TEXTOS DE SCHOPENHAUER
"Para levar o homem a um estado de bem-venturança, de modo algum seria
suficiente que se o transportasse para um mundo melhor; ainda seria
necessária a produção de uma mudança fundamental nele mesmo, que o
fizesse não mais ser o que é, mas, ao contrário, o fizesse se tornar o
que não é. Porém, para isso ele tem de primeiro deixar de ser o que é".
"As cenas de nossa vida são como imagens em um mosaico tosco; vistas de
perto, não produzem efeitos – devem ser vistas à distância para ser
possível discernir sua beleza. Assim, conquistar algo que desejamos
significa descobrir quão vazio e inútil este algo é; estamos sempre
vivendo na expectativa de coisas melhores, enquanto, ao mesmo tempo,
comumente nos arrependemos e desejamos aquilo que pertence ao passado.
Aceitamos o presente como algo que é apenas temporário e o consideramos
como um meio para atingir nosso objetivo. Deste modo, se olharem para
trás no fim de suas vidas, a maior parte das pessoas perceberá que
viveram-nas ad interim [provisoriamente]: ficarão surpresas ao descobrir
que aquilo que deixaram passar despercebido e sem proveito era
precisamente sua vida – isto é, a vida na expectativa da qual passaram
todo o seu tempo. Então se pode dizer que o homem, via de regra, é
enganado pela esperança até dançar nos braços da morte!"
"Novamente, há a insaciabilidade de cada vontade individual; toda vez que
é satisfeita um novo desejo é engendrado, e não há fim para seus
desejos eternamente insaciáveis. Isso acontece porque a Vontade, tomada em si mesma, é a soberana de
todos os mundos: como tudo lhe pertence, não se satisfaz com uma parcela
de qualquer coisa, mas apenas como o todo, o qual, entretanto, é
infinito. Devemos elevar nossa compaixão quando consideramos quão
minúscula a Vontade – essa soberana do mundo – torna-se quando toma a
forma de um indivíduo; normalmente apenas o que basta para manter o
corpo. Por isso o homem é tão miserável".
"A Intuição é mais forte que a Razão. Devemos sempre dominar a nossa impressão perante o que é presente e
intuitivo. Tal impressão, comparada ao mero pensamento e ao mero
conhecimento, é incomparavelmente mais forte; não devido à sua matéria e
ao seu conteúdo, amiúde bastante limitados, mas à sua forma, ou seja, à
sua clareza e ao seu imediatismo, que penetram na mente e perturbam a
sua tranquilidade ou atrapalham os seus propósitos. Pois o que é
presente e intuitivo, enquanto facilmente apreensível pelo olhar, faz
efeito sempre de um só golpe e com todo o seu vigor.
Ao contrário, pensamentos e razões requerem tempo e tranquilidade para
serem meditados parte por parte, logo, não se pode tê-los a todo o
momento e integralmente diante de nós. Em virtude disso, deve-se notar
que a visão de uma coisa agradável, à qual renunciamos pela ponderação,
ainda nos atrai. Do mesmo modo, somos feridos por um juízo cuja inteira
incompetência conhecemos; somos irritados por uma ofensa de caráter
reconhecidamente desprezível; e, do mesmo modo, dez razões contra a
existência de um perigo caem por terra perante a falsa aparência da sua
presença real, e assim por diante.
Em tudo se faz valer a irracionalidade originária do nosso ser".
"Se possível, não devemos alimentar animosidade contra ninguém, mas
observar bem e guardar na memória os procedimentos de cada pessoa, para
então fixarmos o seu valor, pelo menos naquilo que nos concerne,
regulando, assim, a nossa conduta e atitude em relação a ela, sempre
convencidos da imutabilidade do caráter. Esquecer qualquer traço ruim
de uma pessoa é como jogar fora dinheiro custosamente adquirido. No
entanto, se seguirmos o presente conselho, estaremos a proteger-nos da
confiabilidade e da amizade tolas.
«Não amar, nem odiar», eis uma sentença que contém a metade da prudência
do mundo; «nada dizer e em nada acreditar» contém a outra metade.
Decerto, daremos de bom grado as costas a um mundo que torna necessárias
regras como estas e como as seguintes.
Mostrar cólera e ódio nas palavras ou no semblante é inútil, perigoso,
imprudente, ridículo e comum. Nunca se deve revelar cólera ou ódio a não
ser por atos; e estes podem ser praticados tanto mais perfeitamente
quanto mais perfeitamente tivermos evitado os primeiros. Apenas animais
de sangue frio são venenosos.
Falar sem elevar a voz: essa antiga regra das gentes do mundo tem por
alvo deixar ao entendimento dos outros a tarefa de descobrir o que
dissemos. Ora, tal entendimento é vagaroso, e, antes que termine, já nos
fomos. Por outro lado, falar sem elevar a voz significa falar aos
sentimentos, e então tudo se inverte. Com maneiras polidas e tom
amigável, pode-se falar grandes asneiras a muitas pessoas sem perigo
imediato".
"Num mundo como este, onde nada é estável e nada perdura, mas é
arremessado em um incansável turbilhão de mudanças, onde tudo se
apressa, voa, e mantém-se em equilíbrio avançando e movendo-se
continuamente, como um acrobata em uma corda – em tal mundo, a
felicidade é inconcebível. Como poderia haver onde, como Platão diz,
tornar-se continuamente e nunca ser é a única forma de existência?
Primeiramente, nenhum homem é feliz; luta sua vida toda em busca de uma
felicidade imaginária, a qual raramente alcança, e, quando alcança, é
apenas para sua desilusão; e, via de regra, no fim, é um náufrago,
chegando ao porto com mastros e velas faltando. Então dá no mesmo se foi
feliz ou infeliz, pois sua vida nunca foi mais que um presente sempre
passageiro, que agora já acabou".
Arthur Schopenhauer
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