A FLAUTA NOS LÁBIOS DE DEUS
Em A Flauta Nos Lábios de Deus,
Osho comenta as mensagens de Jesus com uma profundidade impressionante,
desvelando toda a potência espiritual dos ensinamentos de Cristo e nos
mostrando aspectos inéditos e até agora pouco compreendidos dos
Evangelhos. Por meio dos escritos de Mateus, Marcos, Lucas e João, ele
nos mostra o significado mais profundo das palavras de Jesus e sua
relevância atemporal.
Mateus 5;
1; Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos;
2; E ele passou a ensiná-los, dizendo:
3; “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.”
4; “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.”
5; “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.”
6; “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.”
7; “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.”
8; “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.”
9; “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.”
10; “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”
11;
“Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus;
pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.”
12;
“Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe
restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser
pisado pelos homens.”
"O
Evangelho começa de um jeito incrivelmente lindo. Nenhum outro livro
começa assim. A Bíblia é “o livro dos livros”: este é o significado
exato da palavra “Bíblia”. – o Livro. É o documento mais precioso que a
humanidade possui. Por isso é chamado de “O testamento”; porque Jesus
foi testemunha de Deus nele: Jesus se tornou a testemunha de Deus, um
testamento. É a única prova possível. Deus não pode ser contestado, mas
só um homem como Jesus pode se tornar prova de Deus.
O
Evangelho transpõe tudo o que é belo no desabrochar de Jesus: as
bem-aventuranças. Essas são as mais belas afirmações já feitas. Nem Buda
nem Lao Tsé falavam dessa maneira. Buda é um filósofo, muito refinado.
Jesus é direto, simples. Jesus fala como um aldeão, um agricultor, um
pescador. Mas como ele fala de um jeito que as pessoas comuns falam, as
palavras dele têm uma solidez, uma concretude, uma realidade.
As
palavras de Buda são abstratas; são palavras muito elevadas,
filosóficas. As palavras de Jesus são pé-no-chão, muito da terra. Elas
possuem a fragrância da terra que você sente quando as chuvas caem e a
terra absorve a água delas, e daí uma fragrância – a fragrância da terra
úmida, a fragrância que você sente na praia, a fragrância do oceano,
das árvores. As palavras de Jesus são muito, muito ligadas à terra, com
raízes na terra. Ele é um homem da terra, e essa é a beleza dele.
Ninguém mais pode ser comparado com essa beleza. O céu é bom, mas
abstrato, longe, distante.
Por isso, eu lhes digo, nenhum outro livro começa como o Evangelho; nenhum outro livro fala como fala o Evangelho.
A palavra gospel (Evangelho) se origina do termo godspel
(God=Deus+spell=encanto,feitiço). Deus falou através de Jesus. Jesus é
apenas um bambu oco. O cântico é de Deus, e as metáforas de Jesus são
muito verdadeiras para a vida. Ele não está elaborando conceitos; está
simplesmente indicando a verdade como ela é.
O
começo: “O livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de
Abraão. Abraão gerou Isaque; e Isaque gerou Jacó; e Jacó gerou a
Judas... e Judas gerou a Perez... e Perez gerou a Esrom; e Esrom gerou
Arão...”, e assim por diante. Em seguida: “Jacó gerou a José, marido de
Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo”.
Essa
genealogia para de repente. Quarenta e duas gerações se passaram de
Abraão a Jesus. O Evangelho registre 42 gerações, e de repente nasce
Jesus e a genealogia para. De repente, chega a um ponto final, porque
Jesus é o cumprimento; nada vai além. Jesus é a culminação – não há como
continuar. Então “Abraão gerou a Isaque, Isaque gerou Jacó...” –
continua. Não há como ir além de Jesus: o supremo chegou. Jesus é o
desabrochar e o cumprimento. Por isso a Bíblia chama Jesus de pleroma, a realização, o cumprimento.
Aquelas
42 gerações se cumprem em Jesus. Toda a história que precedeu a Jesus
se cumpre nele. Chegou o lar. Ele é o fruto, o crescimento, a evolução
daquelas 42 gerações. Jesus é o cumprimento; é por isso que o Evangelho
não diz nada além disso. Jesus não gerou ninguém; gerou a si mesmo. E
esse é o significado da palavra “Cristo”.
Há
dois tipos de nascimento. Um, através dos outros – do pai, da mãe –, é o
nascimento físico. O outro nascimento você dá a si mesmo; você tem de
nascer de si mesmo; tem de se tornar o ventre, o pai, a mãe e a criança.
Você tem de morrer como passado e nascer como futuro. Você tem de gerar
a si próprio. Por isso digo que o livro começa de maneira incrivelmente
bela, muito significativa: Jesus não gerou ninguém, Jesus gerou a si
próprio.
Esse
é o princípio da crucificação e da ressurreição. O corpo é crucificado,
não se pode crucificar o espírito. Você pode destruir o corpo, mas não
pode destruir o espírito. O corpo é denso: a espada pode atravessá-lo, o
veneno pode matá-lo; e mesmo que nada venha para matá-lo, a morte virá e
o corpo perecerá; ele tem de perecer, deve ser assim. Ele só existe por
pouco tempo. As pessoas que são conscientes usam esse tempo para criar
espírito em si próprias.
O
corpo é como as uvas. As uvas acabam. Você não pode guardá-las por
muito tempo – elas apodrecem; mas você pode criar vinho das uvas. Por
isso, se chama “espírito”. Você pode criar espírito em seu ser, um
vinho. As uvas não podem ser acumuladas; elas são temporárias,
momentâneas. Mas o vinho pode durar para sempre. Na verdade, quanto mais
velho se torna, mais precioso e valioso ele é. Ele tem uma duração não
temporal; pertence à eternidade.
O
corpo é como as uvas; e se você usá-lo corretamente, poderá criar o
vinho em você. O corpo vai desaparecer, mas o vinho pode permanecer; o
espírito pode permanecer.
Jesus
fez muitos milagres. Um dos milagres é o de transformar água em vinho.
Essas são metáforas – não as interprete literalmente. Se as interpretar
literalmente, destruirá o sentido das palavras. E se começar a provar
que são fatos históricos, então você é tolo, e com você Jesus também
parecerá tolo. São metáforas do mundo interior.
O
mundo interior não pode ser expresso literalmente, mas apenas
simbolicamente. Transformar água em vinho significa simplesmente criar o
eterno no tempo, criar o que permanece naquilo que não pode permanecer.
Se
você guardar água, cedo ou tarde ela começará a cheirar mal. Mas o
vinho você pode guardar por eras, séculos; quanto mais velho ele for,
melhor se tornará, mais poderoso, mais potente. O vinho é uma metáfora
para o eterno.
Jesus
se transforma através do sacrifício. Ninguém jamais se transforma sem
sacrifício. Você tem de pagar por isso: a cruz é o preço – você tem de
morrer para renascer, tem de perder tudo para ganhar Deus.
Jesus
gerou a si próprio. Esse fenômeno aconteceu na cruz. Ele hesitou por um
instante, estava muito intrigado – é natural. Por um único momento ele
não conseguiu ver Deus em lugar algum. Tudo estava perdido, ele estava
perdendo tudo; ia morrer e parecia não haver possibilidade... Isso
acontece com toda semente. Quando você põe a semente na terra, chega um
momento em que ela se perde e hesita – a mesma hesitação aconteceu com
Jesus na cruz. A semente está morrendo e precisa se apegar ao passado.
Ela quer sobreviver – ninguém quer morrer. E a semente não pode
imaginar que aquilo não é morrer; que logo ela ressuscitará de uma
maneira multiplamente nova; que logo começará a desabrochar.
A
morta da semente será o nascimento da árvore, e ela terá uma grande
folhagem, com flores e frutas; e virão os pássaros e se sentarão nos
galhos e farão seus ninhos; e as pessoas se sentarão sob a sombra da
árvore; e a árvore conversará com as nuvens e com as estrelas à noite, e
brincará com o céu, e dançará nos ventos; e todos se regozijarão. Mas
como a pobre semente pode saber disso, uma vez que ela nunca foi outra
coisa? É inconcebível. Por isso, Deus é inconcebível.
Não
se pode provar à semente que isso vai acontecer, porque ainda que a
semente peça: “Então me deixe ver o que vai fazer”, não se pode tornar
tudo aquilo disponível a ela; não se pode deixar visível à semente o que
vai acontecer. Acontecerá no futuro, e quando acontecer, a semente já
não existirá mais. A semente nunca se encontrará com a árvore. O homem
nunca se encontrará com Deus. Quando o homem se vai, vem Deus.
Jesus
hesitou, estava preocupado. Gritou, quase gritou contra o céu: “Por que
me abandonastes? Por que? Por que esta tortura para mim? Que vos fiz de
errado?” Mil e uma coisas devem ter passado por sua mente.
A
semente está morrendo e não tem a menor consciência do que vai
acontecer em seguida. Não é possível para a semente conceber aquele
próximo passo; portanto, é preciso fé, confiança. A semente tem de
confiar que a árvore nascerá. Com toda hesitação, com todos os tipos de
medo, insegurança; com todos os tipos de angústia, ansiedade – apesar de
tudo isso –, a semente tem de confiar que a árvore vai nascer, que a
árvore vai surgir. É um salto de fé.
E
esse fato aconteceu com Jesus; ele relaxou na cruz e disse: “Venha a
nós o vosso reino. Seja feita a vossa vontade...” O coração dele
palpitava. É natural. Seu coração também palpitará, você também terá
medo quando chegar o momento de sua morte; quando vier aquele momento em
que seu eu desaparece e você se perde numa espécie de nada; e parece
não haver uma maneira de sobreviver, e mesmo assim você tem de se
encontrar.
Você
pode se entregar de duas maneiras: com relutância, e perder o objetivo;
ou simplesmente morrer e renascer. Você pode relaxar em profunda
aceitação e confiança, se puder se entregar sem nenhuma resistência...
Foi isso que fez Jesus; esse é o maior de todos os milagres. Para mim,
esse é o milagre – não o fato de ele ter dado saúde para uma pessoa
doente, ou a visão para os cegos, ou curado a lepra de alguém, ou ter
ajudado Lázaro a reviver, voltar à vida – e ele tinha morrido! Não, para
mim, esses não são milagres de verdade; são parábolas, metáforas. Todo
Mestre doa os olhos àqueles que são cegos, e ouvidos àqueles que são
surdos. Todo Mestre tira as pessoas da morte que chamam de vida,
manda-as sair de sua cova. Essas são metáforas.
Mas
o milagre real é quando Jesus – apesar de todas as suas hesitações,
preocupações, dúvidas, suspeitas – relaxa, se entrega e diz: “Seja feita
a vossa vontade”. Nesse momento, Jesus desaparece e nasce o Cristo.
Teilhard
de Chardin chama a isso de cristogênese. Jesus gerando a Jesus. Através
da cristogênese, o homem se torna aquilo que ele realmente é; perde
aquilo que é e se torna o que ele é: o homem se torna “cristificado”.
Ser “cristificado”, jamais tornar-se cristão. O cristão é aquele que
segue o dogma cristão. “Cristificado” significa morrer como semente e se
tornar uma árvore. “Cristificado” significa você abandonar o ego,
desaparecer como você mesmo e começar a aparecer em outro plano, como
uma espécie de transfiguração: uma ressurreição.
“Cristificado” significa que você não está mais sozinho: Deus está em você e você está em Deus.
Esse
é o paradoxo da consciência de Cristo. Cristo chama a si mesmo muitas
vezes de Filho do homem, e muitas vezes de Filho de Deus. Ele é ambos:
Filho do homem, no que diz respeito ao corpo; Filho de Deus no que diz
respeito ao espírito, Filho de Deus no que diz respeito à consciência. A
mente é o mecanismo da consciência, assim como o corpo pertence ao
espírito. Jesus é o paradoxo: de um lado homem, de outro Deus. E quando
Deus e homem trabalham juntos, os milagres acontecem e não há surpresa
alguma nisso. Os milagres acontecem somente quando Deus e homem agem
juntos, em cooperação.
Leon
Tólstoi disse: “Cristo é Deus e homem trabalhando juntos, caminhando
juntos, dançando juntos”. Santo Agostinho diz: “Sem Deus, o homem nada
pode; sem o homem, Deus nada pode”. Cristo é a operação combinada – o
encontro do finito com o infinito, tempo e eternidade se encontrando e
se fundindo.
Um velho jardineiro estava cavando no jardim quando chegou o padre.
- George – disse o padre –, é maravilhoso o que Deus e o homem podem fazer trabalhando juntos.
- Sim, senhor. Mas o senhor precisava ter visto este jardim o ano passado, quando Deus cuidava dele sozinho!
Sim,
é verdade. O homem sozinho é impotente. Deus também não pode trabalhar
sozinho. Deus sozinho é potente, mas não tem instrumento. O home sozinho
é um bambu oco – ninguém pode criar uma canção nesse bambu; ninguém
consegue enchê-lo de música, harmonia, melodia. Deus sozinho tem a
capacidade de criar uma melodia, mas não tem um bambu oco para criar uma
flauta.
Cristo é a flauta nos lábios de Deus. Por isso, tudo o que vem de Cristo é de Deus; é o Evangelho.
Do livro “A Flauta nos Lábios de Deus”, Osho
Fonte: http://www.luzdaconsciencia.com.br
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