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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

REVELANDO A FINALIDADE 
DA VIDA



Naturalmente, quando não existe suficiente interesse ou desejo ansioso de procurar da vossa parte, é-me muito difícil palestras todas as manhãs; inventar algo de novo. Compreendeis que deve ser assim. Não posso de minha própria mente, inventar novas ideias, porém posso continuar, uma vez e outra, a descrever a mesma coisa sob um ponto de vista diferente. Será, porém, sempre a mesma a realidade fundamental.

Se por outro lado, de vossa parte existisse a ansiedade real para atingir a percepção de novas ideias e de lutar por elas, então haveria cada vez mais que tomar e não cada vez menos. A partir do momento que inventeis ideias, elas se tornam teorias e nada têm que ver com a vida ordinária de todos os dias, e eu de maneira alguma me preocupo com ideias teológicas, com o inventar de novas concepções ou o criar de novos argumentos. Assim, tendes que vir aqui ansiosos de compreender, como eu estou desejoso de dar. Não pode ser negócio unilateral. Não vos posso satisfazer se não quiserdes; se não tiverdes forme de nada vos servirá tomar uma refeição. Se, porém, tiverdes fome encontrareis bastante satisfação no alimento para vos sustentar durante o dia todo. Assim, pois, não deixeis tudo à mim: não espereis que vos satisfaça. Quanto mais fundo mergulhardes o vaso de vosso desejo no poço do entendimento, tanto mais tereis capacidade para receber. O que sinto no presente, é que não há suficiente ansiedade, vital interesse. É um mero aflorar à superfície.

Se de vossa parte houver o desejo de colocar em prática uma ideia daquelas de que vos falo, então verificareis por vós próprios as formidáveis possibilidades, o que há de implícito, os significados meio ocultos que, para uma consciência não reflexiva, proporcionam apenas um entendimento superficial. Assim, tendes que aproximar-vos do que eu digo com mente ansiosa, ponderada e ardorosa.

Como disse outro dia, aquilo de que falo não é o resultado da leitura ou do assistir a reuniões, de ler livros e ouvir conferências. Não é, portanto, uma dedução à qual tenha chegado após haver examinado várias teorias, vários arrazoados. Para mim isto nasceu de minha própria experiência; e daí sustento que aquilo que digo não é impessoal, é universal. Relaciona-se com a própria vida; e daí o ser aplicável a todo o momento de nossa existência, o ser prático e capaz de ser vivido, isto é, realizável.

A definição tem valor somente quando vos proporciona a oportunidade de olhar através para ir mais além. Esta é a característica principal da definição; não é um fim em si mesma. Assim, esta manhã vou tentar descrever, definir aquilo que, realmente é indescritível e indefinível; para colocar em palavras aquilo que somente é verificável quando se tem uma mente plácida, maleável, ardente, despojada de todos os objetivos e pontos de vista de natureza pessoais. É preciso, em absoluto, não ser teimoso, não ser apanhado pelas opiniões. A vida é criação e não se pode aplicar a criação às palavras “Felicidade” ou “Infelicidade”. A vida é criação, é movimento e nela existe a manifestação e não-manifestação, fenômeno e não-fenômeno. Assim, não vos aproximeis do entendimento da vida imbuídos de quaisquer relações qualitativas, circunstâncias especiais e atributos. Por isso é que eu disse que, para entender a realidade última, a finalidade da vida, a própria vida em si, tendes que vir a ela com mente liberta de todos esses atributos e qualidades. A vida é criação e a Natureza esconde a vida — isto é, toda a coisa que existe em manifestação oculta, a vida em si mesma. Quando esta vida na Natureza se desenvolve e se torna concentrada no indivíduo, então é quando a Natureza se consome a si mesma. (Isto não é teoria; podeis pensar sobre isto e haveis de verificar). O destino é a função da Natureza em conjunto, e criar o indivíduo autoconsciente, que conhece os pares de opostos, que sabe ser ele próprio uma entidade em si mesmo, consciente e separada. 
 
Assim, a vida, na Natureza, por meio de seu desenvolvimento, torna-se autoconsciente no indivíduo concentrado e desperto. Isto é, um ser separado — um indivíduo autoconsciente que sabe ser diferente de outrem, no qual existe separação de “tu” e “eu”. Quando esta vida autoconsciente no indivíduo, presa no cativeiro das limitações, conhece a separação de “tu” e do “eu”, do objeto e do sujeito, se houver libertado dessas limitações, alcança o fim, preenche a si mesma. Portanto, autoconsciência é esforço. Se não puserdes em prática o esforço, se não houver esforço contra a limitação, não mais haverá autoconsciência e individualidade. A individualidade é imperfeição; não é uma finalidade. Quando a individualidade se houver preenchido a si mesma por meio do esforço incessante, destruindo, despedaçando as paredes da separação, alcança essa sensação do ser sem esforço; então a autoconsciência no indivíduo realiza o puro conhecimento no qual não existe nem sujeito nem objeto.

Meu ponto de vista, é que precisais, em primeiro lugar saber em que sentido a vida se orienta — e por vida entendo eu essa existência individual que alcança o seu fim na libertação. O homem que conhece a separação é apenas o sujeito que é limitado e nele o objetivo não foi ainda realizado. Ele tem que aperceber-se da direção em que a vida labora, qual o seu propósito; de outro modo a experiência não teria significado, a criação não teria significação e nem tão pouco a perfeição e a iniquidade. Se esse indivíduo no qual existe a consciência da separação, de sujeito e objeto, não compreende o propósito da vida, torna-se mero escravo da experiência, para a criação. Assim, meu objetivo é, em primeiro lugar o fazer compreender o propósito da vida, compreender a direção a qual estais lutando, e depois fazer utilizar toda a experiência, toda a emoção, todo o pensamento, para vos fortificar e para desfazer este véu de separação.

Para o indivíduo autoconsciente existe sujeito e objeto e o objeto torna-se uma entidade distanciada para o qual ele olha pedindo auxilio, a quem proporciona sua adoração, seu amor, seu afeto, todo o seu ser. Não estão todos fazendo isto? Para o indivíduo separado, a vida torna-se em sujeito e objeto, porém a finalidade da vida, o preenchimento da vida é realizar a totalidade do conjunto — o ser não objetivo, não subjetivo — que é PURA VIDA. Assim, é na subjetividade do indivíduo que o objeto realmente existe. No indivíduo estão o começo e o fim. Nele está a totalidade de toda a experiência, de todo o pensamento, de toda a emoção. Nele está toda a potencialidade e a sua tarefa é realizar essa totalidade no subjetivo; isto é, em sua própria consciência.

A finalidade da vida, então é, por meio de uma série de esforços — todos os dias, a cada minuto, e cada segundo, — chegar a esse PURO SER que é desprovido de esforço — o qual é desconhecer o sentimento de separação da consciência individual. Pois que a consciência individual é esforço. Quando verificais que dentro de vosso próprio eu reside todo o universo — o universo da VIDA¸ não da manifestação — então pelo exteriorizar-vos, inevitavelmente voltareis à fonte de toda a existência que está em vós mesmos. Daí, este PURO SER, esta PURA VIDA, é toda integrativa: posto que fora dela exista tempo e espaço, nela em si mesma tempo e espaço não existem.

Assim, o PURO SER, a VIDA, está para além do tempo e do espaço e, achando-se para além, é imperturbável, tranquilo, sereno e de felicidade plácida. A partir do momento que dependais de tempo e espaço há limitação e infelicidade. Este PURO SER que é impessoal, posto que não seja pensamento nem emoção, posto que não seja desejo é, no entanto, o fim do desejo, a meta do pensamento, a finalidade da vontade. É intuição. A intuição, posto que não seja pensamento, nem emoção, é, no entanto, a finalidade e a meta de ambos. Esta PURA VIDA é impessoal; porém, tendes que a ela chegar por meio do esforço pessoal, mediante a purificação do pensamento e da emoção. O PURO SER não se encontra nas coisas externas, objetivas, porém sim em nosso próprio ser; o buscar o vosso verdadeiro ser implica incessante esforço e constante apercebimento.

Quando houverdes alcançado o PURO SER, a PURA VIDA, entretanto — quando houverdes encontrado a verdade sem a qual não vos podeis aproximar de caminho algum — então tereis obtido a cessação do esforço; então vereis pela pura intuição, a qual se encontra potencialmente em todo o indivíduo autoconsciente. Pela contínua conquista, pelo entendimento de vossos anseios internos, das vossas paixões, das vossas esperanças, dos vossos desesperos, de vossas pesquisas vãs e do vosso desejo de ser consolado e confortado, — pelo desgaste destas coisas gradualmente, chegais à vida liberta que é felicidade, que é o lugar de moradia da pura intuição e da pura ação. Toda a vez que objetos vierem a ser apresentados à vossa intuição ela dará sempre a resposta correta. Uma vez que tenhais entendido o propósito da vida — por objetiva que ela seja ao começo, por exterior que ela seja a vós em princípio — a todo o instante estareis vigiando, apercebidos, auto-recolhidos, afim de utilizardes toda a experiência e todo o pensamento como um meio para guiar-vos em direção àquela. Então, tornar-vos-eis o vosso próprio libertador.

Para um tal homem não existe o medo. Ele removeu a causa fundamental do medo. O homem que não repousa sobre circunstâncias exteriores para seu crescimento interior, domina o espaço existente entre a separatividade autoconsciente e seu preenchimento. Isto é libertação, isto é felicidade — não os estágios intermediários, os quais são apenas ilusões da mente. Espero que me fareis perguntas acerca deste assunto, porém é ele uma realidade indescritível e viva, que somente pode ser realizada por vós mesmos. Ela não pode ser transmitida por mim a vós outros. Portanto, a partir do momento, que estejais apercebidos do propósito da vida, da vossa própria existência separada, de vossa individualidade autoconsciente, então estareis lançando uma ponte sobre o abismo, por meio de constante e incessante esforço. Homem feliz é aquele que venceu todo esforço, porque, no fim de tudo, a verdadeira virtude é espontânea, e isenta de esforço. Enquanto existir esforço, não estareis ainda libertos. Não existe ainda esse estado de entendimento, de PURO SER, de PURA FELICIDADE, e de PURA INTUIÇÃO. Para chegar à isto é preciso que exista essa intensa vigilância, esse contínuo esforço, esse ajustamento, essa escolha de que tenho falado; e tudo isto exige a grande energia da inteligência desperta. Para o homem que deseja realizar este estado de libertação — de felicidade, de pura vida e de puro ser — deve existir o constante apercebimento do verdadeiro merecimento das coisas que o rodeiam. Um tal homem torna-se iluminado, pois não mais é escravo de coisas que não têm valor.


Krishnamurti
http://pensarcompulsivo.blogspot.com

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