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quinta-feira, 12 de maio de 2016

A PALAVRA CORRETA
 Parte II

O uso eficiente do poder da palavra 
requer coragem, atenção e equilíbrio.

Carlos Cardoso Aveline 


Naturalmente, quem fala a verdade muitas vezes contraria interesses. A palavra sincera nem sempre encaixa nos esquemas dos poderosos. Aquele que tem coragem de ser íntegro percebe que muitas pessoas preferem desconhecer a verdade. “O pior cego é aquele que não quer ver”, diz um ditado popular. E, às vezes, os que não querem ver estão em maioria. “Em terra de cegos, quem tem um olho é rei”, diz outro ditado. Mas, na realidade, em terra de cegos, quem tem um olho pode ser duramente perseguido, especialmente quando insiste em falar sobre o que vê.   Helena Blavatsky escreveu o seguinte:
 
“A sinceridade é a verdadeira sabedoria apenas para o filósofo moral. Ela é agressão e insulto para aquele que considera a dissimulação e o engano como cultura e cortesia.”
 
Para Blavatsky, a palavra é uma das principais armas do guerreiro da sabedoria. Ela não deixa dúvidas:
 
“O nosso lema é e será sempre ‘não há religião superior à verdade’. O que procuramos é a verdade, e, uma vez encontrada, nós a colocamos diante do mundo, aconteça o que acontecer”. [8]
 
Embora possa ser atacado por dizer a verdade, o estudante da teosofia original jamais usa a palavra com o objetivo de ferir alguém. Ele vigia constantemente a sua própria atitude para que a intenção permaneça pura e ele não seja distraído pelo desejo medíocre de uma pequena vingança, nem desorientado pela vontade de humilhar sutilmente outra pessoa, ou de parecer que é melhor que alguém.
 
O uso eficiente do poder da palavra requer coragem, atenção e equilíbrio. A luz da palavra sincera, inseparável da intenção correta, revela verdades incômodas, que a ignorância e a preguiça preferem rejeitar. “Toda palavra verdadeira é o começo de um ato de justiça”, disse um pensador sábio. Mas ele não disse que este começo era cômodo. Eliphas Levi escreveu: “A beleza da palavra é um esplendor da verdade. Uma palavra verdadeira é sempre bela, uma bela palavra é sempre verdadeira.” [9]
 
Felizmente, nem sempre é difícil falar a verdade. Quando há um clima de boa vontade e de liberdade de pensamento, as pessoas aceitam ser democraticamente contrariadas e não se ofendem com a primeira coisa “desagradável” que ouvem. Nas situações em que há pensamento correto e confiança mútua, cada um pode falar com franqueza. Então os muros de defesa psicológica caem, as máscaras são abandonadas, e todos saem ganhando com isso.
 
Mas não basta controlar no dia-a-dia as palavras que falamos. É necessário selecionar também as palavras que escutamos. Devemos decidir com atenção o que queremos ouvir no rádio ou na televisão. É recomendável evitar filmes de violência e outras “obras de arte” em que a mentira e o egoísmo estão excessivamente presentes. Tudo o que vemos tem impacto sobre o nosso subconsciente.
 
As pessoas com quem escolhemos nos relacionar devem ser bem selecionadas. É aconselhável adotar como amigos os mais sábios. Outra recomendação para a defesa da nossa alma contra emoções e pensamentos negativos é conduzir as conversas de que participamos para temas elevados.  Podemos ganhar grande paz e sabedoria mantendo presentes em todo e qualquer diálogo os sentimentos de ética, respeito e equilíbrio. A razão disto é simples. Cada palavra falada ou escutada passa a habitar a nossa aura, isto é, a atmosfera eletromagnética sutil que rodeia e acompanha nosso corpo físico. Um raja iogue dos Himalaias afirmou:
 
“... Cada pensamento do homem, ao ser produzido, passa ao mundo interno e se torna uma entidade ativa associando-se - amalgamando-se, poderíamos dizer - com um elemental, isto é, com uma das forças semi-inteligentes dos reinos. Ele sobrevive como inteligência ativa - uma criatura gerada pela mente - por um período mais curto ou mais longo, proporcionalmente à intensidade da ação cerebral que o gerou. Desse modo um bom pensamento é perpetuado como força ativa e benéfica, um mau pensamento como demônio maléfico. Assim, o homem está constantemente ocupando sua corrente no espaço com seu próprio mundo, um mundo povoado com a prole de suas fantasias, desejos, impulsos e paixões; uma corrente que reage sobre qualquer organização sensível ou nervosa que entre em contato com ele na proporção da sua intensidade dinâmica. A isto os budistas chamam de ‘Skandha’. Os hindus lhe dão o nome de ‘Carma’. O adepto produz essas formas conscientemente; os outros homens as atiram fora inconscientemente.” [10]
 
O uso equilibrado da palavra é uma prática sagrada, e constitui um ponto central do caminho da sabedoria. No budismo, os seguidores de Buda Amida assumem um compromisso interior ao recitar diariamente a Cadeia de Ouro. Eles dizem:
 
“Eu sou um elo da Cadeia de Ouro do amor de Buda Amida, que se estende pelo mundo. Devo conservar meu elo brilhante e forte. Tentarei ter pensamentos belos e puros, dizer palavras belas e puras, praticar ações belas e puras, porque sei que de tudo quanto agora faço depende a minha felicidade ou infelicidade, assim como a felicidade dos outros seres. Possa todo elo da Cadeia de Ouro do amor de Buda Amida tornar-se brilhante e forte. E possamos todos nós alcançar a Paz Perfeita.”[11]   Buda Amida significa Luz Eterna e Vida Infinita.
 
É decisiva, portanto, a importância do diálogo correto com todos, e da leitura constante sobre temas elevados. O pensamento positivo cria emoções construtivas, e o resultado disso é boa saúde. Por sua vez, a boa saúde nos inclina a ter sentimentos e pensamentos construtivos, e assim se forma um círculo magnético de realimentação positiva. Não é por acaso que os gregos antigos tinham como lema “uma mente sã em um corpo são.”  As duas coisas andam juntas e trazem consigo o despertar da inteligência espiritual. 
 
Em qualquer situação, as palavras que usamos são instrumentos do pensamento, e o pensamento expressa o estado da alma. O grau médio de equilíbrio e sabedoria presente nas palavras de alguém revela o nível médio de equilíbrio e sabedoria da sua alma.  Ser conscientemente responsável por tudo o que pensamos e dizemos é um ato de vontade que deve ser exercido durante a vida toda, mas também produz um bem-estar crescente a cada instante. William Q. Judge escreveu:
 
“As palavras são coisas. Do meu ponto de vista, e também na realidade. No plano inferior da convivência social as palavras são coisas, mas coisas sem alma e mortas, porque a convenção na qual elas nascem as transforma em abortos. Mas quando nos afastamos das convenções, as palavras se tornam vivas na razão direta da veracidade e da pureza do pensamento que está por trás delas. Assim, no diálogo entre dois estudantes [da teosofia original] elas são coisas, e os estudantes devem cuidar para que a base do intercâmbio seja completamente compreendida. Devemos usar com cuidado estes mensageiros vivos chamados palavras.” [12]
 
Controlar e educar o fluxo das palavras pensadas e faladas elimina gradualmente a causa do nosso sofrimento, e também nos permite assumir por completo as rédeas da nossa vida. O controle do pensamento tende a ocorrer de modo natural, quando o indivíduo atende três pré-requisitos indispensáveis:
 
1) A primeira condição é que ele tenha uma meta definida e clara em sua vida;
2) A segunda é que esta meta seja correta, nobre e elevada; e
3) A terceira é que ele não esteja disposto a perder tempo ou energia com fatos pequenos e prejudiciais à meta.
 
A mente humana é do tamanho das metas que abraça.  Cada indivíduo atua e cria carma principalmente naquele nível de consciência em que estão os seus objetivos prioritários. Todas as metas da sua vida devem ganhar coerência e harmonia entre si. Na tradição milenar do hinduísmo, há um trecho dos Upanixades que é usado há séculos como mantra e como oração. A força simples da sua sabedoria é inspiradora para quem busca viver com integridade.  Diz o “Aitareya Upanixade”:
 
“Que a minha palavra esteja em unidade com a minha mente. E que a minha mente esteja em unidade com a minha palavra. Ó tu, ser todo iluminado, afasta o véu da ignorância da minha frente, para que eu possa distinguir a tua luz. Quero buscar, noite e dia, incessantemente, a correta compreensão do teu ensinamento. Que eu possa falar a verdade divina. Que eu possa falar a verdade. Que a verdade me proteja. Que ela proteja meu Mestre.” [13] 
 
O poder interior de uma oração como esta aproxima a mente do seu eu superior. A alma imortal do ser humano é como uma fonte inesgotável de água pura. Dela brota a palavra correta, com sua mensagem de paz e verdade.  
 
 
 
NOTAS:
 
 
[8] “Theosophical Articles”, H. P. Blavatsky, Theosophy Company, Los Angeles,1981, edição em três volumes, ver volume I, pp. 279-280.
 
[9] “A Chave dos Grandes Mistérios”, Eliphas Levi, Ed. Pensamento, SP, ver p. 215.
 
[10] “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, 2001, edição em dois volumes, ver volume II, Anexo I, p. 343.
 
[11] Citado por Murillo Nunes de Azevedo em “Rumo a Uma Mente Sábia e uma Sociedade Nobre”, coletânea de textos publicada pela Editora Teosófica, Brasília, 1994, ver pp. 132-133.
 
[12] “Letters That Have Helped Me”, William Q. Judge,The Theosophy Co., Los Angeles,1946, 300 pp. , ver p. 11.
 
[13] “The Upanishads”, translated from the sanskrit by Swami Prabhavananda and Frederick Manchester, Penguin Books, USA, 128 pp., ver p. 61.


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