A PALAVRA CORRETA
Parte II
O uso eficiente do poder da palavra
requer coragem, atenção e equilíbrio.
Parte II
O uso eficiente do poder da palavra
requer coragem, atenção e equilíbrio.
Carlos Cardoso Aveline
Naturalmente,
quem fala a verdade muitas vezes contraria interesses. A palavra
sincera nem sempre encaixa nos esquemas dos poderosos. Aquele que tem
coragem de ser íntegro percebe que muitas pessoas preferem desconhecer a
verdade. “O pior cego é aquele que não quer ver”, diz um ditado
popular. E, às vezes, os que não querem ver estão em maioria. “Em terra
de cegos, quem tem um olho é rei”, diz outro ditado. Mas, na realidade,
em terra de cegos, quem tem um olho pode ser duramente perseguido,
especialmente quando insiste em falar sobre o que vê. Helena Blavatsky
escreveu o seguinte:
“A
sinceridade é a verdadeira sabedoria apenas para o filósofo moral. Ela é
agressão e insulto para aquele que considera a dissimulação e o engano
como cultura e cortesia.”
Para Blavatsky, a palavra é uma das principais armas do guerreiro da sabedoria. Ela não deixa dúvidas:
“O
nosso lema é e será sempre ‘não há religião superior à verdade’. O que
procuramos é a verdade, e, uma vez encontrada, nós a colocamos diante do
mundo, aconteça o que acontecer”. [8]
Embora
possa ser atacado por dizer a verdade, o estudante da teosofia original
jamais usa a palavra com o objetivo de ferir alguém. Ele vigia
constantemente a sua própria atitude para que a intenção permaneça pura e
ele não seja distraído pelo desejo medíocre de uma pequena vingança,
nem desorientado pela vontade de humilhar sutilmente outra pessoa, ou de
parecer que é melhor que alguém.
O
uso eficiente do poder da palavra requer coragem, atenção e
equilíbrio. A luz da palavra sincera, inseparável da intenção correta,
revela verdades incômodas, que a ignorância e a preguiça preferem
rejeitar. “Toda palavra verdadeira é o começo de um ato de justiça”,
disse um pensador sábio. Mas ele não disse que este começo era
cômodo. Eliphas Levi escreveu: “A beleza da palavra é um esplendor da
verdade. Uma palavra verdadeira é sempre bela, uma bela palavra é sempre
verdadeira.” [9]
Felizmente,
nem sempre é difícil falar a verdade. Quando há um clima de boa vontade
e de liberdade de pensamento, as pessoas aceitam ser democraticamente
contrariadas e não se ofendem com a primeira coisa “desagradável” que
ouvem. Nas situações em que há pensamento correto e confiança
mútua, cada um pode falar com franqueza. Então os muros de defesa
psicológica caem, as máscaras são abandonadas, e todos saem ganhando com
isso.
Mas
não basta controlar no dia-a-dia as palavras que falamos. É necessário
selecionar também as palavras que escutamos. Devemos decidir com atenção
o que queremos ouvir no rádio ou na televisão. É recomendável evitar
filmes de violência e outras “obras de arte” em que a mentira e o
egoísmo estão excessivamente presentes. Tudo o que vemos tem impacto
sobre o nosso subconsciente.
As
pessoas com quem escolhemos nos relacionar devem ser bem selecionadas. É
aconselhável adotar como amigos os mais sábios. Outra recomendação para
a defesa da nossa alma contra emoções e pensamentos negativos é
conduzir as conversas de que participamos para temas elevados. Podemos
ganhar grande paz e sabedoria mantendo presentes em todo e qualquer
diálogo os sentimentos de ética, respeito e equilíbrio. A razão disto é
simples. Cada palavra falada ou escutada passa a habitar a nossa aura, isto é, a atmosfera eletromagnética sutil que rodeia e acompanha nosso corpo físico. Um raja iogue dos Himalaias afirmou:
“...
Cada pensamento do homem, ao ser produzido, passa ao mundo interno e se
torna uma entidade ativa associando-se - amalgamando-se, poderíamos
dizer - com um elemental, isto é, com uma das forças semi-inteligentes
dos reinos. Ele sobrevive como inteligência ativa - uma criatura gerada
pela mente - por um período mais curto ou mais longo, proporcionalmente à
intensidade da ação cerebral que o gerou. Desse modo um bom
pensamento é perpetuado como força ativa e benéfica, um mau pensamento
como demônio maléfico. Assim, o homem está constantemente ocupando sua
corrente no espaço com seu próprio mundo, um mundo povoado com a prole
de suas fantasias, desejos, impulsos e paixões; uma corrente que reage
sobre qualquer organização sensível ou nervosa que entre em contato com
ele na proporção da sua intensidade dinâmica. A isto os budistas chamam
de ‘Skandha’. Os hindus lhe dão o nome de ‘Carma’. O adepto produz essas
formas conscientemente; os outros homens as atiram fora
inconscientemente.” [10]
O
uso equilibrado da palavra é uma prática sagrada, e constitui um ponto
central do caminho da sabedoria. No budismo, os seguidores de Buda Amida
assumem um compromisso interior ao recitar diariamente a Cadeia de
Ouro. Eles dizem:
“Eu
sou um elo da Cadeia de Ouro do amor de Buda Amida, que se estende pelo
mundo. Devo conservar meu elo brilhante e forte. Tentarei ter
pensamentos belos e puros, dizer palavras belas e puras, praticar ações
belas e puras, porque sei que de tudo quanto agora faço depende a minha
felicidade ou infelicidade, assim como a felicidade dos outros
seres. Possa todo elo da Cadeia de Ouro do amor de Buda Amida tornar-se
brilhante e forte. E possamos todos nós alcançar a Paz Perfeita.”[11] Buda Amida significa Luz Eterna e Vida Infinita.
É
decisiva, portanto, a importância do diálogo correto com todos, e da
leitura constante sobre temas elevados. O pensamento positivo cria
emoções construtivas, e o resultado disso é boa saúde. Por sua vez, a
boa saúde nos inclina a ter sentimentos e pensamentos construtivos, e
assim se forma um círculo magnético de realimentação positiva. Não é por
acaso que os gregos antigos tinham como lema “uma mente sã em um corpo
são.” As duas coisas andam juntas e trazem consigo o despertar da
inteligência espiritual.
Em
qualquer situação, as palavras que usamos são instrumentos do
pensamento, e o pensamento expressa o estado da alma. O grau médio de
equilíbrio e sabedoria presente nas palavras de alguém revela o nível
médio de equilíbrio e sabedoria da sua alma. Ser conscientemente
responsável por tudo o que pensamos e dizemos é um ato de vontade que
deve ser exercido durante a vida toda, mas também produz um bem-estar
crescente a cada instante. William Q. Judge escreveu:
“As
palavras são coisas. Do meu ponto de vista, e também na realidade. No
plano inferior da convivência social as palavras são coisas, mas coisas
sem alma e mortas, porque a convenção na qual elas nascem as transforma
em abortos. Mas quando nos afastamos das convenções, as palavras se
tornam vivas na razão direta da veracidade e da pureza do pensamento que
está por trás delas. Assim, no diálogo entre dois estudantes [da
teosofia original] elas são coisas, e os estudantes devem cuidar para
que a base do intercâmbio seja completamente compreendida. Devemos usar
com cuidado estes mensageiros vivos chamados palavras.” [12]
Controlar
e educar o fluxo das palavras pensadas e faladas elimina gradualmente a
causa do nosso sofrimento, e também nos permite assumir por completo as
rédeas da nossa vida. O controle do pensamento tende a ocorrer de modo
natural, quando o indivíduo atende três pré-requisitos indispensáveis:
1) A primeira condição é que ele tenha uma meta definida e clara em sua vida;
2) A segunda é que esta meta seja correta, nobre e elevada; e
3) A terceira é que ele não esteja disposto a perder tempo ou energia com fatos pequenos e prejudiciais à meta.
A
mente humana é do tamanho das metas que abraça. Cada indivíduo atua e
cria carma principalmente naquele nível de consciência em que estão os
seus objetivos prioritários. Todas as metas da sua vida devem ganhar
coerência e harmonia entre si. Na tradição milenar do hinduísmo, há um
trecho dos Upanixades que é usado há séculos como mantra e como oração. A
força simples da sua sabedoria é inspiradora para quem busca viver com
integridade. Diz o “Aitareya Upanixade”:
“Que
a minha palavra esteja em unidade com a minha mente. E que a minha
mente esteja em unidade com a minha palavra. Ó tu, ser todo iluminado,
afasta o véu da ignorância da minha frente, para que eu possa distinguir
a tua luz. Quero buscar, noite e dia, incessantemente, a correta
compreensão do teu ensinamento. Que eu possa falar a verdade divina. Que
eu possa falar a verdade. Que a verdade me proteja. Que ela proteja meu
Mestre.” [13]
O poder interior de uma oração como esta aproxima a mente do seu eu superior. A
alma imortal do ser humano é como uma fonte inesgotável de água pura.
Dela brota a palavra correta, com sua mensagem de paz e verdade.
NOTAS:
[8]
“Theosophical Articles”, H. P. Blavatsky, Theosophy Company, Los
Angeles,1981, edição em três volumes, ver volume I, pp. 279-280.
[9] “A Chave dos Grandes Mistérios”, Eliphas Levi, Ed. Pensamento, SP, ver p. 215.
[10] “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, 2001, edição em dois volumes, ver volume II, Anexo I, p. 343.
[11]
Citado por Murillo Nunes de Azevedo em “Rumo a Uma Mente Sábia e uma
Sociedade Nobre”, coletânea de textos publicada pela Editora Teosófica,
Brasília, 1994, ver pp. 132-133.
[12] “Letters That Have Helped Me”, William Q. Judge,The Theosophy Co., Los Angeles,1946, 300 pp. , ver p. 11.
[13]
“The Upanishads”, translated from the sanskrit by Swami Prabhavananda
and Frederick Manchester, Penguin Books, USA, 128 pp., ver p. 61.
Nenhum comentário:
Postar um comentário