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segunda-feira, 10 de setembro de 2018

MOMENTOS COM LEON TOLSTOI

  
O Homem não é Sempre Igual
 
Um dos preconceitos mais conhecidos e mais espalhados consiste em crer que cada homem possui como sua propriedade certas qualidades definidas, que há homens bons ou maus, inteligentes ou estúpidos, enérgicos ou apáticos, e assim por diante. Os homens não são feitos assim. 
 
Podemos dizer que determinado homem se mostra mais frequentemente bom do que mau, mais frequentemente inteligente do que estúpido, mais frequentemente enérgico do que apático, ou inversamente; mas seria falso afirmar de um homem que é bom ou inteligente, e de outro que é mau ou estúpido. 
 
No entanto, é assim que os julgamos. Pois isso é falso. Os homens parecem-se com os rios: todos são feitos dos mesmos elementos, mas ora são estreitos, ora rápidos, ora largos, ora plácidos, claros ou frios, turvos ou tépidos. 
 
 
A Liberdade Nunca é Real 
 
Se examinarmos um indivíduo isolado sem o relacionarmos com o que o rodeia, todos os seus atos nos parecem livres. Mas se virmos a mínima relação entre esse homem e quanto o rodeia, as suas relações com o homem que lhe fala, com o livro que lê, com o trabalho que está fazendo, inclusivamente com o ar que respira ou com a luz que banha os objetos à sua roda, verificamos que cada uma dessas circunstâncias exerce influência sobre ele e guia, pelo menos, uma parte da sua atividade. E quantas mais influências destas observamos mais diminui a ideia que fazemos da sua liberdade, aumentando a ideia que fazemos da necessidade a que está submetido.  
 
(...) A gradação da liberdade e da necessidade maiores ou menores depende do lapso de tempo maior ou menor desde a realização do ato até à apreciação desse mesmo ato. Se examino um ato que pratiquei há um minuto em condições quase as mesmas em que me encontro atualmente, esse ato parece-me absolutamente livre. Mas se aprecio um acto realizado há um mês, ao encontrar-me em circunstâncias diferentes, a meu pesar, se não tivesse realizado esse ato, não existiriam muitas coisas inúteis, agradáveis e necessárias que derivam dele. Se me translado com a memória a um ato mais remoto, a um ato de há dez anos ou mesmo mais, então as suas consequências ainda se me apresentarão mais evidentes e ser-me-á difícil representar-me seja o que for, caso aquele ato remoto nunca tivesse existido.
 
Quanto mais retroceder na minha memória, ou, o que vem a dar na mesma, quanto mais projetar no futuro o meu juízo, tanto mais duvidosos me parecerão os meus raciocínios acerca da liberdade do ato realizado.
 

Há Muitas Religiões, Mas o Espírito é Único

- Que religião é a tua? - perguntou um homem de certa idade, que estava num extremo da balsa, junto do seu carro.

- Não tenho nenhuma religião. Porque não creio em ninguém mais do que em mim mesmo - replicou o velho com ar resoluto.
 
- Como pode uma pessoa crer em si mesma ? Pode enganar-se - objectou Nekliudov, intervindo na conversa.
 
- Nunca! - exclamou o velho abanando a cabeça.
 
- Porque há então diferentes religiões ?- interrogou Nekliudov.
 
- Porque as pessoas creem precisamente nessas religiões e não creem em si mesmas. Também eu acreditei nos outros e perdi-me como numa floresta. Estava tão confuso que julguei não poder mais encontrar o caminho. Conheci múltiplas religiões diferentes. Todas se louvam a si mesmas. Todas se foram propagando, tal como uns carneiros cegos arrastam outros consigo. Há muitas religiões, mas o espírito é único. É o mesmo em ti, em vós e em mim. Assim, pois, cada um de nós tem de acreditar no seu espírito, e deste modo todos estamos unidos.
 
 
O Sentido da Vida Está em Cada um de Nós 
 
'Vejamos, que vem a ser isto que me perturba?', perguntou Levine a si próprio, sentindo, no fundo da sua alma, a solução para as suas dúvidas, embora ainda não soubesse qual fosse. 'Sim, a única manifestação evidente e indiscutível da divindade está nas leis do bem, expostas ao mundo pela revelação que sinto dentro de mim e me identifica, quer queira quer não, com todos aqueles que como eu as reconhecem. É esta congregação de criaturas humanas comungando na mesma crença que se chama Igreja. Mas o judeus, os muçulmanos, os budistas, os confuccionistas?', disse para si mesmo, repisando o ponto delicado. 'Estarão eles entre milhões de homens privados do maior de todos os benefícios, do único que dá sentido à vida?... Ora vejamos', continuou, após alguns instantes de reflexão, 'qual é o problema que eu a mim mesmo estou a pôr? O das relações das diversas crenças da humanidade com a Divindade? É a revelação de Deus no Universo, com os seus astros e as suas nebulosas, que eu pretendo sondar. E é no momento em que me é revelado um saber certo inacessível à razão que eu me obstino em recorrer à lógica!

'Eu bem sei que as estrelas não caminham', prosseguiu, notando a mudança que se operara na posição de um planeta que subia por detrás de uma bétula. No entanto, incapaz de imaginar a rotação da Terra, ao ver as estrelas mudarem de lugar, tenho razão quando digo que elas caminham. Teriam os astrônomos chegado a compreender tudo isto, teriam chegado a calcular alguma coisa se porventura houvessem tomado em consideração movimentos da Terra tão variados e complicados? As surpreendentes conclusões a que eles chegaram sobre a distância, o peso, o movimento e as revoluções dos corpos celestes não terão por ponto de partida os movimentos aparentes dos astros em torno da Terra imóvel, estes mesmos movimentos de que eu sou testemunha, como milhões de homens o foram e o serão durante séculos e que sempre podem vir a ser verificados? Pela mesma razão que as conclusões dos astrônomos seriam vãs e inexatas se não fossem deduzidas das observações do céu aparente, em relação a um único meridiano e a um único horizonte, também as minhas deduções metafísicas se veriam privadas de sentido se eu as não fundamentasse neste conhecimento do bem inerente ao coração de todos os homens e de que eu tive, pessoalmente, a revelação, graças ao cristianismo, e que sempre me será dado verificar na minha alma. As relações das outras crenças com Deus continuarão para mim insondáveis, e eu não tenho direito de as perscrutar.

(...) 'Este segredo só tem importância para mim, e palavra alguma o poderia explicar. Este novo sentimento não me modificou, não me deslumbrou, nem me tornou feliz, como eu supunha. Sucedeu a mesma coisa com o amor paternal, que não foi acompanhado de surpresa ou de deslumbramento. Devo chamar-lhe fé? Não sei. Sei apenas que me penetrou na alma através do sofrimento e nela se implantou com toda a firmeza. Continuarei, sem dúvida, a impacientar-me com o meu cocheiro Ivan, a discutir inutilmente, a exprimir mal as minhas próprias ideias. Sentirei sempre uma barreira entre o santuário da minha alma e a alma dos outros, mesmo a da minha própria mulher. Sempre tornarei Kitty responsável dos meus terrores, arrependendo-me logo em seguida. Continuarei a rezar sem saber porque rezo. Que importa! A minha vida não estará mais à mercê dos acontecimentos, cada minuto da minha vida terá um sentido incontestável. Agora possuirá o sentido indubitável do bem que eu sou capaz de difundir!' 
 
 
As Nossas Ideias Ou As Dos Outros
 
Todos os homens vivem e agem, em parte, segundo as suas próprias ideias e, em parte, segundo as ideias alheias. Uma das principais diferenças que existem entre os seres humanos consiste na medida em que se inspiram nas suas próprias ideias ou nas dos seus semelhantes. Uns limitam-se a servir-se das suas ideias como de um jogo intelectual, usam a razão como a roda de uma máquina da qual houvessem tirado a correia transmissora, submetendo os atos às ideias dos outros, ou seja, aos seus costumes, tradições e leis. Outros consideram que as suas ideias constituem o principal motor da atividade que desenvolvem e quase sempre obedecem às exigências da sua razão. Só de vez em quando, depois de uma apreciação crítica, se guiam pelas normas dos outros.
 
http://www.citador.pt 
 
 

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