PORQUE NOS MAGOAMOS
Perguntas a Krishnamurti
Na mesma varanda, com o perfume do jasmim e a flor vermelha da árvore
alta, havia um grupo de moças e rapazes, de rostos brilhantes e
aparência extraordinariamente jovial. Um dos membros do grupo perguntou a :
- Alguma vez você fica magoado, senhor?
- Fisicamente, você quer dizer?
- Não é bem isso. Não sei como expressá-lo em palavras, mas
sentimos em nosso íntimo que as pessoas podem nos causar mal, ferir-nos,
fazer-nos infelizes. Alguém diz qualquer coisa e nós nos encolhemos.
Refiro-me a isso quando falo em nos magoar. Todos nos magoamos uns aos
outros desse jeito. Alguns o fazem deliberadamente, outros sem o saber. Por que ficamos magoados? É tão desagradável!
- A mágoa física é uma coisa, e a outra é muito mais complexa. Se
você for magoado fisicamente, saberá o que fazer. Irá procurar um médico
e ele tentará curá-lo. Mas se a lembrança da mágoa persistir, você
estará sempre nervoso e apreensivo, originando uma forma de medo,
justificado pela permanência da lembrança da mágoa passada, que não quer
ver repetida. Isso é perfeitamente compreensível e o medo pode
tornar-se neurótico ou ser tratado de modo sadio, sem excessiva
preocupação. Mas a outra mágoa, a interior, necessita de cuidadosa
análise. Precisamos aprender muita coisa sobre ela. Em primeiro lugar, por que você fica magoado? Desde a infância, este
parece ser um fator importante em nossas vidas: não se magoar, não ser
ferido por outra pessoa, por uma palavra, por um gesto, por um olhar,
por uma experiência. Por que nos magoamos? Porque somos sensíveis, ou
porque temos uma imagem de nós mesmos que precisamos proteger, que
sentimos ser importante para a nossa existência, uma imagem sem a qual
nos sentimos perdidos, confusos? Existem as duas razões: a imagem e a
sensibilidade. Compreendem o que queremos dizer com o sermos sensíveis
tanto física como interiormente? Se forem sensíveis e um tanto tímidos,
retrair-se-ão em si mesmos, erguerão um muro ao redor de si mesmos, a
fim de não serem magoados. É o que fazem, não é? Uma vez que tenham sido
magoados por uma palavra ou por uma crítica, que os tenham ferido,
passam a construir um muro de resistência. Não querem continuar
vulneráveis. Vocês podem ter uma imagem, uma ideia de si mesmos de que
são importantes, de que são inteligentes, de que sua família é melhor do
que as outras, de que disputam jogos melhor do que outros. Vocês têm
essa imagem de si mesmos, não têm? E quando a importância dela é posta
em dúvida, abalada ou despedaçada, vocês se sentem muito magoados. Há
autopiedade, ansiedade, medo. E se o fato se repetir, construirão uma
imagem ainda mais forte, mais afirmativa, mais agressiva, etc. Vocês se
protegem para que ninguém os perturbem, o que também significa erguer um
muro contra qualquer invasão. De modo que tanto o sensível quanto o que
faz a imagem produzem os muros de resistência. Sabem o que acontece
quando erguem um muro à sua volta? O mesmo que acontece quando constroem
um muro muito alto em torno de sua casa. Não veem os vizinhos, não
recebem a luz do sol em quantidade suficiente, vivem num espaço muito
reduzido com todos os membros de sua família. E, não tendo espaço
bastante, começam a mexer com os nervos uns dos outros, brigam, ficam
violentos, desejam ir embora e se revoltam. E se tiverem dinheiro
suficiente e suficiente energia, construirão outra casa com outro muro
em torno dela, e assim por diante. A resistência implica falta de espaço
e é fator de violência.
- Mas – perguntou um deles – não devemos proteger-nos?
- Contra o quê? Vocês devem se proteger, naturalmente, da doença,
das chuvas e do sol; mas quando perguntam se não devemos nos proteger,
não estarão pedindo para erguer um muro a fim de não serem magoados?
Pode ser seu irmão ou sua mãe a pessoa contra a qual erguem o muro,
pensando em se defender; no fim, porém, isso conduz à sua própria
destruição e à destruição da luz e do espaço.
- Mas – acudiu uma moça de longos cabelos trançados – o que devo
fazer quando me magoam? Sei que estou magoada. Eu me magôo com muita
freqüência. Que devo fazer? O senhor diz que não se deve erguer um muro
de resistência, mas não posso viver com tantas mágoas.
- Compreenda, se me permite questionar, por que está magoada? E
quando se magoa? Olhe para aquela folha ou para aquela flor. É muito
delicada e sua beleza está na própria delicadeza. É terrivelmente
vulnerável e, no entanto, vive. E você, que se magoa facilmente, acaso
se perguntou quando e por que se magoa? Por que você se magoa – quando
alguém diz alguma coisa de que não gosta, quando alguém é agressivo,
violento com você? Por que você se magoa? Se se magoar e erguer um muro
em torno de si mesma, o que significa retraimento, você passará a viver
num espaço muito pequeno dentro de si mesma. Nesse espacinho não
haverá luz nem liberdade e, assim, será mais e mais magoada. Por isso
mesmo a questão se resume em saber se você é capaz de viver livre e
feliz, sem ser magoada, sem erguer muros de resistência. Essa é a
questão importante. Não a maneira de reforçar os muros nem o que fazer
quando há um muro ao redor de seu espacinho. Portanto, há duas coisas
envolvidas nisso: a lembrança da mágoa e a prevenção de mágoas futuras.
Se essa lembrança persistir e você lhe acrescentar novas lembranças de
mágoas, o seu muro se tornará mais forte e mais alto, o espaço e a luz
se tornarão menores e mais embaçados, e haverá grande sofrimento, uma
autopiedade cada vez maior e muita amargura. Se você vir com bastante
clareza o perigo disso, sua inutilidade, a lástima que isso é, as
lembranças passadas se desvanecerão. Mas você tem de ver isso como veria
o perigo de uma cobra venenosa. Você sabe que o perigo é mortal e não
se aproxima dele. Consegue ver da mesma forma o perigo das lembranças
passadas com suas mágoas, seus muros de autodefesa? Consegue ver
realmente, assim como vê esta flor? Se o vir, ele inevitavelmente
desaparecerá.
Assim, você já sabe o que fazer com as mágoas passadas. E como olhará as futuras? Não será construindo muros. Isso é claro, não é? Se o fizer, será cada vez mais magoada. Observe com cuidado, por favor. Sabendo que você poderá ser magoada, como impedirá que a mágoa ocorra? Se alguém lhe disser que você não é inteligente nem bonita, você se sentirá magoada, ou zangada, que é outra forma de resistência. Ora, o que você pode fazer? Você viu como as mágoas passadas se desvanecem sem o menor esforço; viu porque ouviu e prestou atenção. Agora, quando alguém lhe disser alguma coisa desagradável, fique atenta; preste muita atenção. A atenção impedirá que a mágoa atinja o alvo. Você compreendeu o que queremos dizer com atenção?
Assim, você já sabe o que fazer com as mágoas passadas. E como olhará as futuras? Não será construindo muros. Isso é claro, não é? Se o fizer, será cada vez mais magoada. Observe com cuidado, por favor. Sabendo que você poderá ser magoada, como impedirá que a mágoa ocorra? Se alguém lhe disser que você não é inteligente nem bonita, você se sentirá magoada, ou zangada, que é outra forma de resistência. Ora, o que você pode fazer? Você viu como as mágoas passadas se desvanecem sem o menor esforço; viu porque ouviu e prestou atenção. Agora, quando alguém lhe disser alguma coisa desagradável, fique atenta; preste muita atenção. A atenção impedirá que a mágoa atinja o alvo. Você compreendeu o que queremos dizer com atenção?
- O senhor quer dizer concentração, não é?
- Não exatamente. A concentração é uma forma de resistência, uma
forma de exclusão, um fechamento de porta, uma retirada. A atenção é
algo muito diferente. Na concentração há um centro de onde se realiza a
ação da observação. Onde há um centro, o raio de observação é muito
limitado. Onde não há centro, a observação é vasta, clara. Isso é
atenção.
- Receio que não compreendemos nada disso, senhor.
- Olhem para aquelas colinas, vejam a luz que as inunda, vejam as
árvores, ouçam passar o carro de bois; vejam as folhas amarelas, o leito
seco do rio, o corvo sentado no galho. Olhem para tudo isso. Se olharem
a partir de um centro, com o seu preconceito, seu medo, sua simpatia e
sua antipatia, não verão a vasta extensão da terra. Seus olhos estarão
enevoados, terão ficado míopes e a sua visão será deformada. Não podem
olhar para tudo isso, para a beleza do vale, para o céu, sem o centro?
Pois isso é atenção. Portanto, ouçam com atenção e, sem o centro, a
crítica alheia, o insulto, a raiva, o preconceito alheios. E porque não
há centro nessa atenção, não há possibilidade de serem magoados. Mas
onde há centro, a mágoa é inevitável. E a vida se torna um grito de
medo.
Extraído do site "Instituição Cultural Krishnamurti"
Apesar desse texto ter sido direcionado a um grupo de jovens serve perfeitamente para nós adultos."A educação foi sempre uma das principais preocupações de Krishnamurti.
Ele achava que se os jovens e os velhos viessem a ser despertados do seu
condicionamento de nacionalidade, religião, preconceitos, medos e
desejos, o que inevitavelmente leva ao conflito, eles poderiam trazer
para suas vidas uma qualidade totalmente diferente. Sua preocupação
encontrou expressão na criação de escolas na Índia e no estrangeiro". KyraKally
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