SOLTE AS AMARRAS DA PERSONALIDADE
Respeite mais intensamente o seu coração. Pois através do seu coração surge a única luz que pode iluminar a vida e torná-la clara a seus olhos.
“…Só
uma coisa é mais difícil de se conhecer – o seu coração. Antes que as
amarras da personalidade sejam soltas, o profundo mistério do eu não
pode começar a ser visto. Enquanto você não sair do caminho, ele não se
revelará, de modo algum, à sua compreensão. Só então, e jamais antes,
você poderá apreendê-lo e governá-lo. Só então, e jamais antes, você
poderá usar todos os seus poderes e devotá-los a um trabalho valioso.”
A
coisa fundamental a ser entendida é que você não pode conhecer sua
própria natureza, seu próprio coração, seu próprio ser, por causa de sua
personalidade, por causa de uma entidade falsa que você criou ao seu
redor. Vivemos encerrados dentro de personalidades. As personalidades
são falsas. Elas são, simplesmente, máscaras, fachadas a serem mostradas
aos outros. Mas esse hábito torna-se tão arraigado que você se esquece
completamente de sua face original. Mostrando suas falsas faces aos
outros, aos poucos você se identifica com elas e começa a pensar que
elas são as suas faces. Então, sua face original, sua face real,
permanece oculta.
O
que quer que você faça, como quer que você aja, seja o que for que você
diga, lembre-se sempre de ver se isso vem de seu coração ou de sua
personalidade. Distinga claramente. Isso lhe será de grande auxílio na
busca interior.
Quando
você diz a alguém: “Eu te amo” – de onde estão vindo estas palavras? De
onde? Qual é a sua origem? Estão vindo do seu coração? Seu coração está
realmente repleto de amor? Ou estão vindo meramente de sua
personalidade, de sua face falsa? Você as está dizendo apenas de um modo
polido, como uma formalidade, uma etiqueta, ou as está dizendo para
expressar algo mais?
Você
pode desejar o corpo de alguém, pode desejar sexualmente alguém, mas
você diz: “Eu te amo.” Essa afirmação não passa de uma simulação. Seria
melhor se você dissesse, “Desejo você sexualmente, mas não existe amor.
Seu corpo me atrai, me seduz, mas não existe amor. Pode ser que o amor
aconteça, mas por enquanto ele não existe. Estou apenas interessado em
seu corpo.”
Mas
se alguém disser que é somente o seu corpo que o atrai, você não
quererá essa pessoa. Você se esquivará! Dirá: “Que absurdo você está
dizendo?” A face falsa precisa estar presente. Só então o corpo pode ser
dado ou tomado.
Assim,
você continua a cultivar a sua personalidade. Quando se sente magoado,
triste interiormente, mesmo assim, você continua a sorrir. Considere se o
seu sorriso é apenas um sorriso pintado em seus lábios, um exercício
dos lábios ou se ele nasce lá dentro e se espalha pelos lábios. A fonte
se encontra em algum lugar lá dentro, ou não há nenhuma fonte, e ele é
apenas um sorriso pintado? Quando você sorrir, observe o seu sorriso e
poderá saber se ele é falso ou real.
Quando
alguém está triste, ou sofrendo, por ter perdido um amigo, a namorada, o
marido ou a esposa, aproxime-se dele. Você se mostrará triste e
pesaroso. Lembre-se, e observe profundamente em seu interior, se essa
tristeza é real, ou se você está apenas aparentando-a enquanto no fundo
está enfadado, tentando descobrir uma desculpa para ir embora, ou está
pensando em outras coisas e não está de modo algum interessado na
pessoa: em seu sofrimento, em sua mágoa. Fique observando isso e
conhecerá duas camadas diferentes em seu interior. A camada falsa é a
personalidade.
A
palavra “personalidade” é muito significativa. Ela se origina da
palavra grega persona.Persona significa “máscara”. Nos dramas gregos, os
atores usavam máscaras, faces falsas. Essas faces falsas eram chamadas
personae. E foi dessa palavra que se originou a palavra “personalidade”.
Ela é perfeita. Significa que você está agindo com uma face falsa. Ela
não é você. Você está se ocultando por trás da face falsa, porque não
pode revelar a sua verdadeira face.
Não
estou dizendo para você sair por aí mostrando sua verdadeira face por
toda parte. Não é necessário. Em alguns lugares, a persona é necessária.
Mas deve ficar claro que, nesses casos, trata-se da persona, não se
trata de você. Interiormente, você precisa saber quando está
representando e quando é verdadeiro. Você não deve se deixar enganar por
sua representação! Não deve se identificar com a sua representação! Eu
sei que as faces são necessárias. De outro modo, seria difícil viver em
sociedade, muito difícil. De certo modo, as faces são boas. Elas
facilitam, servem para lubrificantes. E numa grande sociedade, com
tantas pessoas, você não precisa revelar sua realidade por toda parte.
Alguém
se encontra com você pela manhã. Você se sente incomodado com esse
encontro. Você pensa: “Por que tenho de ver esse homem esta manhã? Sua
presença pode estragar todo o meu dia.” Mas, exteriormente, você sorri e
diz: “Bom-dia. Fico feliz em vê-lo.” Interiormente, você não está de
modo algum feliz!
Contudo,
no que se refere à educação, não há nada de errado nisso. Não seria
adequado dizer ao homem: “Sinto-me totalmente infeliz. Você estragou a
minha manhã. Sua presença é uma ameaça. Receio que, pelo fato de tê-lo
visto, meu dia esteja arruinado.” Isso não seria adequado.
Desnecessário. Iria perturbar desnecessariamente o outro homem. Não há
necessidade disso.
Mas
você precisa saber o que é uma máscara e o que é real. Precisa estar
ciente daquilo que está acontecendo dentro. O que acontece no interior é
o seu ser real e o que acontece na superfície é apenas uma utilidade
social. Se você pode fazer uma distinção nítida entre você e sua
personalidade, então a personalidade torna-se como uma roupa. Você pode
abandoná-la a qualquer momento e ficar nu.
Se
você pode abandoná-la, isso significa que você está tão preso a ela que
não consegue distinguir-se dela, separar-se dela; não há nenhuma
distinção. Essa distinção é necessária para que pelo menos em seu
quarto, em seu banheiro, você possa colocar sua personalidade de lado e
tornar-se real; pelo menos em meditação, você pode jogar sua
personalidade fora e tornar-se real. Ali ela não é necessária.
A
meditação não é social. Ela não diz respeito a ninguém mais; só diz
respeito a você mesmo. Assim, nenhuma máscara é necessária; você pode
ser autêntico. Mas você não pode ser autêntico porque não conhece a
distinção. Até mesmo ao meditar, eu sinto que você está fazendo muitas
coisas falsas.
Freud
se conscientizou – quando iniciou a psicanálise ele ainda não havia se
conscientizado disso, mas, aos poucos, percebeu que os pacientes diziam
coisas que não eram verdadeiras, apenas para deixá-lo feliz, para
confirmar suas teorias porque, quando Freud ficava feliz, eles também
ficavam felizes – somente depois de vinte anos de psicanálise foi que
ele se conscientizou de que o que os pacientes diziam não era
verdadeiro.
Por
exemplo: Freud diz que o sexo é a raiz de toda perturbação mental. Os
pacientes iam vê-lo e contavam-lhe a respeito de suas perturbações.
Então eles revelaram que o sexo era a raiz de suas perturbações. Freud
pensava que suas teorias estavam sendo confirmadas por centenas e
centenas de exemplos. Só mais tarde, ele se conscientizou de que muitos
de seus pacientes estavam mentindo, apenas para deixá-lo feliz, para
confirmar sua teoria.
Às
vezes, eu sinto a mesma coisa. Quando digo: “Fique louco!” – e você
fica louco, sei que você está fazendo isso apenas para me deixar feliz.
Mas não há necessidade. Eu já sou muito feliz! Não há necessidade. Não
faça nada que não seja verdadeiro, pelo menos em sua meditação – porque
ela só diz respeito a você.
Tillich
disse, em algum lugar, que a religião é algo que diz respeito ao
indivíduo, é um assunto totalmente pessoal de cada um consigo mesmo. Ela
não diz respeito a ninguém mais. A religião é individual; portanto,
durante a meditação, você não precisa se preocupar com mais ninguém, nem
mesmo comigo. Seja verdadeiro. Jogue fora suas máscaras. Qualquer coisa
autêntica o ajudará a mover-se para dentro, qualquer coisa não
verdadeira o ajudará a mover-se para fora.
Essa
é a razão pela qual Shankara chama o mundo de ilusão. Quanto mais você
se move para fora de si mesmo, tanto mais você se move na ilusão; e
quanto mais você vai para dentro, mais você se move na realidade. Sua
personalidade é a porta para a ilusão, para um mundo irreal de sonhos.
Livre-se dessa parte, livre-se completamente dessa ponte. Pelo menos na
meditação.
Não
estou lhe dizendo para ser autêntico ao comportar-se na sociedade. Você
ficará em dificuldades. Se tiver vontade de fazê-lo, pode fazê-lo, mas
não estou pedindo isso; não me responsabilize. A sociedade lhe criará
problemas. Ela não quer as suas faces verdadeiras; quer as suas faces
falsas.
Mas,
no que se refere à sociedade, não há nenhum problema quanto à isso. Use
uma face falsa quando se dirigir para fora, mas quando se dirigir para
dentro livre-se completamente dessa face. Não permaneça identificado com
ela, não a carregue para dentro. Um dia poderá vir no qual você se
tornará tão forte que até mesmo na sociedade você gostará de se
comportar com sua face verdadeira, mas isso depende de você. Primeiro
olhe para dentro e, pelo menos momentaneamente, coloque de lado sua
personalidade.
Pois, através de seu coração, surge a única luz que pode iluminar a vida e torná-la clara a seus olhos.
“…Só
uma coisa é mais difícil de se conhecer – o seu coração. Antes que as
amarras da personalidade sejam soltas, o profundo mistério do eu não
pode começar a ser visto.”
A
personalidade age como uma barreira e a luz de seu coração não pode
chegar até você. Desfaça-se da personalidade, mesmo que momentaneamente,
temporariamente, e a luz o inundará, e você penetrará num mundo
diferente: o mundo do coração.
“Enquanto você não sair do caminho, ele não se revelará, de modo algum, à sua compreensão.”
Você precisa se colocar de lado: sua personalidade, seu ego.
"Enquanto você não sair do caminho, ele não se revelará, de modo algum,
à sua compreensão. Só então, e jamais antes, você poderá apreendê-lo e
governá-lo. Só então, e jamais antes, você poderá usar todos os seus
poderes e devotá-los a um trabalho valioso."
E
enquanto você mesmo não entrar em profundo contato com o âmago do seu
coração, não poderá fazer nada que seja bom, que seja valioso. Não
poderá prestar nenhuma ajuda a ninguém. Tudo o que você fizer, mesmo que
seja com boa intenção, criará o mal, porque aquele que faz o mal é
ignorante. O que você faz não é importante. Mais importante é quem você
é.
Se
você é ignorante, se vive em total escuridão – se a luz do coração não
penetrou em você, ainda não o preencheu – você pode ter boas intenções,
boa vontade, mas tudo o que fizer resultará em mal, porque nada de bom
pode vir de um coração escuro. Assim, não tente prestar nenhuma ajuda a
alguém, a menos que você tenha alcançado a luz interior. Então, toda a
sua vida tornar-se-á uma ajuda. Não haverá mais necessidade de fazer
disso um dever; você não ajudará mais a alguém por mera obrigação.
Então, a ajuda fluirá espontaneamente de você.
E
quando a ajuda se torna espontânea, isenta de qualquer noção de dever,
quando ela se torna amor, você não pode fazer outra coisa senão ajudar;
quando não há a preocupação de fazer os outros felizes, quando, na
verdade, ocorreu o contrário: você está tão feliz que agora a felicidade
transborda de você e atinge os outros – só então tudo o que você fizer
terá bons resultados.
Se
você está repleto de luz, de felicidade, o bem acontece, sem que
qualquer boa vontade se faça necessária. Contudo, boa vontade em
demasia, sem que haja luz interior, pode ser perigosa aos outros. As
pessoas que se ocupam em ajudar os outros, sem possuírem qualquer
sadhanainterior, criam muito mal. Toda a sociedade está sofrendo por
causa dessas pessoas maléficas que se põem a ajudar os outros sem terem,
de algum modo, realizado sua própria luz interior. Lembre-se disto: a
primeira coisa é a sua própria auto-realização. Ajudar os outros é
secundário. E não pense que, por ajudar os outros, você pode se
realizar. É realizando-se que você poderá ajudar os outros, e não o
contrário.
“É
impossível ajudar os outros antes de ter alcançado algum conhecimento
de si próprio. Quando você tiver aprendido as primeiras 21 regras e
tiver penetrado no Saguão do Saber com seus poderes desenvolvidos e sua
inteligência liberada, então você descobrirá que há em seu interior uma
fonte da qual nascerá a fala.”
“…Essas palavras estão escritas só para aqueles que podem ler o que escrevi tanto com o sentido interior como o exterior.”
Lembre-se
disto. É impossível ajudar os outros antes de ter alcançado algum
conhecimento de si próprio. Resista à tentação de ajudar os outros. Será
desastroso, a menos que você tenha algum conhecimento de si próprio.
Não tente ser um guru, não tente prestar nenhuma ajuda, porque você
causará danos, criará mais problemas. Não se esqueça de que você não
pode ajudar, não pode orientar ninguém, a menos que tenha alcançado a
luz interior. Quando a luz interior está presente, a ajuda, a
orientação, fluirá de você.
Resista
à tentação. A tentação é enorme porque o ego se sente muito satisfeito.
Alguém lhe pede um conselho. Você é tentado a dar o conselho sem saber o
que está fazendo, sem estar consciente de que não sabe. Se alguém lhe
pergunta se Deus existe, você não é suficientemente forte para dizer:
“Eu não sei.” Você diz alguma coisa. Ou diz: “Sim, Deus existe. Sou um
crente” – ou então “Não, Deus não existe. Sou um descrente” – mas, em
ambos os casos, você deu a sua opinião. Em ambos os casos, você
confirmou algo que não sabe.
Lembre-se
disto: trata-se de um ponto básico, muito importante a qualquer
buscador espiritual: confirme aquilo que você sabe realmente. Se não
sabe, é melhor dizer: “Não sei.”
Uma vez perguntaram a Albert Einstein: “Qual a diferença entre ciência e filosofia?”
Sua
resposta foi uma das mais sábias. Ele disse: “Se você procurar um
cientista e lhe fizer uma centena de perguntas, para noventa e nove
dessas perguntas ele lhe dirá: ‘Não sei.’ Apenas a uma delas ele dirá:
‘Eu sei.’ Contudo, acrescentará: ‘Mas trata-se apenas de um conhecimento
relativo. Amanhã ele pode mudar. Não é absoluto.”
“Se
você procurar um filósofo e lhe fizer uma única pergunta, ele lhe dará
uma centena de respostas. E com absoluta convicção de que essas são as
respostas corretas. Se alguém der alguma outra, será escorraçado. O
filósofo dirá: ‘Ele está errado!’.”
É
por isso que a filosofia não leva a parte alguma. Respostas e respostas
e respostas não levam a parte alguma. Tantas respostas para não
responder nem mesmo a uma única pergunta. Falta o fundamental: o
filósofo não é bastante forte para dizer: “Não sei.”
O
cientista é mais forte. Ele pode dizer: “Não sei.” E mesmo quando ele
diz: “Eu sei” – acrescenta: “Até o momento isto é considerado
verdadeiro. Mas nada posso dizer quanto ao amanhã. As coisas podem
mudar, muitos fatos novos podem se tornar conhecidos e então a verdade
terá de ser reajustada.”
Eu
gostaria de dizer que a ioga também é uma ciência; não é uma filosofia.
A meditação é uma ciência; não é uma filosofia. Lembre-se disto: não dê
nenhuma orientação a ninguém, a menos que você tenha algum
conhecimento, alguma experiência. E, mesmo nesse caso, não deixe de
dizer aos outros que “essa é a minha experiência. Pode não ser assim
para você. É a maneira pela qual eu cheguei a isso. Seu caminho pode ser
outro; isto pode não se mostrar verdadeiro para você. Portanto, não
siga o meu conselho cegamente. Você pode experimentá-lo. É uma
experiência aberta.”
Então
você pode ser de alguma ajuda. De outro modo, poderá criar
perturbações. Não se deixe levar pelas tentações. Não aconselhe, a menos
que saiba realmente. Não oriente. Primeiro, seja um discípulo; não
tente ser um mestre. Um dia você será um mestre. Quando tiver se tornado
um discípulo total e completo, o mestre emergirá de você. Mas não antes
desse momento, não antes desse tempo. Aguarde. O tempo virá.
Osho – A Nova Alquimia
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