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quarta-feira, 11 de maio de 2016

A PALAVRA CORRETA
Parte I

O Poder da Palavra Elimina 
ou Aumenta as Causas do Sofrimento

Carlos Cardoso Aveline
  
O uso da palavra define o ser humano. Raramente, num instante de meditação, ficamos livres do pensamento. Uma das nossas características centrais é que falamos quase o tempo todo, não apenas com palavras físicas, mas também mentalmente. Quando não dizemos nada para os outros, estamos dizendo coisas para nós próprios. Quando não escutamos alguém, ouvimos dentro de nós a voz interior das esperanças e anseios que habitam nosso universo pessoal.

A fala, assim, é muito mais do que um mero som ou uma sequência lógica de pensamentos.   É uma corrente magnética que contém e transmite vida. Para o cachorro, a voz do dono desperta devoção e um sentido natural de obediência. Para a criança pequena, a voz da mãe dá tranquilidade e a faz dormir. Para aquele que busca compreender a si mesmo, a voz da consciência é seu grande mestre.

A filosofia esotérica ensina que o mundo físico, com suas três dimensões, é rodeado por um universo invisível, eletromagnético e transcendente. Nesta quarta dimensão as distâncias físicas não têm importância. Este mundo sutil é conhecido como luz astral, ou akasha. Nele estão registradas as imagens de todas as coisas que passaram e as sementes das coisas que virão. É um espaço-tempo ilimitado, que rodeia e também interpenetra o mundo tridimensional. Ali as coisas podem deslocar-se na velocidade do pensamento.

Este mundo oculto é influenciado decisivamente pela palavra. “No início era o verbo”, diz a Bíblia (João, 1:1). E o verbo ainda hoje cria o universo humano.   Todos os dias, pela manhã, reinventamos a vida. É sempre aqui e agora que criamos o nosso destino futuro, através das palavras que dizemos para nós próprios e para os outros. Cada pensamento e cada som é um mantra, porque detém um poder mágico de influenciar a vida de modo profundo. Eliphas Levi escreveu: “As vibrações da voz modificam o movimento da luz astral e são veículos poderosos do magnetismo”.[1] As vibrações do pensamento que não é falado têm o mesmo efeito. Os mantras mais eficientes são ditos mentalmente.

O poder da palavra é enorme, portanto.   Ela é um fator vivo, que salva ou condena, ilumina ou causa escuridão, faz adoecer ou cura ou dá esperança, conforme a intenção e a intensidade com que seja dita. A intenção magnetiza a palavra. O pensamento correto leva à palavra e à ação corretas, e disto surge a felicidade interior. Está escrito em “Provérbios”, o texto bíblico:

“Uma resposta branda aplaca a raiva, uma palavra agressiva atiça a cólera. A língua dos sábios torna o conhecimento agradável, a boca dos insensatos destila ignorância. Em todo lugar os olhos de Deus estão vigiando os maus e os bons. A língua suave é árvore da vida, mas a língua perversa quebra o coração. Os lábios dos sábios espalham conhecimento, mas o coração dos insensatos não é assim.” E poucas linhas mais adiante: “abominação para Deus são os pensamentos maus, mas as palavras benevolentes são puras.” [2]

Na Grécia antiga, Platão escreveu:

“... Só as palavras pronunciadas com o fim de instruir, e que de fato se gravam na alma, sobre o que é justo, belo e bom - apenas nelas se encontra uma força eficaz, perfeita e divina a ponto de nelas empregarmos os nossos esforços. Quanto aos demais discursos, podemos desprezá-los.” [3]

Cada palavra a ser dita merece atenção, porque a palavra é a unidade básica do pensamento e da fala e sempre chega ao seu destino. Ela produz um efeito eletromagnético, e a parte principal do seu efeito se volta para nós próprios. As palavras que dizemos ou pensamos ficam gravadas em nosso inconsciente e se misturam ao nosso destino. Esta é uma lei inevitável, e por isso nossa vida é, de fato, um fruto do nosso pensamento.   O “Dhammapada” budista ensina:

“Tudo o que somos é resultado do que nós pensamos no passado. Tudo o que somos se baseia em nossos pensamentos e é formado por nossos pensamentos. Se alguém fala ou age com um mau pensamento, o sofrimento o acompanha, assim como a roda da carreta segue os passos do boi que a puxa. Se alguém fala ou age com pensamento puro, a felicidade o acompanha assim como sua própria sombra, que nunca se afasta dele.” [4]

O Novo Testamento (Tiago, 3:2-3) afirma: “Aquele que não tropeça ao falar é realmente um homem perfeito, capaz de refrear todo seu corpo. Quando colocamos um freio na boca dos cavalos, a fim de que nos obedeçam, conseguimos dirigir todo seu corpo”.

Assim como a cabeça do cavalo, a palavra vai na frente, abre caminho e define as linhas pelas quais o futuro será construído. Por outro lado, a palavra é quase sempre um resultado prático de uma determinada experiência de vida. O Jesus do Novo Testamento ensina:

“A boca fala daquilo de que o coração está cheio. O homem bom, do seu bom tesouro tira o bem, mas o homem mau, do seu mau tesouro tira o mal. Eu lhes digo que de toda palavra inútil que os homens disserem darão contas no Dia do Juízo. Pois por suas palavras você será justificado, e por suas palavras será condenado” (Mateus, 12:34-37).

Sobre o mesmo assunto, um raja-iogue dos Himalaias escreveu:

“O princípio fundamental do Ocultismo é que cada palavra ociosa é registrada, do mesmo modo que uma palavra sincera e plena de significado.” [5]

O poder da palavra e do pensamento é como o fogo. Ele ilumina, mas também pode queimar, e por isso deve ser usado com atenção. Em geral, quem fala impensadamente também age sem pensar. Quando sabemos calar, fica mais fácil parar o pensamento verbal e abrir espaço para a luz da intuição. Então passamos a perceber a verdade de modo cada vez mais direto, diminuindo a necessidade da intermediação da palavra. O pensamento pode ir além da palavra, e Gibran Khalil Gibran escreveu:

“O pensamento é uma ave do espaço que, numa gaiola de palavras, pode abrir as asas, mas não pode voar. Há entre vós aqueles que procuram os faladores por medo da solidão. A quietude da solidão revela-lhes seu Eu desnudo, e eles preferem escapar-lhe. E há aqueles que falam e, sem o saber ou prever, traem uma verdade que eles próprios não compreendem. E há aqueles que possuem a verdade dentro de si, mas não a expressam em palavras. No íntimo de tais pessoas, o espírito habita num silêncio rítmico. ” [6]

A palavra eficaz surge da ação e da vivência conscientes. Nenhum discurso pode ser mais forte que a prática da qual ele emerge. As palavras são extremamente úteis, quando sinceras. Mas só servem para desorientar quando estão divorciadas dos fatos. Neste caso, elas desorientam mais aquele que as diz do que aquele que ouve a falsidade, porque quem fala falsidades se acostuma com elas e perde o hábito de enxergar a verdade. Com isso, perde o rumo.


A ética budista recomenda a prática do Pensamento Correto, da Palavra Correta, da Ação Correta e do Meio de Vida Correto. Os quatro pontos são inseparáveis.   “A Palavra Correta, ou linguagem pura” - escreve Georges da Silva - “é a que traduz honestidade, verdade, paz, carinho; que é cortês, agradável, benéfica, útil, moderada e sensível. Significa abstenção das mentiras, da difamação, da calúnia e de todas as palavras capazes de provocar ódio, inimizade, desunião e desarmonia entre indivíduos ou grupos sociais.” [7]

O espírito crítico é importante, porque significa discernimento. Mas a intenção - que dá a direção e o sentido da palavra - deve ser correta. Podemos usar com mais eficácia o poder da palavra se evitarmos a dispersão mental e emocional, e se aprendermos a desejar a verdade sobre todas as coisas. Esta meta, porém, não pode ser alcançada sem enfrentar numerosas armadilhas.   A verdade promove uma perigosa destruição da ingenuidade e da preguiça a que estamos, em geral, acostumados. Quando a ilusão desaparece, num primeiro momento nos sentimos órfãos. Só depois vem a sensação de liberdade.



NOTAS:
[1] “A Chave dos Grandes Mistérios”, de Eliphas Levi, Ed. Pensamento, SP, p. 111.
[2] Antigo Testamento, “Provérbios”, 15: 1-7; e, no mesmo capítulo 15, o versículo 26.
[3] “Fedro”, Platão, Ed. Martin Claret, SP, 125 pp., ver pp. 123-124.
[4] “O Dhammapada”, edição online publicada em www.FilosofiaEsoterica.com, Capítulo 1, versículos 1 e 2.
[5] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, editadas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica. Ver a Carta III para Laura Holloway, p. 147.
[6] “O Profeta”, Gibran Khalil Gibran, ed. ACIGI, RJ, trad. Mansour Challita, 89 pp., ver pp. 57-58.
[7] “Budismo: Psicologia do Autoconhecimento”, de Georges da Silva e Rita Homenko, Ed. Pensamento, SP, ver p. 77.

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