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quarta-feira, 29 de abril de 2020

O      E   G   O   Í    S   M   O

Como seriam nossas vidas se fôssemos menos egoístas?

O egoísmo vem à existência devido à tendência dos desejos de encontrarem satisfação na ação e na experiência. É nascido da ignorância fundamental a respeito de nossa natureza verdadeira. A consciência humana está obscurecida pelo acúmulo dos vários tipos de impressões depositadas pelo longo curso da evolução da consciência. Essas impressões expressam-se como desejos e o alcance de operação da consciência está estritamente limitado por esses desejos. Os Sanskaras, ou impressões, formam um invólucro em torno do possível campo da consciência. O círculo de sanskaras constitui aquela área limitada na qual a consciência individual pode ser focalizada.
 
Com alguns dos desejos a ação é apenas latente, mas outros podem realmente traduzirem-se em ação. A capacidade de um desejo de encontrar expressão no comportamento depende da intensidade e da quantidade de sanskaras ligados a ele. Usando uma metáfora geométrica, podemos dizer que quando um desejo passa para ação, ele percorre uma distância que é igual ao raio de um círculo que descreve o limite de sanskaras ligados a ele. Quando um desejo reúne força suficiente, ele projeta-se em ação a fim de obter satisfação. A extensão do egoísmo é igual à extensão dos desejos. Devido ao impedimento dos desejos múltiplos, torna-se impossível para a alma encontrar a expressão livre e plena de seu verdadeiro ser, e a vida se torna autocentrada e estreita. A vida inteira do ego pessoal está constantemente sob o domínio do querer, ou seja, uma tentativa de buscar a satisfação dos desejos através de coisas que mudam e desaparecem. Mas não pode haver verdadeira satisfação através de coisas transitórias. A satisfação derivada de coisas passageiras da vida não é duradoura e as necessidades do homem continuam não atendidas. Há, portanto, um sentimento geral de insatisfação acompanhado de todos os tipos de preocupações.

As formas principais em que o ego frustrado encontra expressão são a cobiça, luxúria e a raiva. A luxúria é muito parecida com a cobiça em muitos aspectos, mas difere na forma de sua realização, que está diretamente relacionada à esfera grosseira. A luxúria encontra a sua expressão por meio do corpo físico e está preocupada com a carne. É uma forma de se enredar com a esfera grosseira.* A cobiça é um estado de inquietação do coração e consiste principalmente no desejo por poder e posses. Posses e poder são procurados para poderem satisfazer os desejos. O homem fica só parcialmente satisfeito em sua tentativa de ter a satisfação de seus desejos, e essa satisfação parcial ventila e aumenta a chama do desejo, em vez de extingui-la. Assim, a cobiça sempre encontra um campo infinito de conquista e deixa o indivíduo eternamente insatisfeito. As principais expressões da cobiça estão relacionadas com a parte emocional do homem. É uma forma de se enredar com a esfera sutil.
 
A raiva é a emanação de uma mente irritada. É causada pela frustração dos desejos. Ela alimenta o ego limitado e é utilizada para a dominação e a agressão. Destina-se a remover os obstáculos existentes na realização dos desejos. O frenesi da raiva alimenta o egoísmo e a vaidade, e é o maior benfeitor do ego limitado. A mente é a sede da raiva e suas manifestações são principalmente através das atividades da mente. A raiva é uma forma de se enredar com a esfera mental. Luxúria, ganância e raiva, respectivamente, tem o corpo, o coração e a mente como seus veículos de expressão. O homem experimenta desapontamento através da luxúria, da cobiça e da raiva; e o ego frustrado, por sua vez, busca a gratificação adicional através da luxúria, da cobiça e da raiva. A consciência é, assim, apanhada num círculo vicioso de decepção sem fim. A decepção vem à existência quando, ou a luxúria, ou a ganância ou a raiva são frustradas em sua expressão. É, portanto, uma reação geral de aprisionamento grosseiro, sutil e mental. É uma depressão causada pelo não satisfação da luxúria, da cobiça e da raiva, que, juntos, são co-extensivos com o egoísmo. O egoísmo, que é a base comum desses três vícios ingredientes, é, portanto, a causa final das decepções e preocupações. Ele derrota a si mesmo. Busca satisfação através de desejos, mas só consegue chegar numa insatisfação interminável.
 
O egoísmo leva inevitavelmente à insatisfação e à decepção, pois os desejos são infinitos. O problema da felicidade é, portanto, o problema de abandonar nossos desejos. Os desejos, porém, não podem ser efetivamente superados através da repressão mecânica. Eles podem ser aniquilados somente através do Conhecimento. Se você mergulhar profundamente no reino dos pensamentos e pensar seriamente por poucos minutos, você vai perceber o vazio dos desejos. Pense no que você tem desfrutado todos esses anos e o que você sofreu. Tudo que você desfrutou durante a vida é hoje nulo. Tudo o que você sofreu ao longo da vida também não é nada no presente. Tudo era ilusório. É o seu direito ser feliz, e ainda, você cria sua própria infelicidade por querer as coisas. Querer é a fonte da inquietação permanente. Se você não consegue a coisa que quer, você fica decepcionado. E se consegue, você quer mais e mais daquilo e se torna infeliz. Diga "eu não quero nada" e seja feliz. A realização contínua da futilidade dos desejos eventualmente o levará ao Conhecimento. Este Auto-conhecimento dará a você a liberdade dos desejos que leva ao caminho da felicidade permanente. Os desejos devem ser cuidadosamente distinguidos das necessidades. O orgulho e a ira, a cobiça e a luxúria, são todos diferentes das necessidades. Você pode pensar: "eu preciso de tudo que eu quero", mas isso é um erro. Se estiver com sede em um deserto, o que você precisa é de água de boa qualidade e não de limonada.

Enquanto a pessoa tiver um corpo, haverá algumas necessidades e é necessário atender essas necessidades. Mas os desejos são um resultado da imaginação apaixonada. Eles devem ser escrupulosamente mortos para poder haver alguma felicidade. Como a própria essência do egoísmo consiste de desejos, a renúncia dos desejos torna-se um processo de morte. Morrer no sentido comum significa romper com o corpo físico, mas morrer no verdadeiro sentido significa a renúncia dos desejos baixos. Os sacerdotes preparam as pessoas para a falsa morte pintando retratos sombrios do inferno e do céu, mas sua morte é ilusória, pois a vida é uma continuidade ininterrupta. A morte real consiste na cessação dos desejos e ela vem por etapas graduais. O alvorecer do amor facilita a morte do egoísmo. Ser é morrer através do amor. Se você não pode amar ao próximo, como poderá amar até mesmo quem lhe tortura? Os limites do egoísmo são criados pela ignorância. Quando uma pessoa percebe que pode ter a satisfação mais gloriosa alargando a esfera de seus interesses e atividades, ele se encaminha para uma vida de serviço. Nesta fase ela entretém muitos bons desejos. Quer fazer os outros felizes ao aliviar seu sofrimento e ao ajudá-los. E embora mesmo em tais bons desejos muitas vezes haja uma referência indireta e latente à própria pessoa, o egoísmo estreito não tem controle sobre as boas ações. Mesmo bons desejos podem, em certo sentido, serem considerados uma forma de egoísmo esclarecido e estendido, pois, como os desejos ruins, eles também se movem dentro do domínio da dualidade. Mas conforme a pessoa entretém bons desejos, seu egoísmo abraça uma concepção maior que eventualmente traz sua própria extinção. Em vez de apenas tentar ser ilustre, aprisionador e possessivo, ele aprende a ser útil aos outros.

Os desejos que entram na constituição do ego pessoal não são nem bons nem ruins. Os maus desejos são normalmente referidos como formas de egoísmo e bons desejos são referidos como formas de altruísmo.
 
No entanto, não há uma linha precisa dividindo o egoísmo do altruísmo. Ambos se movem no domínio da dualidade, e do ponto de vista final que transcende os opostos do bem e do mal, a distinção entre egoísmo e altruísmo é principalmente uma diferença de alcance. O egoísmo e o altruísmo são duas fases da vida do ego pessoal e essas duas fases são contínuas uma com a outra. O egoísmo surge quando todos os desejos estão centrados em torno da individualidade estreita. O altruísmo surge quando esta organização bruta dos desejos sofre uma desintegração criando uma dispersão geral dos desejos, com o resultado que eles abrangem um domínio muito mais amplo.
 
O egoísmo é o estreitamento dos interesses a um campo limitado; o altruísmo é a extensão de interesses ao longo de um vasto campo. Colocando paradoxalmente, o egoísmo é uma forma limitada de altruísmo e o altruísmo é a expansão do egoísmo em uma ampla esfera de atividade.
 
O egoísmo deve ser transmutado em altruísmo antes do domínio da dualidade poder ser completamente ultrapassado. O desempenho persistente e contínuo do de boas ações desgasta o egoísmo. O egoísmo expandido e expressado na forma de boas obras passa a ser o instrumento de sua própria destruição. O bom é o principal elo entre o egoísmo prosperar e morrer. O egoísmo, que no início é o pai de más tendências, torna-se através das boas ações, o herói de sua própria derrota. Quando as más tendências são completamente substituídas por boas tendências, o egoísmo é transformado em altruísmo, isto é, o egoísmo individual perde-se num interesse universal. Embora essa vida abnegada e boa esteja também vinculada aos opostos, a bondade é um passo necessário em direção à liberdade dos opostos. A bondade é o meio pelo qual a alma aniquila a sua própria ignorância. Do bom a alma passa para Deus. O altruísmo funde-se na individualidade universal, que é além do bem e do mal, da virtude e do vício e todos os outros aspectos duais de Maya (a ilusão ou a ignorância).
 
O cume do altruísmo é o início do sentimento de unidade com todos. No estado de Libertação não há nem o egoísmo nem o altruísmo no sentido comum, mas ambos são tomados e fundiram-se na sensação do 'Sentido de Ser' (Selfness) por todos. A Realização da unidade de tudo é acompanhada de paz e de alegria insondável. Ela não leva de maneira alguma nem à estagnação espiritual ou à obliteração de valores relativos. Esse (Selfness) 'sentido de Ser' para com todos traz uma harmonia imperturbável sem perda de discriminação, e uma paz inabalável sem indiferença para com o meio que nos cerca. Este (Selfness) 'Sentido de Ser' para com todos não é um resultado de mera síntese subjetiva. É resultado de uma real conquista da união com a Realidade última, que inclui tudo. Abra seu coração, desenraizando todos os desejos e abrigando um único anseio, o anseio pela união com a Realidade última.
 
A Realidade última não deve ser procurada nas coisas mutáveis do meio externo, mas no nosso próprio ser. Toda vez que sua alma tem a intenção de entrar no seu coração humano, ela encontra a porta fechada e o interior demasiadamente cheio de desejos. Não mantenham as portas dos seus corações fechadas. Em toda parte existe a fonte da felicidade duradoura e ainda assim, todos são infelizes por causa de desejos nascidos da ignorância. O objetivo da felicidade duradoura brilha plenamente apenas quando o ego limitado, com todos os seus desejos, encontra a sua extinção completa e definitiva.
 
A renúncia dos desejos não significa o ascetismo ou uma atitude meramente negativa para com a vida. Qualquer negação da vida desse tipo tornaria o homem desumano. A divindade não é desprovida de humanidade. A espiritualidade deve tornar o homem mais humano. É uma atitude positiva de liberar tudo que é bom, nobre e belo no homem. Também contribui para tudo o que é gracioso e amável no meio ambiente.
 
A espiritualidade não exige a renúncia externa das atividades mundanas ou o evitar de deveres e responsabilidades. É necessário apenas que, durante a realização das atividades mundanas ou o cumprimento das responsabilidades decorrentes do lugar específico e da posição do indivíduo, o espírito interior deve permanecer livre do fardo dos desejos.

A perfeição consiste em manter-se livre dos embaraços da dualidade. Essa liberdade dos embaraços é o requisito mais essencial da livre criatividade. Mas essa liberdade não pode ser alcançada ao fugirmos da vida por medo de nos embaraçarmos. Isso significaria a negação da vida. A perfeição não consiste na diminuição das expressões duais da natureza. A tentativa de escapar do emaranhamento implica medo da vida. A espiritualidade consiste em enfrentar a vida de forma adequada e plena, sem ser dominado por opostos. É preciso afirmar a sua soberania sobre todas as ilusões, não importa o quão atraentes ou potentes. Sem evitar o contato com as diferentes formas de vida, um Homem Perfeito funciona com desprendimento completo no meio de intensa atividade.
 
Meher Baba 
http://ricardo-yoga.blogspot.com


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