SOBRE MEDIUNIDADE, CASAMENTO, CRENÇA E FAMÍLIA
Amigos, foram-me colocadas muitas questões em relação ao futuro pessoal de indivíduos e as suas esperanças, se seriam bem sucedidos em determinados negócios, se deveriam deixar este país e estabelecerem-se na América do Norte, quem é a pessoa certa para se casarem, etc. Não posso responder a tais perguntas já que não sou adivinho. Sei que estas são questões verdadeiras e perturbadoras, mas cada um tem que as resolver por si próprio.
Escolhi dentre as inúmeras questões que me foram colocadas, aquelas
que são mais representativas; mas sinto que seria inútil e uma perda de
tempo para vocês e para mim se o que vou dizer, e o que tenho dito,
fosse aceite por vocês como uma qualquer teoria filosófica com a qual a
mente pode divertir-se. Tenho algo vital para dizer que é aplicável à
vida, algo que, quando compreendido, os ajudará a resolver os muitos
problemas da vossa vida quotidiana.
Não vou responder a estas perguntas a partir de um ponto de vista
específico, porque sinto que todos os problemas devem ser tratados, não
separadamente, mas como um todo. Se pudermos fazer isto, os nossos
pensamentos e ações tornar-se-ão sãos e equilibrados.
Por favor não rejeitem algumas destas perguntas por serem burguesas ou
feitas pela classe desocupada. São perguntas humanas e devem ser
consideradas como tais, não como pertencendo a qualquer classe
determinada.
Pergunta: Como considera a mediunidade e a comunicação com os espíritos dos mortos?
Krishnamurti: Podem rir-se disso ou levá-lo a sério. Em primeiro lugar
não vamos discutir se os espíritos existem ou não, mas vamos considerar o
desejo que nos incita a comunicar com eles, porque essa é a parte mais
importante da questão.
Como a maioria das pessoas que se dedicam a este gênero de coisas, na sua
comunicação com os mortos há o desejo de serem guiados, de que se lhes
digam o que fazer, uma vez que estão em constante incerteza relativamente
às suas ações, e têm a esperança de que pela comunicação com aqueles
que estão mortos, encontrarão orientação, poupando-se assim, a si mesmos, o trabalho de pensar. Portanto o desejo é de serem orientadas,
dirigidas, para que possam não cometer erros e sofrer. É a mesma atitude
que alguns têm relativamente aos mestres, aqueles seres que são
considerados mais avançados, e portanto capazes de orientar o homem
através dos seus mensageiros, etc.
O culto da autoridade é a negação da compreensão. O desejo de não sofrer
gera exploração. Portanto esta busca de autoridade destrói a plenitude
de ação, e a orientação origina irresponsabilidade, porque há um forte
desejo de navegar através da vida sem conflito, sem sofrimento. É por
esta razão que se têm crenças, ideais, sistemas, na esperança de que a luta e
o sofrimento possam ser evitados. Mas estas crenças, ideais, que se
tornaram fugas, são a própria causa do conflito, gerando ilusões
maiores, sofrimento maior. Enquanto a mente procurar conforto através da
orientação, através da autoridade, a causa do sofrimento, da
ignorância, não pode ser nunca dissolvida.
Pergunta: Para alcançar a verdade, devemos abster-nos do casamento e da procriação?
Krishnamurti: Ora, bem, a verdade não é um fim, um objetivo que possa ser
alcançado através de certas ações. É essa compreensão nascida do
contínuo ajustamento à vida que exige grande inteligência; e porque a
maior parte das pessoas não é capaz deste ajustamento sem auto-defesa ao
movimento da vida, criam certas teorias e ideais que esperam possam
guiá-los. O homem está assim preso à estrutura das tradições, dos
preconceitos e das moralidades compulsivas, ditadas pelo medo e pelo
desejo de auto-preservação. Isto aconteceu porque ele é incapaz de
discernir continuamente o significado da vida em constante movimento, e
portanto, desenvolveu certos “ter de” e “não dever”. Para se ter uma vida completa e
rica, quero dizer, uma vida extremamente inteligente, não uma
existência auto-protetora, defensiva, é exigido que a mente esteja livre de
tabus, de medos e superstições, sem os “dever” ou os “não dever”, e isto
só pode existir quando a mente compreender integralmente o significado
da causa do medo.
Para a maioria das pessoas há conflito, sofrimento e um ajustamento
incessante no casamento; e para muitas o desejo de alcançar a verdade é
apenas uma fuga a esta luta.
Pergunta: O senhor nega a religião, Deus e a imortalidade. Como é que
a humanidade pode tornar-se mais perfeita, e portanto mais feliz, sem
acreditar nestas coisas fundamentais?
Krishnamurti: Porque para vocês é apenas uma crença em Deus, na
imortalidade, porque simplesmente acreditam nestas coisas, é que há
tanta miséria, sofrimento e exploração. Só podem descobrir se existe a
verdade, a imortalidade, na plenitude da própria ação, não através de
uma qualquer crença, não através da asserção autoritária de outro. A
realidade oculta-se na plenitude da própria ação.
Ora para a maioria das pessoas, a religião, Deus e a imortalidade são
simples meios de fuga. A religião apenas ajudou o homem a fugir do
conflito, do sofrimento da vida, e por isso da sua compreensão. Quando
estão em conflito com a vida, com os seus problemas de sexo, exploração,
ciúme, crueldade, etc., como fundamentalmente não desejam
compreendê-los – porque compreender exige ação, ação inteligente – e
como não estão dispostos a fazer um esforço, inconscientemente tentam
fugir para aqueles ideais, valores, crenças que lhes foram passados.
Assim a imortalidade, Deus e a religião tornaram-se simplesmente
refúgios para uma mente que está em conflito.
Para mim, tanto o crente como o descrente em Deus e na imortalidade
estão errados, porque a mente não pode abranger a realidade até que
esteja completamente livre de ilusões. Só então podem afirmar, não
acreditar ou negar, a realidade de Deus e da imortalidade. Quando a
mente está totalmente livre dos impedimentos e das limitações criadas
através da auto-proteção, quando está aberta, integralmente nua,
vulnerável na compreensão da causa da ilusão auto-gerada, só então todas
as crenças desaparecem, cedendo espaço à realidade.
Pergunta: É contra a instituição da família?
Krishnamurti: Sou, se a família for o centro de exploração, se estiver
baseada na exploração. (Aplauso) Por favor, o que adianta simplesmente
concordarem comigo? Têm que agir para alterar isto. Este desejo de
perpetuação cria a família que se torna o centro de exploração. Portanto
a pergunta é na realidade, pode-se alguma vez viver sem explorar? Não
se a vida familiar está certa ou errada, não se ter filhos está certo ou
errado, mas se a família, as posses, o poder, não são o resultado do
desejo de segurança, de auto-perpetuação. Enquanto existir este desejo, a
família torna-se o centro de exploração. Podemos alguma vez viver sem
exploração? Eu digo que podemos. Existirá exploração enquanto
houver esta luta pela auto-proteção; enquanto a mente procurar
segurança, conforto, através da família, da religião, da autoridade ou
da tradição, então, tem que existir exploração. E a exploração só cessa quando a
mente discernir a falsidade da segurança e já não estiver enredada pelo
seu próprio poder de criar ilusões. Se experimentarem o que digo,
compreenderão, então, que não estou a destruir o desejo, mas que podem
viver neste mundo de uma maneira rica e sensata, uma vida sem
limitações, sem sofrimento. Só podem descobrir isto experimentando, não
negando, não através da resignação nem simplesmente imitando. Onde
funciona a inteligência – e a inteligência cessa de funcionar quando há
medo e o desejo de segurança – não pode haver exploração.
A maior parte das pessoas está à espera que ocorra uma mudança que
milagrosamente alterará este sistema de exploração. Estão à espera que
as revoluções realizem as suas esperanças, as suas ânsias não
satisfeitas; mas nessa espera estão a morrer lentamente. Porque eu penso
que as meras revoluções não mudam os desejos fundamentais do homem. Mas
se o indivíduo começar a agir com inteligência, sem compulsão,
independentemente das condições presentes ou do que as revoluções
prometem no futuro, então há uma riqueza, uma plenitude, cujo êxtase não
pode ser destruído.
Krishnamurti
Essa palestra de Krishnamurti foi realizada em São Paulo, 24 de Abril de 1935. Muita coisa precisou mudar, ou melhor, estruturas consideradas sólidas precisaram cair por terra para que pudéssemos compreender essas palavras, em forma de sementes, que só agora, nesta atualidade, fizessem o efeito, do qual não se pode abdicar. Infelizmente só despertamos através de 'choques', que venham romper padrões de condutas considerados permanentes, imutáveis... Na maioria das vezes achamos que o mundo está de cabeça para baixo, porém tudo isso é necessário para que possamos refletir "e se o indivíduo começar a agir com inteligência, sem compulsão,
independentemente das condições presentes ou do que as revoluções
prometem no futuro, então há uma riqueza, uma plenitude, cujo êxtase não
pode ser destruído". KyraKally
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