depois a imperfeição consciente, que é o homem se tornando autoconsciente e conhecendo suas limitações; e depois a libertação da eu-consciência, que é perfeição. A Vida existe em tudo e o homem pode realiza-la plenamente, mas essa realização só é possível pelo conhecimento do conflito, da tristeza e da alegria. Isto não implica o término da humanidade. Porque eu não sou casado e nem tenho filhos, não se segue que não devais vos casar nem ter filhos. Se o vosso desejo é buscar entendimento, não importa que sejais ou não casados. Algumas pessoas supõem que casar e ter filhos é anti-espiritual. Não creio. Se converteis o casamento ou os filhos no objeto mais importante da vida, sem compreenderdes o valor exato da luta, da posse, da mútua dependência que vos proporciona os justos valores, então não sereis completos em vós mesmos. Podeis não ser casado, e ser egoísta, arrogante, brutal, insensível, desprovido de consideração e afeto. O que importa não é o modo, o sistema, o método, mas a plenitude que o homem pode alcançar. Tão depressa essa consumação da liberdade da eu-consciência se torna o vosso único desejo, este desejo se converte em vossa própria lei. O vosso desejo se torna a vossa disciplina. Assim, não deis ênfase ao método, ao casamento ou não casamento, ater filhos e não os ter. São incidentes dos quais tendes que assimilar entendimento; mas é esse entendimento que é de máxima, de final importância.

Todos desejam libertar-se da tristeza e a libertação da tristeza não se consegue movendo-se em determinada direção, por qualquer meio, método ou sistema. Consegue-se por esse intenso desejo de ser completo no presente e pelo julgar, por meio da auto-rememoração, se as vossas ações, pensamentos e sentimentos são oriundos do egoísmo. Direis: “É tudo?” Não é. Isto é apenas o começo. Como disse, dessa auto-rememoração brota a solidão, uma solidão realmente penosa, da qual surge o êxtase da solitude. Mas, não quereis estar só. Tendes medo porque não compreendeis que somente através dessa solitude, por vossa própria energia, vosso próprio esforço, se efetuará a realização dessa plenitude.


Pergunta: Estais de acordo com a velha ideia religiosa de que o asceta é realmente um mais perfeito tipo de humanidade do que o homem que casa e tem família?

Krishnamurti: Não concordo. Compreende-se ordinariamente o asceta como um homem que foge do mundo, que vive no mundo sem o compreender e, assim, não há renúncia. Quando há entendimento, não há renúncia. Tendes adorado a renúncia, não o entendimento. Olhais como um grande homem, aquele que dá mil libras por caridade, porque vós próprios estais enredados nos laços do desejo de posse. O homem que conseguiu, pelo sofrimento, pelos conflitos, pela auto-rememoração, esse êxtase interno da solitude; que não depende de coisas externas para sua felicidade; que se libertou da eu-consciência, tal homem pode ser asceta ou casado. Ele pode viver no mundo e no entanto não estar nele. Mas, para conseguir isto, deveis estar perfeitamente livres de desejos íntimos e libertos da ilusão da individualidade, que gera sutis decepções.

Assim, pois, não é uma questão de afastamento do mundo ou de tornar-se asceta, mas uma questão de compreensão da plenitude interna, de percepção íntima da Verdade que vos liberta de todo conflito, esse silêncio interno que sempre se renova.
 
 
Krishnamurti
pensarcompulsivo 
 

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