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sábado, 20 de janeiro de 2018

A VIDA, 
LIBERTA A PARTIR DO INTERIOR, 
É ETERNA


A dificuldade para a maioria da humanidade está no encontrar-se incerta; e, na sua incerteza, os indivíduos, naturalmente, apegam-se às crenças, aos dogmas e aos credos. Imediatamente após vos haverdes assegurado de vossa integridade e do propósito da vida, não mais necessitareis de crenças, de dogmas para vos sustentarem em vossa fraqueza. Achando-vos seguros, naturalmente confiareis em vosso próprio entendimento. Portanto, a coisa que primordialmente é necessário ter em vista é o vos assegurardes de vosso propósito e do significado de vossos desejos e lutas; e, quando assim vos houverdes sacrificado, começareis a criar dentro de vós um espelho que refletirá imparcialmente todos os vossos pensamentos e emoções.

Nada estou inventando de novo, pois sustento que em assuntos espirituais, nada existe de novo sob o Céu. Eu posso expressar a verdade por maneira diferente da vossa, porém ela é, essencialmente, a mesma verdade. Mas toda a coisa se torna nova para o homem que descobre a verdade. Ela é vital, imensamente nova para mim; ela é ilimitada, isenta de esforço, pelo fato de havê-la eu encontrado em mim mesmo. Em virtude do processo da vida — gradualmente, não de um jato — tirei à cobertura daquilo que estava no interior e por esse modo libertei a vida. Isto não é nada de novo. A novidade consiste somente em vossa própria descoberta do que é antigo. Se levantardes uma pedra e olhardes o que está por debaixo dela, descobrireis o que ali se acha oculto. Do mesmo modo se removerdes todas as barreiras das circunstâncias, as estreitas limitações colocadas sobre vós pelas coisas exteriores, aquilo que descobrirdes será vosso e, em relação a isso, não pode haver dúvida. Então caminhareis em vossa própria integridade, em vossa própria firmeza de propósito; então estareis seguros e certos.

Falo-vos dessas coisas que jazem ocultas dentro de vosso próprio coração, e no coração de todo o homem no mundo. Não é isto uma revelação nova. A maioria das religiões está fundada sobre a revelação, pois que as pessoas que buscam o misterioso sem entendimento daquilo que é sincero, simples, amável. Para descobrirdes por vós mesmos essa certeza, tendes que ter em conta aquilo que eu digo, imparcialmente, com completo desprendimento, sob um ponto de vista impessoal. Quando ides a uma representação, observais os atores, suas dores e prazeres, seu riso, sua linguagem, suas tragédias. Do mesmo modo vos deveis tornar um espectador de vós mesmos, um espectador que vigia e que discerne; e, por meio desse discernimento, deve nascer a certeza, de modo que as vossas preferências pessoais não venham a perverter o vosso entendimento. Vossas preferências individuais, vossos gostos e desgostos pessoais, nada têm a ver com a verdade.

Quando é introduzido o elemento pessoal em vosso julgamento, ele é, inevitavelmente, pervertido. Precisais distinguir entre o que é pessoal e o que é individual. Pessoal é o que é acidental, e por acidental significo eu as circunstâncias de nascimento, de ambiente nas quais sois criados, a vossa educação, as vossas tradições, as vossas superstições, as vossas distinções de nacionalidade, de classe, e todos os preconceitos que por esses meios se desenvolvem. O que é pessoal refere-se somente ao acidental, ao que é momentâneo, ainda que tal momento dure a extensão de toda uma vida. A educação moderna conduz à perversão do pensamento e o espírito de nacionalidade, de classe, de tradição, fortifica-se por meio do medo. Quando julgardes um fato, não o julgueis de um ponto de vista pessoal, porém sim do ponto de vista do indivíduo, que é o do ser.

O eu é o resíduo de toda a experiência; não apenas da experiência acidental, porém de todo o instante; não a do momento, porém a da eternidade; não a dos sistemas férreos tradicionais, porém  da vida que se acha liberta. Este eu é a resultante do desenvolvimento de vossa própria uniquidade, de vosso próprio crescimento por intermédio do qual alcançais o entendimento. Isto é a individualidade. Não confundais o individual, com o pessoal. Na individualidade, se a puderdes levar até a sua origem, se a puderdes separar de vossa personalidade, encontrareis a verdade, essa intuição que é razão, que é a consumação da inteligência.

Por outro lado, há o eu que é eterno, que somente pode ser desenvolvido por meio de vossa própria uniquidade, que é o resíduo de toda a experiência, que é inteligência, intuição, razão; e por outro lado existe a personalidade que pertence ao momento, que é o resultado do nascimento, da nacionalidade, da classe e assim por diante. Por isto é que uma e outra vez tenho eu insistido em que precisais deixar de lado o que é pessoal, o que não é essencial e ajuizar de todas as coisas sob o ponto de vista do eterno, que é o indivíduo. E, para descobrirdes o indivíduo, tendes que colocar de lado todos os vossos pontos de vista pessoais. Isto exige constante equilíbrio, contínuo ajuste e pensamento.

Para compreender o significado da vida não vos deveis deixar colher pelo que é momentâneo, pelo que é pessoal, porém, antes, abandonar tudo isso completamente, dissociar-se disso  integralmente, e então olhais para todas as coisas do ponto de vista do eterno, isto é, do ego. Com isto em mente, perguntai a vós mesmos o que é o “Ser”, e esforçai-vos por obter êxito nesta tentativa de descoberta do que é a individualidade, desenvolvida por meio da uniquidade, por meio da experiência, esforçando-vos por buscar e atingir. E, tentando isto deixai de lado as limitações da personalidade, o que é momentâneo, o que é incidental, para assim libertardes a vida.

A individualidade — uso esta palavra em um sentido completamente diferente — é imperfeição. Isto é, enquanto o indivíduo está separado, a todo o instante adquirindo, assimilando experiência e crescendo, é imperfeito. Pelo contínuo ajuste no contato frutífero com a vida, a individualidade, que é separatividade, que é imperfeição do ego, vai gradualmente afrouxando sua separação. Isto é, o ego, a verdadeira individualidade, está a todo o instante buscando assimilar as experiências da vida; e se exercerdes compulsão sobre o que é pessoal, bloqueareis um dos canais por meio dos quais o ego pode assimilar a experiência; estareis colocando uma limitação sobre ele, estareis pervertendo-o, suprimindo-o. Enquanto o ego reagir aos estímulos do exterior será imperfeito. Enquanto as circunstâncias incidentais da vida puserem uma limitação a este ego, seus julgamentos serão pervertidos, haverá imperfeição; quando, porém, este ego que é vida age sem reagir, há perfeição — pela qual eu entendo um fluxo ininterrupto e incorruptível de pura vida.

Não estou condescendendo em gastar meras palavras. A flor dá seu perfume e nada pede em troca. Ela é bela, inconsciente de sua perfeição. O homem, porém, esse tem que atingir a perfeição consciente — isto é, a ação que não reage e por isso não cria Karma. Ela é pleno saber, a verdadeira compreensão do Ser. Para atingir esta perfeição — isto é, para deixar a vida atuar a partir do interior, sem reação, a qual, naturalmente, cria barreiras, limitações, — para isso necessitais entrar em contato com a vida, com a experiência e, em primeiro lugar, passar por uma série de reações e de lutas, até que pela experiência elimineis vossas reações. Ninguém vos pode dirigir ou ajudar a atingir este estado de perfeição; ele pode somente ser alcançado por meio da experiência. Ele desafia — deve desafiar — todo o auxílio do exterior, pois que não depende de circunstância de momento. Esta é a consecução da vida. Voltarei a mesma coisa por maneira diferente. A vida, liberta a partir do interior, é eterna, sem começo e nem fim. A libertação é o entendimento dessa vida que é verdade e o estar em harmonia com ela. É esta a flor, a consumação, da vida individual.

O desejo de possuir, de excluir, é comum a todo o homem. Este desejo está continuamente buscando preencher-se a si mesmo na experiência. O desejo é a fagulha que cria a grande chama que dá calor, que consome todas as escórias das coisas não importantes, que queima as palhas do não-essencial. A partir do momento que pervertais, suprimais ou desviais o desejo, sem entender o seu propósito, estareis obstruindo um dos canais da vida. Haveis de perguntar: “E se eu quiser comprar um automóvel, é justo que o faça?” Se realmente o quiserdes, fazei-o. Não me pergunteis se é um bem ou um mal. Averiguai por vós mesmos e aprendei da experiência. No entanto, sede honestos convosco próprios. A finalidade do desejo é derrubar as reações do ego, libertar esse ego; e o desejo necessita de possuir a experiência. Se, porém, meramente condescenderdes com o desejo sem entender o seu propósito, não fareis mais que ser colhidos em outras gaiolas, em outras limitações; e daí, seguir-se-á a tristeza. Não torçais o desejo, compreendei o seu propósito. Se vos atemorizardes de vossos desejos e os suprimirdes sem entendimento, estareis torcendo o eu. Se, porém, por meio do entendimento, traduzirdes o desejo em ação propositada, estareis libertando a vós mesmos daquelas barreiras que reagem sobre o eu.

A verdadeira moral é tudo que labora no sentido da abundância e da riqueza da vida individual, e toda a coisa contraria a isto é imoral. Não busqueis tornar-vos de um padrão, pois que somente podeis enriquecer o eu por intermédio de seu crescimento, por sua própria uniquidade, sua própria experiência. Se vos tornardes uma máquina, uma mera personificação de funções, sereis, sob o meu ponto de vista, insanos e imorais. Uma máquina não pode aproximar-se da verdade. A verdade não faz parte dos padrões. A verdade reside no processo do viver de cada dia, e não em uma súbita explosão de atingimento. A verdade não tem que ser atingida ao fim de nossa vida, porém, sim, assimilada através de todo o processo de viver. Ela é o crescimento que vai da perfeição inconsciente, passando pela imperfeição consciente, até chegar à perfeição consciente.

Qual a diferença entre um homem que se acha unido com a vida e um outro que o não está? Tudo quanto a Natureza cria está sendo inconscientemente aperfeiçoado. Desta perfeição inconsciente surge a imperfeição consciente, e da imperfeição consciente, por meio de uma série de experiências, atingis gradualmente a consciente perfeição. Nessa assimilação é que reside a verdade e em nada mais. O atingir desta verdade evidencia-se pela ação quando é isenta de reação. Aprendei a utilizar todos os incidentes da vida. Sede intensamente ativos em vosso interesse. Não vos torneis um ser humano mecanizado, um mero copista no escritório do mundo. Se vos encontrais descontentes com o vosso cargo, abandonai-o. Então, não mais vos estagnareis e não deixareis que as circunstâncias exteriores criem a tristeza dentro de vós.

Deveis encarar tudo isto do ponto de vista do que deve ser e não do que é. Condições insanas exigem médicos, coisa fora do natural. Todos os médicos são antinaturais. Não contempleis a vida sob este ponto de vista não natural, porém, sim, do ponto de vista da autoconfiança, da autossuficiência e da naturalidade.

Para resumir: a riqueza, a suavidade, a franqueza dessa vida que está dentro de cada um de nós, precisa ser liberta por meio da experiência, não por meio de sistemas, dos credos e das religiões. A experiência não exige interpretes. Não permitais que pessoa alguma interprete vossa experiência da vida, exceto vós próprios. O viver na experiência que seja vossa, cria certeza de propósito e dessa certeza provém o êxtase da luta para compreender a vida. A luta é penosa para a maioria das pessoas, é tristonha; ela embota o gume do pensamento e do sentimento. Se, porém, tiverdes compreendido o propósito da vida, o qual é tornar o eu rico e harmonioso, então a luta tornar-se-á realmente sensacional. Para vos tornardes certos e viver nessa certeza, precisais deixar de lado as coisas do momento e julgar todas as coisas impessoalmente, do ponto de vista da razão, a qual é a casa de armazenagem de toda a experiência. Julgai, agi e vivei naquilo que é eterno. Somente desta maneira encontrareis o eu que é eterno, que não projeta sombras sobre o vosso caminho.


Jiddu Krishnamurti
pensarcompulsivo

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