O CONFLITO ESTÁ NA CONTRADIÇÃO
DE NOSSOS DESEJOS
Por que temos de ter conflitos todos
os dias, desde o despertar até à hora de dormir ou até a morte? Ao
fazermos tal pergunta, ou respondermos que isso é inevitável e, por
conseguinte, não pode ser alterado, ou dizemos que não sabemos a
resposta e, consequentemente, esperamos que outro venha mostrar-nos como
devemos olhar. Se esperamos que alguém nos mostre como olhar essa
desordem, esse caos, essa confusão e conflito, isso significa que
queremos descobrir a natureza do conflito segundo outra pessoa e, dessa
forma, nenhum descobrimento faremos.
Não é assim? Portanto, é de imensa
importância a maneira como olhamos, como dizemos: " Por que vivo em
conflito?" — Porque, quando já não buscamos uma autoridade para nos
ensinar, quando estamos livres da autoridade de outrem, já estamos
na claridade, nossa mente já tem penetração para olhar. Assim como, para
viajar, para galgar uma montanha, não devemos levar pesadas cargas,
assim também, para examinar claramente este complexo problema, temos de
livrar-nos da autoridade. Ficamos então muito mais leves, muito mais
livres, para olhar. Assim sendo, para observar, agir, escutar, temos de
estar livres de toda autoridade; podemos então começar a perguntar por
que vivemos neste terrível e destrutivo conflito interior.
Eu gostaria de saber, quando olhais, qual é a vossa reação. É reação às
causas do conflito, ou à pessoa com quem estais em conflito, ou à
separação existente entre o que desejais e o seu contrário; ou é reação à
própria natureza do conflito? Não quero saber com quem estou em
conflito, não quero conhecer os conflitos periféricos de minha
existência. O que desejo conhecer é, em essência, por que existe
conflito. Ao fazer essa pergunta a mim mesmo, vejo uma coisa
fundamental, que nada tem que ver com os conflitos periféricos e sua
solução. Interessa-me o problema central e vejo, e talvez também vejais,
que a própria natureza do desejo, quando inadequadamente compreendida,
conduz inevitavelmente ao conflito.
Desejo coisas contraditórias. O próprio desejo está sempre em
contradição — o que não significa que tenho de destruir o desejo, que
tenho de reprimi-lo, controlá-lo, sublimá-lo. Vejo que o desejo, em si, é
contraditório — não o desejo de alguma coisa, de sucesso, de prestígio,
de uma casa melhor, de mais cultura, etc., etc.: a contradição não está
no objeto do desejo, porém, na própria natureza do desejo. Ora, tenho
de compreender a natureza do desejo, antes de compreender o conflito, e
quando a isso me aplico, não estou nem condenando, nem justificando, nem
reprimindo o desejo. Estou simplesmente consciente da sua natureza;
nele existe contradição, e essa contradição gera conflito. Dentro em nós
mesmos, estamos em contradição, desejando isto e não desejando aquilo.
Dentro em nós mesmos achamo-nos num estado de contradição, e esse
estado de contradição é criado pelo desejo — desejo de prazer e de fuga à
dor.
Vejo, pois, que o desejo é a raiz de toda contradição. O desejo diz que devo ter isto, que devo evitar aquilo,
que devo ter prazer, quer prazer sexual, quer o prazer de ser famoso, o
prazer de dominar — o prazer em formas várias e sutis. Não conseguindo
essas coisas, não conseguindo chegar aonde desejo chegar, vem a dor da
frustração, uma contradição. Vivemos, assim, num estado de contradição:
devo pensar nisto, mas penso naquilo; devo ser aquilo, mas na realidade sou isto;
deve haver a fraternidade humana, mas eu sou nacionalista, estou
apegado a minha igreja, meus Deus, minha casa, minha família. Vivemos,
pois, em contradição. Tal é a nossa vida. E essa contradição não pode
ser integrada; esta é uma das falácias.
A contradição só chega ao fim quando começo a compreender toda a natureza do desejo.
Em todo o mundo, no Oriente e no Ocidente, há pessoas interessadas
nisso, os chamados "religiosos" — não os homens de negócios, nem os
militares, nem os burocratas, porém os chamados "religiosos". Sabendo
que o desejo é a raiz de tudo isso, disseram eles que o desejo deve ser
reprimido, sublimado, destruído, controlado. Mas, o que está sucedendo?
Certos sacerdotes católicos mostram-se revoltados e desejam casar-se, e o
monge está agora a voltar-se para o mundo exterior.
As agonias da
repressão, da deformação, a brutal disciplina de ajustamento a um padrão
nada disso tem significação alguma, nada disso conduz à Verdade. para
compreender a Verdade, deve a mente estar inteiramente livre, sem
deformação, em nenhuma parte dela.
Jiddu krishnamurti
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